Você, os três presidentes e a gripe
INFLUENZA
Você, os três presidentes e a gripe
Edgard Steffen
Você está espirrando, nariz escorrendo, sente um certo desconforto; mesmo que apresente febrinha, você não está com gripe. A doença, que não o impede de exercer suas atividades normais, pode ser o resfriado comum: rinofaringite aguda, causada por um vírus que compromete apenas a parte superior de seu aparelho respiratório. Para esse vírus não existem vacinas, nem adiantam antibióticos. Se você acha que tomar pinga com limão ou conhaque misturado ao chá quente ajuda a livrar-se dos sintomas, ledo engano. O uso de bebidas alcoólicas faz parte do folclore nacional. Pode até estorvar. É, no mínimo, desculpa usada por quem adora tomar umas e outras.
Se você está prostrado, incapaz de vencer sua vontade de trabalhar (parece incrível, mas tem muita gente que adora trabalhar) ou passear, apresenta febre alta, tosse intensa, sua doença poderá ser a verdadeira gripe, também denominada "influenza". Para esta, também não adiantam os antibióticos nem caipirinhas ou conhaques. A influenza é virose grave. Única notícia boa: para ela existe vacina.
No Brasil, o povo confunde as duas doenças e não as separa de outras afecções respiratórias agudas. Qualquer espirro, mal-estar vago ou febre (são milhares as suas causas) o cidadão vai logo falando: "Estou com gripe!". Essas "gripes" do senso popular aumentam bastante no inverno. Não é por causa de friagem, como querem os antigos. As doenças respiratórias são, via de regra, transmitidas pelas gotas de secreções lançadas durante tosse, espirro ou fala. Partículas relativamente pesadas, essas gotículas tendem a cair ao solo pela ação da gravidade. Durante os meses frios as pessoas convivem mais perto umas das outras, em ambientes fechados, facilitando a passagem dessas secreções, carregadas de micróbios, do nariz e garganta de um para as vias respiratórias do outro. Se você, como Caetano Veloso, anda "sem lenço e sem documento" mas é pessoa educada, ponha a mão na frente antes de tossir ou espirrar. Depois, seja mal-educado e não dê a mão a ninguém: seu cumprimento pode transferir micróbios da sua para a mão de seu amigo. Ou, melhor, passe a usar lenço.
A gripe ocorre de forma endêmica, durante todo o ano em todos os países. Com freqüência, torna-se epidêmica, alcançando grande número de indivíduos num determinado país ou área geográfica. De tempos em tempos, aparece como pandemia espalhando-se por numerosos países em todo o mundo. Como aconteceu após a Primeira Grande Guerra (1914-18), ou após a guerra da Coréia (1957) e após a guerra do Vietnam (gripe de Hong-Kong, 1968).
A generalização popular do termo "gripe" fez com que nossa população minimizasse o perigo representado pela gripe verdadeira. Não tenho a intenção de apavorar meus leitores, mas a Gripe Espanhola do pós-guerra foi a doença infecciosa que maior número de óbitos (20 milhões de mortes) causou na espécie humana, no menor espaço de tempo. Sua origem estaria no Estado de Kansas, na América do Norte. A partir de frangos, passou para a criação de porcos; dos suínos alcançou o homem, espalhou-se pela Europa e pelo mundo.
Ao Brasil teria chegado em setembro de 1918, com um navio de imigrantes espanhóis. Propagou-se principalmente pelas cidades próximas ao litoral. Em São Paulo, capital, matou 6.000 pessoas (1% dos habitantes). No Rio, apesar dos esforços de Carlos Chagas - que comandou a Campanha contra a Gripe Espanhola - morreram 17.000 habitantes. Com medo, famílias jogavam seus mortos na rua e fechavam as portas. O governo precisou usar presidiários, obrigando-os a trabalhar como coveiros.
Todo mundo se lembra do presidente Tancredo Neves, morto antes de tomar posse. Desconfia-se, tinha hábito de tratar suas "gripes" com antibióticos indicados por balconistas de farmácias. Suas febres não eram gripais, mas devidas a tumor benigno infectado. Se verdadeira a informação, a automedicação contribuiu para sua morte mais que as trapalhadas que se sucederam para salvar a frágil democracia.
Poucos sabem de Rodrigues Alves - presidente que deu força aos sanitaristas no combate à febre amarela, à malária e na implantação da vacina antivariólica. Eleito para novo mandato, também não tomou posse. Vitimou-o a Gripe Espanhola.
Em 1957, vivenciei a "Gripe Asiática". Apesar do grande número de casos, sua letalidade foi baixa. Não impressionou quem já se acostumara à devastadora ação do sarampo, da tosse comprida e da varíola. Meu maior problema era convencer as famílias de que não se usavam antibióticos nos casos comuns. Os práticos e curiosos usavam e abusavam das injeções de penicilina com balsâmicos e/ou anticatarrais.
A idéia de usar este espaço para alguma orientação sobre a campanha anual de vacinação contra a gripe me foi sugerida pelo pronunciamento do nosso simpático e folclórico Presidente. Assim como o brasileiro, segundo Lula, "não levanta o traseiro da cadeira para trocar de banco que lhe cobra juros altos", fiquei com medo que você, que tem mais de 60 anos ou doença respiratória crônica, não desgrude da poltrona em frente à TV e se esqueça de tomar a vacina contra a gripe, que os centros de saúde estão aplicando, gratuitamente, nesta quinzena.
Edgard Steffen
é médico pediatra
edgards@directnet.com.br
30/04/2005 - 04:00 - Jornal Cruzeiro do Sul
http://www.cruzeironet.com.br/run/37/169998.shl
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É autor do livro O Anjinho dos Pés Tortos
http://www.jcsol.com.br/2005/04/12/12B407.php
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http://www.uj.com.br/online/eventos/default.asp?action=evento&idevento=1764
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http://www.vaniadiniz.pro.br/pelos_caminhos_da_vida_Comentario_fernando.htm
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