A oportunidade do Brasil

Por Artur Alonso Novelhe

A Potência hegemónica mundial está em decadência, mas isso não significa que possamos prever a curto prazo o tempo que resta até a sua final implosão. A crise sistemática vem definida por vários vetores, de cujo centro a energia é a espinha dorsal que move os impérios; a essa crise energética há que acrescentar a crise financeira, alimentar, meio ambiental, e mesmo de valores, o que dá uma amostra de que desde inícios de 2002 o Império Americano, depois de chegar ao seu limite máximo de esplendor na década de noventa, começa a sua espiral de queda.

Novas potências irrompem com força neste novo cenário, onde o império vai ao leve deixando espaços abertos que estes novos poderes tentam preencher. O grande Império deve impedir que novos estados estendam o seu poder em detrimento dele próprio. Por isso a estratégia de desgaste sobre esses novos estados está concorde com a mesma estratégia de perpetuar a situação atual no máximo possível.

Os atentados da Í ndia podem ter sido efetuados por um comando treinado no Paquistão, mas a quem realmente beneficiam? A ruptura quase iminente de relações com o Paquistão cria, por sua vez uma ruptura no quadro custosamente criado de relações entre ambos os países, assim como uma considerável diminuição do eixo económico no corredor Índia – China – Paquistão. Neste contexto tinham-se criado as oportunas condições para que tanto Islamabade como Nova Deli dessem passos decididos para assinar o novo acordo de mercado único, que estava a ponto de ser consumado. Sem esquecer a longa relação dos Serviços Secretos Paquistaneses (ISI) com os Norte-americanos (CIA), nem tampouco a sua excelente relação com as milícias afegãs, estabelecida na guerra contra os soviéticos em colaboração com a Administração Americana.

China que baseou o seu grande êxito num modelo exportador que nunca teve em grande conta as necessidades sociais, nem os riscos ecológicos derivados de uma industrialização e urbanização sem medida, está agora a atravessar um momento muito complicado: a queda das exportações como resultado da crise financeira e a sua derivação na economia real, tem deixado a descoberto os pontos fracos do gigante asiático: os despedimentos maciços que estão a realizar na indústria, aumentam o confronto social nas cidades e no campo que se dispõe a recolher a mão-de-obra sobrante, que anteriormente tinha partido em sentido inverso. As nacionalidades historicamente reprimidas, junto à falta de flexibilidade política, mesmo no seio do próprio Partido Comunista, podem criar problemas acrescentados quando a classe corrupta empresarial veja diminuir a sua parte de fatia e influência como consequência da crise galopante.

A União Europeia, esse gigante económico e anão político está sendo relegado de forma quase patética a um segundo plano em todas as negociações de caráter internacional, em parte pelos interesses divergentes que mantêm os seus membros, em parte porque devido a que a construção da mesma nunca esteve entre as prioridades da potência hegemónica, que habilmente ao longo de estes anos tem procurado acentuar essas divergências, com a evidente cumplicidade do Reino Unido que vê com olhos ameaçadores um crescimento da Alemanha, e uma futura provável aliança desta com a Rússia.

No meu modo de ver a oportunidade mais interessante de consolidação acurto prazo vai ser para o Brasil. Certos condicionantes têm facilitado este cenário: por um lado a guerra desatada pelos EUA “contra o Terrorismo”, que trouxe a invasão do Irão, tem deixado o “Pátio Traseiro” dos EUA um pouco ao descoberto. Com uma hábil diplomacia o Brasil tem convencido o governo americano que ele era o sócio mais fiável para deixar em suas mãos o sul do continente, esta tese era acrescentada pela hipótese então ameaçadora de exportação da revolução venezuelana. Os laços têm-se consolidado com o tempo e há apenas uns meses enquanto Chávez fez manobras militares com a armada russa, Lula fez a mesma com a frota americana.

Noutra ordem, as devastadas economias do cone sul como a Argentina precisavam de um auxílio bem diferente ao ditado pelas Administrações Americanas, o F.M.I e o Banco Mundial, que em boa medida causaram o princípio das mesmas.

A nova Administração Americana vai continuar tendo prioridades no Oriente Próximo, no controle militar da Rússia, fortalecendo o cerco que foi capaz de criar nos anos noventa, e mais tarde a Rússia teve a ousadia de debilitar, e que no tempo de maior esplendor ia da Europa do Leste à China, sustentado em bases militares americanas instaladas em antigas republicas soviéticas ou países satélites.

A aliança com a Europa continuará a ter uma grande prioridade para os EUA, ainda que Europa exigirá uma representação mais conforme com o novo equilíbrio de forças nos órgãos internacionais conjuntos, tais como a OTAN. Mas a agenda mundial ocidental continuará a ser marcada pelos EUA em aliança com a Europa mais Atlântica, chefiada pela Grã-Bretanha.

Todos estes factos permitem ao Brasil executar o papel de sócio fiável do Império no Cone Sul Americano, para o qual o Brasil tem desenrolado uma hábil política baseada no diálogo com os seus parceiros de MERCOSUL e UNISUL, ao tempo que inclui a Cuba e a Venezuela em foros representativos onde a Casa Branca fica ausente.

Esta estratégia de independência e colaboração a respeito de Washington reflete-se em acordos como o BRIC (Brasil, Rússia, China e Índia), o recente acordo económico-militar com a França, ou as colaborações com a África do Sul.

Mas o Brasil tem limites que não pode ultrapassar, tais como as suas debilidades internas, das quais o combate ao narcotráfico nas favelas com uma mistura política de guerra suja e integração, deixa feridas abertas muito fáceis de premer, no caso da potência imperial ver-se ameaçada numa factível aliança ibero-americana. Pelo qual a ideia continua a ser combater a crise mundial criando um mercado interno forte, à vez que reforçar os mercados com os seus vizinhos, onde hoje em dia é potência hegemónica; assegurar e afincar uma defesa das novas reservas de petróleo e água. Potencia um eixo de segurança militar e energética em associação com a Argentina; desenvolvimento de tecnologia autóctone nas áreas de predomínio mundial e continental, etc.

Mas o Brasil ainda deve impulsionar o quadro cultural comum em que está inserido para garantir esse futuro desenvolvimento possível e desejado de país de primeira ordem. E este último aspecto tem sido por ele descuidado em prol de sustentar o seu crescimento nos alicerces regionais de próximo alcance. No entanto, para vigorar um desempenho crível do seu poderio a nível regional e global deve antes afiançar o seu domínio cultural dentro do quadro lusófono, ao exemplo do que Espanha fez no mundo hispano.

Senão dificilmente vai ser respeitado no mundo, e menos com os seus parceiros mais achegados. O Brasil deve fazer da lusofonia uma marca acreditada no mundo, deve aproveitar a sua aliança política de primeira ordem com Portugal e a União Europeia, fazendo de Portugal um promotor global dos novos valores lusófonos, interagindo e alargando os espaços da língua comum, e ao mesmo tempo criando uma rede que garanta a boa saúde do português nos espaços onde ainda continua vivo.

As oportunidades que estão abertas para o Brasil devem estar também para a Lusofonia em seu conjunto, num desenhado plano cultural de “domínio compartilhado”, que pode servir de programa piloto para o seu relacionamento com outros parceiros no campo económico. Se não o conseguir, a cultura lusa perderá a batalha global em detrimento de outras línguas. O Português não deve ser uma língua invasora ou colonizadora ao modo de antigos modelos já fracassados, mas sim uma língua de intercâmbio e uma língua de comunicação global efetiva.

De esta nova tarefa depende o futuro da cultural global lusófona e por sintonia também o sucesso do Brasil como potência. Ambos estão interligados.