CONSCIÊNCIA ACOCORADA?

É a minha consciência que me oferece o palco para minhas experiências e pensamentos, no qual sinto meus desejos e formo minhas intenções.

Simon Blackburn

Consciência acocorada é a praga pior de um povo, é sua gastrite crônica. Nesse nível, não há cidadania, mergulha-se numa madorra: não se expressa, não se canta, não se espanta, não se ama, enfim, não se vive.

Na consciência acocorada, o sujeito é rebaixado a uma espécie de “nadificador” que, cego, vai se arrastando num saber querer infame, avesso à crítica, à inteligência e ao mover das coisas.

Consciência acocorada gera cruzamento dos braços que redunda, claro, na falta de imaginação. Aceita-se o estabelecido, o bom é aquilo massificado. O princípio norteador é a chamada “técnica de todo o mundo”. É o “jecatatudismo” esclarecido posto dispensar o crivo da lógica, da razão e da própria paixão.

Na consciência acocorada, basta dizer sim. Se houver “fundamentação”, que importam os alicerces salutares? Se lhe der na veneta, então vá em frente, que se dane o outro. Não existe qualquer parâmetro, nada serve de medida, salvo a ilusão da auto-realização.

Consciência acocorada é auto-engano metafísico e existencial. O aparente é tomado até como absoluto, a mentira pode ser verdade desde que se tenha um fim. Aceitam-se humilhações, corre-se atrás de vento, bebe-se a última idiotice emanada de guru miolo mole, não mergulha na “alma” dos fenômenos e não apenas se perde nas teias simbólicas da linguagem, como a utiliza matreiramente.

Consciência acocorada rejeita o transcendental, repugna o científico, pratica um niilismo atoleimado e se derrete queimada pelo mais brutal fetichismo que já conhecemos. Não é à toa que, neste estado, o sujeito se torna insensível aos mais nobres e irrefragáveis valores humanos. É um pusilânime moral, um cínico em termos éticos, um covarde embrutecido pelo mau uso do cérebro.

Consciência acocorada sempre aplaude, entoa o cântico da politicalharia, presta culto à mediocridade, bajula descaradamente, serve a qualquer deus e é incapaz de penetrar nos jogos semânticos, retirando deles os gestos significativos mais profundos.

Consciência acocorada se faz presente do casebre ao casarão bilionário. Da igrejinha mais humilde aos corredores palacianos. Da escola pau-a-pique às mais renomadas universidades. Do escrevinhador ingênuo ao escritor badalado. Do tagarela-filosofeiro ao Filósofo acadêmico. Do camelô ao executivo mais bem pago.

Consciência acocorada é o “espírito falho” voltaireano. Ela não examina a veracidade de um princípio e pode tirar conseqüências falsas de outro aceito como verdadeiro. É estreiteza mental que patina em reificações, algumas destas não vão além de deslavada soberba.

Na consciência acocorada, os acontecimentos estão soltos, sem história, são vistos como frutos do acaso, produtos de jogos “naturais” e incompreensíveis. Os fatores negativos são reconhecidos como forças extra-mundanas. Há uma espécie de delírio com frases feitas e cacoetes mentais pervertendo tudo em reles cultura de almanaque.

No “acocorismo” de inteligência, parafraseando Olavo de Carvalho, o indivíduo se ilude, ao estar persuadido de pensar certo, pelo simples fato de existir coincidência entre uma conclusão de raciocínio e algum dado da experiência.

Que, portanto, se levantem as consciências! Ora, ao se porem de pé, elas não só buscam as razões do seu pensar (não são órfãs), como planejam, refletem e, sobretudo, criticam o tido como real. Não se pode esquecer que uma consciência de pé é autocrítica, é rigorosa, é atenta, é libertadora, é confronto.