AS PALAVRAS NA FILOSOFIA
Só tenho mais segurança em filosofar com palavras, porque não me parece que qualquer pessoa compreenda uma idéia tão-somente pelo que está escrito num texto. Estranho que, tão inversamente, esse é o mesmo argumento apresentado para se condenar as palavras na filosofia... Porém, deve-se compreender que, se é a carga cultural que fornece a significação das palavras – e, nisso, pode nos confundir devido à polissemia –, é também ela quem corrige as “falhas” entre o que está em forma de palavras e o que se pretende passar.
Isso é patente, quando verificamos que um computador não consegue apreender idéias, mas somente dados. Dados são “secos” – tem fim em si, como um caractere –, têm, portanto, limite das formas pelas quais podem ser passados, em função da programação prévia. Se a um dado corresponde uma seqüência de caractere, inserido-a num computador, aquele dado, exatamente ele, e nada mais, será armazenado (e não “compreendido”)... Enquanto isso, as idéias são sensações inquietas que, ou não têm extensão, ou os limites que as individualizam são indistinguíveis.
A clareza das palavras depende da afinidade cultural. Ora, para mim, um texto em sânscrito tem clareza nula... Um escrito, mesmo que “traduzidos ao pé da letra”, tem clareza cada vez menor para mim quanto menor é o conhecimento meu sobre a cultura da pessoa que o escreveu. A língua ou a forma de adequação de outra língua – como, por exemplo, a forma brasileira de usar o português ou o próprio português adaptado pelos celtiberos, a partir do latim vulgar – é uma expressão da cultura que angaria todas as outras categorias culturais. De tal maneira que, reciprocamente, através da cultura conheço melhor uma língua e, através desta, aquela.
Um texto organiza idéias, no sentido em que as aponta “aproximadamente” numa direção... Por exemplo, embora alguns não compreendam, tento, com este texto, “cercar” as idéias referentes ao uso da palavra na filosofia. A apreensão desta direção depende muito da intimidade cultural do interlocutor e da clareza no ato de escrever. Pelo dito no parágrafo anterior, então, é tanto mais hábil quem escreve quanto consegue, baseado nas concepções culturais alheias, transmitir o que pensa. Ou seja, se quero discutir com um francês, é bom que entenda sua língua imersa em sua cultura. Se eu escrever em português e traduzir palavra a palavra, é bem provável que não lhe transmita uma direção nem sequer aproximada do que quero...
Na filosofia existem palavras ditas intraduzíveis, que são mantidas em sua grafia original, como se houvesse um entendimento geral acerca do significado daqueles termos. No entanto, acontece que esses mesmos termos foram – não raro – objetos de discussões anteriores. O entendimento deles é, então, um produto do processo da própria filosofia; podemos dizer, então, que há uma cultura filosófica.
A partir disso poderia eu me enveredar a defender a eleição de uma “língua universal filosófica”, contudo não é para onde rumo esta fragata. Quero somente afirmar que as palavras são uma forma ótima de transmissão de idéias, isso se observados os requisitos de conhecimentos mútuo da cultura dos que discutem entre si. Ademais, a globalização aponta o mundo cada vez mais a possuir traços afins de cultura, o que talvez seja a base para a emersão natural e gradativa daquela língua mundial.