NO LIMITE

Certo dia, recebi em minha sala, no Centro de Tratamento para dependências químicas onde trabalhava, uma simpática professora que lecionava em um colégio na periferia da capital. Demonstrei interesse em ouvir suas experiências sobre o uso de drogas nessas instituições. Acabei estarrecido e, ao mesmo tempo, entristecido ao ouvir seu relato sobre o comportamento desrespeitoso de alguns alunos para com seus mestres em sala de aula. Chamou-me a atenção, no envelhecido rosto daquela educadora, enquanto ouvia as várias histórias que ela havia vivido, a ausência de qualquer marca que sugerisse autopiedade, a despeito da ingratidão dos alunos e do baixo salário que recebia. Apreciei o grande amor e carinho que ela demonstrava por sua profissão e por seus alunos.

Repentinamente, fui assaltado por um pensamento relâmpago. Consegui mentalmente visualizar aqueles esforçados pais que aparecem em noticiários de televisão pernoitando em longas filas rentes aos muros dos colégios públicos, ansiosos para matricularem seus filhos. Longas e frias horas para assegurar um espaço para eles nesses estabelecimentos de ensino. Para muitos, com a garantia da vaga, a missão dos pais na área de educação está cumprida. Questionei-me: “Quantos minutos um daqueles pais dispensava para conversar com seus filhos sobre limites, sobre o respeito a si próprio e aos outros?” Despertei das divagações com a inesperada pergunta da mestra:

- Em sua opinião, qual a melhor prevenção para nossos filhos quanto ao uso de drogas ilícitas?

- Pelo que vi, li, ouvi e, acima de tudo, vivi, e sem querer reinventar a roda, eu diria: observar os estados da consciência, perceber-se e perceber tudo o que ocorre a sua volta, ou seja, estar atento. Imposição de limites é fundamental. Uma prática religiosa da família, os necessários cuidados e a orientação, principalmente, com relação às drogas lícitas também são indispensáveis - respondi incontinenti.

E acrescentei:

- Os limites devem começar com algumas renúncias ou cuidados da futura mamãe. Começa, portanto, na gestação, dentro do ventre materno, com a mãe evitando passar drogas para o bebê (através do cordão umbilical), seja fumando, ingerindo bebidas alcoólicas, injetando, aspirando, tomando remédios sem prescrição médica etc. É indispensável participar desde cedo, com os filhos, de atividades religiosas, dialogar honestamente com eles sem arremessar-lhes fumaçadas de cigarro e sem a imaginária fluência verbal conquistada com algumas doses de bebida alcoólica. Deve-se procurar convencer com o exemplo e nunca subestimar a capacidade de percepção da criança. Falar claramente, e sem pudores, sobre tudo: sexo, drogas, direitos e deveres do ser humano. Buscar ajuda nos livros. Conversar com profissionais especializados. Aprender com as experiências daqueles que possuem em seu lar um dependente químico. Para ganhar essas experiências, basta freqüentar um dos inúmeros grupos de mútua ajuda (AA, NA, AL-ANON, NAR-ANON, AMOR EXIGENTE, etc.). Penso que ainda teremos frutíferos resultados se todo casal tiver o mínimo de conhecimento a respeito de substâncias psicotrópicas (álcool, cigarros, cocaína, calmantes, remédios para emagrecer, para dormir etc.) ou sobre o uso correto, por exemplo, de remédios receitados, sem jamais cometer ABUSOS ao consumir esses medicamentos. A automedicação ou a ingestão de doses superiores àquelas receitadas pelo médico são também exemplos de USO ABUSIVO DE DROGAS. Devemos nos lembrar de que o canto de sereia da prazerosa droga de hoje pode sugerir a utópica solução mágica para evitar as frustrações de vários enfrentamentos no amanhã. No entanto, o resultado final, para muitos usuários, é o ingresso e a permanência num labirinto abissal. Nunca é demais lembrar que as drogas sejam as existentes nas prateleiras da farmácia, do bar, do comércio, ou aquelas ofertadas pelos traficantes, não trazem benefício nem prejuízo até o momento de serem introduzidas, por qualquer via, num organismo vivo. Hoje, vendo certos comportamentos infantis abusivos na presença de indiferentes pais, podemos prognosticar claramente o que será de seus destinos no amanhã - não precisa nem ser profeta. E, certamente, uma coisa que não faz mal nenhum é caldinho de frango. Outra, uns tapinhas na bunda quando necessário. Evitarão, com toda certeza, fortes pancadas físicas e morais no futuro, ganhas pela vida afora. E como dizia o médico revolucionário Che Guevara: “Hay que endurecer, pero sin perder la ternura jamás”.

Qualquer viageiro deste plano terrestre, ao longo de suas infindáveis caminhadas, vai acumulando, em seu triste ou alegre dia, uma rica bagagem que acondiciona os inúmeros e variados sentimentos. Os agradáveis e os desagradáveis. Um rico acúmulo de experiências de vida e ganhos de conhecimentos que permitem ao caminheiro visualizar, e optar ou não, pelo norte de sua caminhada.

*Luiz Celso de Matos é Técnico em Reabilitação de Dependentes Químicos

E-mail: andrausdematos@yahoo.com.br

24/01/2003 19:24:31

Luiz Celso de Matos
Enviado por Luiz Celso de Matos em 16/01/2009
Código do texto: T1388744