Quanto vale a marca que você usa?
Várias vezes, eu comecei esse texto sobre a questão da “logomarca” em tempos de pós-modernidade. Mas, a verdade é que as reflexões sobre o tema me fizeram divagar sobre tanta coisa, que eu simplesmente não consegui avançar. Portanto, essa é mais uma tentativa, espero que bem sucedida, de falar sobre algo que envolve capitalismo, globalização, pós-modernidade, reprodutibilidade, logomarca, identidade e exclusividade.
Bem, quando eu era adolescente, via as meninas mais velhas usando umas bolsas com monogramas que para meu senso estético, eram extremamente feias. Todas iguais, em tonalidades entre bege e marrom, cravadas de metais dourados e para arrematar, as tais letrinhas. Tempos depois, ao conviver com meninas desse estilo, fiquei sabendo que se tratava de uma tal “marca” francesa, e que, utilizar uma bolsa daquela era muito bom para “parecer rica”.
Bem, esse negócio de “parecer” nunca foi para mim. Ou se é, ou se busca ser. Mas, não posso negar que tive sim algumas bolsinhas, não da marca francesa, mas da outra, a Uruguaia. Se pareci rica não sei, mas me diverti muito com nelas nesse período, com o mesmo entusiasmo que em outras fases de minha vida. E, passou.
Agora o que me interessa nessa história de “marcas”, é a curiosa relação da tal exclusividade proposta por elas e a realidade do Capitalismo na pós-modernidade. Ou seja, a irônica reação desastrosa da fórmula custo/benefício; – mão – de – obra e reprodutibilidade do Capitalismo pós-moderno.
Desde a Revolução Industrial, a produção de bens de consumo ganhou proporções inimagináveis para clãs familiares de artesãos. A reprodutibilidade em grande escala de objetos utilitários ou estéticos passou a designar a modernidade dos tempos. E nesse contexto, a manufatura engenhosamente elaborada pelas mãos de uma hábil artesã, já não atendia mais às necessidades do consumo nas grandes metrópoles.
Num dado momento, isso foi ruim para as artes manuais em geral, mas posteriormente, o produto elaborado manualmente ganhou ares de sofisticação e, por ser único, tornou-se exclusivo e valorizado, elevando seu custo no mercado. Noutras palavras, quem desejasse possuir um artigo único, de padronagem inédita, deveria pagar o alto preço da exclusividade.
A indústria do Capitalismo, obviamente, quis se apropriar dessa idéia de exclusividade e lucrar com ela. Mas como seria possível vender centenas de milhares de cópias de um mesmo produto e ainda associá-lo a idéia de exclusividade, de unicidade de produto? Foi nesse ínterim que surgiu a história da logomarca.
A velocidade da produção de bens de consumo acompanhava o avanço tecnológico das grandes indústrias, que investiam pesadamente na renovação de máquinas e na formação de mão-de-obra para atender a demanda do consumo ascendente. E, paralelamente a esse processo, a indústria do marketing implantava a idéia da identidade pelo uso da logomarca.
Utilizando ícones da mídia, as grandes indústrias passaram a vender seus produtos, associados a certos conceitos, como por exemplo, elegância, beleza, distinção, que eram representados pelo modelo, o artista ou personalidade importante, socialmente. Com o tempo, essa idéia “pegou” e a reprodutibilidade em grande escala pôde ser mantida, sem levantar dúvidas sobre a qualidade do produto em questão.
Todavia, o Capitalismo é feito basicamente pelo consumo de bens, ou seja, quanto mais se fabrica, mais se vende e mais se lucra. E nesse processo, as máquinas não conseguem dar conta, sozinhas, de todo o processo de produção. A mão-de-obra humana ainda continuou a ser requerida.
Nesse sentido, o processo de modernização da sociedade exigiu a organização coletiva dos trabalhadores em torno de seus direitos. E foi então que surgiram os primeiros sindicatos organizados. De lá para cá, os sindicados sistematizaram seus trabalhos para enfrentar o Capitalismo selvagem e a exploração desenfreada da mão-de-obra operária.
Ora, é evidente que assumir os encargos trabalhistas, o custo da matéria-prima, taxas e impostos exigidos para circulação de mercadorias, oneraram a produção de bens, sobretudo aqueles produtos ditos “de luxo” e, notadamente, aqueles produzidos no eixo euro-americano. Solução viável encontrada pelos fomentadores do consumo desenfreado? Utilizar mão-de-obra barata, preferencialmente, chinesa.
Mas, para isso, foi necessário qualificar o operário chinês, ensinar-lhe o corte adequado do couro, a impressão sutil do monograma, a seleção diferenciada das cores, os modelos de cada nova coleção, ou seja, todos os pequenos segredos que oferecem a tal exclusividade da logomarca. Pois é, a grande ironia está contida nesse dado. Ao se apropriar dessas informações, a indústria chinesa da cópia empreendeu a reprodução maciça dos tais produtos exclusivos.
Na China existe uma tolerância em relação às fabriquetas de produtos piratas, afinal, são elas que sustentam milhares de famílias. Essa tolerância é uma forma também de incrementar a economia local. Se ganha legalmente e ilegalmente.
Conseqüência disso é que os muitos consumidores refinados que se gabavam de sua “distinção” por utilizarem as grandes logomarcas americanas e européias, estão agora no mesmo balaio de gato de outros tantos afeitos ao consumo da pirataria chinesa. E como saber qual produto é original e qual é a cópia?
Identificar um artigo e comprovar a sua falsidade é quase impossível. A prova disso são as diversas situações registradas pela mídia, onde o proprietário da marca, de posse da cópia, não conseguia encontrar as incorreções do produto- cópia que o diferenciasse do original. Matéria-prima, acabamento, ferragens, etiquetas, selos de garantia. Tudo igual. Diferente, só o preço.
Essa situação gerou algumas suspeitas, como por exemplo: o que pode garantir que o produto exposto na vitrine daquela loja refinada do Shopping Center não se trata também de uma cópia? E, se de fato, os produtos são produzidos na China e, posteriormente, enviados para Europa e Estados Unidos, qual o valor do Made in? Por que pagar o custo de três dígitos a mais pela exclusividade de um produto, que o próprio especialista não consegue identificar, quando este é misturado às suas cópias?
Enfim, o Capitalismo criou uma forma diferenciada e ilegal de se manter, já que não dá para lucrar apenas com o seguimento de luxo legalizado. Com isso, hoje, todos podem vestir, calçar, portar, e desfilar as, mundialmente famosas, marcas americanas e européias. E, se alguém contestar a veracidade do produto, basta dizer:
E o que você considera original e cópia em tempo de globalização e pós-modernidade? Se você não encerrar categoricamente a polêmica, certamente, iniciará uma boa discussão sobre a relativização dos valores na pós-modernidade.
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