O DELÍRIO DE REIFENSTAHL E A "PÓS-MODERNIDADE"
Essa é uma obra de ficção! Imaginem se não fosse...
Uma febre aguda tirava o sono de Leni há alguns dias. Ela não conseguia se concentrar no trabalho, as idéias não fluíam, e o grande comício em Nuremberg estava tão próximo... Naquela mesma tarde, caiu de cama, e a febre era tão intensa que ela só conseguia ver um restolho de sol pela janela; fixar o olhar para ver o outro lado da rua era impossível, embora ainda visse a sombra da bandeira do partido nazista tremulando sobre a varanda.
De repente, acontece um estrondo imenso e ela é atirada para fora do quarto. Vê a casa em destroços; não entende bem o que está acontecendo; quem teria atacado? Quem ousaria cometer tal loucura em território alemão àquela altura? Descontrolada, também percebeu que seu traje estava intacto, sem nenhuma mancha de poeira e ela não possuía sequer um pequeno arranhão pelo corpo. Mas o que estaria acontecendo? Pensou Leni Reifenstahl.
Levantou-se e começou a andar pela rua. De estalo, percebeu que não estava mais em seu país, mas numa terra estranha em que as pessoas passavam desapercebidas e apressadas. Uma espécie de cubo mágico cercado de letreiros luminosos, grandes painéis, luzes brilhantes e coloridas, uma parafernália eletrônica que ela não podia entender, afinal estava acostumada à estética perfeita, à arte pura!
Mal sabia a cineasta que agora estava aqui, em pleno século XXI, na Time Square. Atordoada e sem poder entender uma palavra do que estavam falando aquelas pessoas, deu-se de encontro a uma grande caixa de vidro (como ela também nunca poderia ter visto) perdida numa rua qualquer da Big Apple, era uma gigantesca loja de departamentos.
As televisões expostas na grande vitrine chamaram a atenção de Leni por um momento. Mas o que seriam aquelas caixinhas de luz que tanto a fascinavam com suas imagens? Ela, que estava acostumada com a grandiosidade de seus épicos, cuidadosamente filmados em grandes espaços abertos e projetados nas telas dos cinemas, não entendia muito bem o que era aquele arrepio frio que lhe subia à espinha. Estava hipnotizada! Foi quando na telinha ela pode ver algo familiar... Era a suástica e, de um salto, postou-se à continência de sua raça, de sua ideologia!
Mas o que era aquele estranho momento que ela estava vivendo? Ela via o Führer desfilando em carro aberto pelas ruas de Nuremberg numa espetacular seqüência de imagens. Era o grande dia! Aquele era o filme que ela iria fazer uma semana depois de tudo isso acontecer. Viu a janela e a varanda abaixo da qual ainda estava a bandeira tremulando. Era como se a câmera tivesse a liberdade de um pássaro, levando a sua melodia e o seu canto de sereia de casa em casa... Ela viu o estádio e todos os comícios...
Leni Reifenstahl pulou e caiu acordada de susto, batendo a cabeça na parede. A febre havia passado... Mas onde ela estava agora? Com outro salto, alcançou a janela. Já era noite e a lua trazia um meio tom especial e uma brisa mórbida circulava pelas ruas vazias. Sentiu um calafrio e pôs-se a pensar: mas o que poderia lhe ter acontecido nas últimas horas? Que pesadelo fora esse que lhe atormentou o juízo? Que maledicências e presságios ruins estavam conjurados naquelas imagens?
Lembrou de repente da caixinha de luz... Mas que objeto infernal era aquele que mostrou o seu futuro; a nova escrita sobre a qual iria (ou deveria ir) se converter toda a humanidade? Quedou os olhos por um momento... Estava tão próxima de concluir a sua obra prima que a tornaria capaz de provar ao mundo que era possível acontecer o “Triunfo da Vontade”, tão próxima da conquista...
Fechou forte os olhos e se remeteu mais uma vez ao delírio que tivera a instantes. Como as imagens se perdiam com rapidez... Ela não as conseguia aprisionar em seus pensamentos... Passavam como na própria caixinha de luz da grande caixa de vidro, na loja de eletro-eletrônicos que ela mal conseguira decifrar... Aquela caixa mágica que lhe aprisionou o olhar e lhe fez – por um momento – pensar que poderia haver algo mais forte ainda do que a arte, carregada de mensagens subliminares e dogmatismo que ela, Leni Refeinstahl, até então era a única que julgava ter o poder de conceber!