A impossibilidade da Paz?
Publicado no Portal Galego da Língua
Sábado, 17 Janeiro 2009 00:00
Por Artur Alonso Novelhe
Como realmente nunca houve uma aposta definida pela paz, excetuando talvez a feita por Isaac Rabin, que pagou tal ousadia com a própria vida, foi muito fácil fazer chegar ao povo israelita, trabalhado durante anos no medo ao inimigo árabe, a convicção de que só mediante o emprego da intimidação se poderia ter o direito ao sossego. Cada poder usa os meios a seu alcance para formar a seu bel-prazer a sua gente, o seu povo; e hoje estes meios são assustadores.
Deste modo chegou a chefiar o governo israelita um homem da categoria ética de Ariel Sharon. Planificou meticulosamente o relatório a seguir no fio já preestabelecido de: "ou eles ou nós", "ambos não podemos ocupar o mesmo espaço".
De ele, e seus compadres da direita intransigente, surgirá o muro, os cantões na Cisjordânia, o gueto de Gaza, o isolamento e posterior morte de Arafat, a quem considerava uma ameaça para a segurança e continuidade do Estado Hebreu.
Desde os inícios do Estado de Israel assimilou-se na consciência coletiva que com eles, os outros, impossível viver. Os sectores ultra-ortodoxos ainda animam a formação do grande Israel, enquanto sectores progressistas ficaram reduzidos ao nada. É assim que, propaganda após propaganda, bem intencionada, os sectores belicistas encantoaram os pacifistas, até os situar na mínima expressão. Hoje, como resultado, 80% da população israelita aprova a invasão e as matanças em Gaza, ao igual que a maioria dos partidos e sindicatos; e com as eleições ao virar da esquina sobe quem mais firmeza mostra.
Sharon já tinha em mente este cenário quando foram deslocados os colonatos judeus de Gaza, ao tempo que o mundo interpretava esta manobra destinada a cercar Gaza, como uma concessão à paz.
Ehud Barak, segundo o jornal israelita Haaretz, 27-Dezembro-2008, tinha já preparada a operação 6 meses antes, quer dizer, sobre junho de 2008. Segundo confessa o próprio Barak, ele só precisava da trégua para fazer visíveis os militantes do Hamas e depois, mais tarde, poder eliminá-los.
Curiosamente, as águas de Gaza contêm jazigos de Gás natural, que em seu momento pretendeu explorar o British Gas Group, numa concessão feita pela Autoridade Palestiniana em 1999.
Curiosamente também Israel reclama agora, como uma das condições para o fim da invasão, a militarização com tropas de paz, ou bem israelitas, das águas de Gaza e do corredor de Rafath, na fronteira com o Egito.
Enquanto na faixa morre gente anónima.
Para vencer o adversário é preciso primeiro o seu cerco. Desligá-lo dos seus aliados. Nas várias frentes Israel conta com grandes apoios: o poder judaico americano, que conta com congressistas, senadores, média internacionais, fortes laços com a indústria do cinema. Isto possibilita que os EUA vetem na ONU todas as resoluções incómodas para o Estado judeu.
No mundo árabe conta com a aliança sunita contra o Irão, ilustrada nas monarquias petroleiras, a Jordânia e o Egito, que temem a perda de influência na região, e veem o exército israelita como o único capaz de derrotar os movimentos apoiados pela Síria e pelo Irão. Daí a luta no Líbano entre pró-ocidentais e o Hizbolá.
Daí a repentina pressa, pois o novo gabinete Obama, sendo incondicional de Israel, também deseja uma acomodação como o Irão, semelhante à que possibilitou a invasão do Iraque, e que agora pode dar acomodação ao quebra-cabeças em que o Iraque se converteu.
Na Europa conta com o silêncio da mesma, declarações retóricas, e avaliações diversas que jogam a temperar o pior cenário, e convencer os palestinianos de que se desta vez cederem um pouco mais, a mesa de negociações retornará. Mas na mesa de negociações sempre cedeu a Palestina, nunca Israel, nós não o sabemos mas os palestinianos sim, por isso votaram no Hamas, por isso se desfizeram duma Autoridade Palestiniana administrativamente corrupta e pactuante sem resultados, nas eleições de 2006.
E depois o golpe de Estado de Abbas, apoiado pelo Ocidente, e as potências árabes sunitas. É a desculpa ideal para o ultranacionalismo sionista, a Europa não a viu? Não foi capaz de perceber que o Hamas queria negociar, que o Hamas jamais queria chegar a este cenário, pois sabia que nele lutaria desesperadamente? Não foi capaz a Europa de encorajar a admitir o resultado das urnas e ganhar a direção moderada do Hamas, que hoje não estaria nas mãos do Irão, e que mesmo aceitava mais tarde um governo compartilhado com Abbas? Mas, como sempre dizemos, a Europa tem muita menos autonomia dos EUA, do que pensamos. Vai presa na sua cauda. Só que a América do Norte fica lá e nós cá.
Israel pede por boca da sua ministra Tzipi Livni: "umas semanas mais ao mundo para rematar o trabalho em Gaza". Palestina não pode pedir o cessamento da invasão, nem parar a guerra se não se ativarem todas as armas da solidariedade e paz por todas as capitais do mundo. Por isso a direita judaica de todo o mundo está a responder em quantas capitais pode com contra-manifestações a favor da intervenção.
Mas o Hamas já aceitara o reconhecimento do Estado de Israel, ao aceitarem a resolução da ONU, à volta das fronteiras de 1967, e a coexistência de dois Estados, nesse quadro.
Mas Israel sabe que o inimigo esta débil e não tem mais remédio, então em vez de fomentar uma achega amigável que viabilize um Estado Palestiniano, e ao mesmo tempo ganhar os sectores mais moderados do Hamas, a umas negociações, em que eles já desde há tempo aceitam incluir o mesmo Mahmud Abbas, e ganhar a confiança suficiente em diversas rondas negociadas com honestidade, para incluir o Hamas numa solução em vez dum problema; agem pelo contrário movidos pelo idealismo radical sionista. Resultado: agora é a hora de acabar com o inimigo, agora é a hora de deixar o povo palestiniano reduzido ao nada, agora é hora de fazer da Cisjordânia um inviável conglomerado de reservas indígenas, que se diluam com o tempo, e tenham as menos potestades possíveis, ao modo dos bantustões da África do Sul do apartheid.
Em curto prazo esta leitura pode resultar. Em longo prazo o ódio, o aumento da resistência, o endurecimento das posturas do adversário, que desconfiado, já nunca poderá ser um amigo a recuperar. A longo tempo um incêndio, uma obsessão: "a destruição do próprio Israel como única via para sobrevivência dos outros".
Enquanto Israel tenha a força e a favor a conjuntura regional e internacional, tudo bem, pode continuar o extermínio, mas quando algum fator lhe deixe de ser favorável que acontecerá?.
Não esqueçamos que Israel possui a bomba atómica.
É hora da paz, os povos do mundo devemos alçar a nossa voz, ainda que nos noticiários já não figure Gaza no primeiro plano. De este modo a esquerda do mundo deve estar unida, os movimentos de base e sociais unidos, e todos junto a judeus e palestinianos de paz, devemos tender pontes para travar quanto antes esta agressão. Jogamo-nos algo mais que um confronto regional. Pois se for permitido uma e outra, e outra vez, a um estado, arrasar impunemente a legalidade internacional, esta deixará de fazer sentido, em pouco tempo podemos ter a outros a imitarem.
É demasiado o que nos jogamos, e evidente que a divisão dos cidadãos é a vitória dos indivíduos dominados pelo livro.