TRAGÉDIA ANUNCIADA OU FATALIDADE?

Jorge Linhaça

Aproximadamente 19 horas do dia 18 de janeiro de 2009, domingo chuvoso.

Cambuci, São Paulo, capital.

Centenas de fiéis aguardam o início de mais um culto.

O prédio, construído na década de 50 , no século passado, outrora um cinema, foi adaptado para se tornar um templo religioso.

Repentinamente o teto , literalmente, desaba sobre a cabeça dos presentes.

Saldo até o momento:

8 mortos e 55 feridos ( alguns em estado grave e vários com amputações de membros).

1 desaparecido

A bispa da Igreja e seu fiel esposo e escudeiro soltam um comunicado diretamente dos Estados Unidos onde cumprem prisão domiciliar.

" Não sabemos as causas da fatalidade, mas com certo existe um propósito divino para tal sofrimento"

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Não vou entrar aqui na questão religiosa ou de crença de cada ser humano,

cada qual deve ser livre para adorar a Deus da maneira que julgue mais correta, por mais incorretas que sejam as lideranças religiosas.

O que me parece inconcebível, o que ,obviamente, não parece para as autoridades deste país, é que se emitam alvarás de funcionamento para cultos religiosos em edifícios sem uma estrutura adequada.

Fui líder religioso durante 22 anos em uma denominação religiosa que não vem ao caso citar o nome, mas apenas para servir como parâmetro, cada vez que se constrói ou reforma uma unidade da igreja ( leia-se templo, capela, ou

outro nome de sua preferência ) conseguir o alvará de funcionamento é um parto já que, por princípio, tal denominação recusa-se a pagar propina para as autoridades da prefeitura para " acelerar" o processo. Os edifícios chegam a ficar semanas ou meses, depois de devidamente vistoriados pelos fiscais da prefeitura, pelo corpo de bombeiros e outras repartições espera do `"habitise"

São feitas várias exigências que vão desde área de estacionamento, números de portas de saída, até o número de extintores de incêndio, devidamente sinalizados e em locais de fácil acesso. Tudo isso em nome da segurança dos frequentadores da Igreja.

Dito isto, parece-me haver dois pesos e duas medidas na emissão de alvarás.

Não vejo em nenhuma dessas "igrejas" que funcionam em antigos cinemas, bingos, casas de espetáculo, galpões industrias e etc, o mesmo rigor exigido

das denominações que se ocupam da construção de edifícios para receberem os seus fiéis em segurança.

Apurar as responsabilidades é uma coisa que infelizmente não acontece com seriedade nestes casos. A junção da ambição dos mercadores da fé, preocupados apenas em reunir o maior número de presentes possíveis em seus locais de adoração, pouco se preocupando com a segurança deles, talvez embalados pelo adágio popular de " Deus proverá" , de olhos apenas no dinheiro recolhido a cada reunião com o "passar da sacolinha"; aliado ao

"jeitinho" das autoridades em fazer vistas grossas à corrupção que ocorre nas repartições públicas, é um campo fértil para que tragédias como esta ,

semeadas à mão cheia pelo Brasil afora, acabem por dar os seus frutos.

O mais assustador é que não se trata de uma "igreja" que não disponha de recursos financeiros, a fortuna acumulada por essa denominação religiosa é imensa, a exemplo de tantas outras, possuem jornais, redes de rádio e televisão, e seus líderes andam de carros importados, roupas de grife e jóias caras. Nada contra, não é ilegal , apesar de poder ser considerado imoral, ostentar riqueza. O que não é compreensível é que , a sede mundial de tal Igreja funcione em um prédio velho e adaptado.

Será que de toda a fortuna acumulada com os "dízimos e as ofertas alçadas",

conforme o preceito bíblico, uma boa parte não poderia ser destinada à construção de edifícios seguros?

Será que o valor de cada fiel é medido apenas pelo quanto dá de ofertas a cada culto ao que comparece?

O mais chocante foi ver um dos fiéis ( que pediu para não ser identificado,

talvez com medo de represálias ou ameaças) afirmar que dias atrás uma parte do teto já havia se desprendido e que os fiéis foram simplesmente orientados a auxiliar na remoção das placas que haviam caido, para deixar o local em condições para receber os fiéis do próximo culto.

Se você é um fiel que frequenta um desses templos adaptados está na hora de exigir providências dos seus líderes espirituais a respeito de sua segurança e integridade física.

Pode ser que ouça muitas desculpas ou te respondam com as mesmas perguntas de sempre: " Onde está a sua fé irmão?" ;" O irmão não crê na salvação de sua alma?"

Volto a afirmar que aqui não vai nenhuma crítica à doutrina da Igreja Renascer, trata-se apenas de avaliar uma tragédia que pode ser o prenúncio de muitas outras tanto na mesma igreja como em outras que agem de maneira semelhante.

Talvez o " propósito divino" desconhecido pela "bispa" e o "apóstolo"

seja justamente o de fazer com que tanto as lideranças religiosas, quanto os fiéis e as autoridades, despertem para a precariedade de tais locais de culto.

Talvez o propósito seja justamente , neste caso específico, de levar os líderes da igreja em questão ( e também de muitas outras) a realmente "Renascer em Cristo" já que , "renascer em Cristo" significa tornar-se uma pessoa mais preocupada com o bem estar do próximo do que com o acúmulo de fortunas pessoais.

Até que essa conscientização se torne real e palpável, talvez seja uma boa idéia banir do vocabulário dos fiéis aquela famosa frase que usamos para dar ênfase quando atestamos uma verdade:

" Quero que este teto caia sobre a minha cabeça se isso não for verdade"

O risco de o teto, literalmente, cair é muito grande.