O risco do erro médico

Tema dos mais comentados nos meios jurídicos, o erro médico deverá estar sempre presente na imprensa tendo em vista o seu incremento na última década. Somente neste período foi registrado um aumento de 160% no número de casos protocolados no judiciário.

O Código de Ética Médica (CEM) é muito claro e contundente no seu artigo 29: é vedado ao médico praticar atos profissionais danosos ao paciente, que possam ser caracterizados como imperícia, imprudência ou negligência. Na língua portuguesa estes vocábulos são de sinônimos extremamente fáceis. E na vida real de aplicabilidade exclusivamente pessoal.

Preocupando-se com o crescimento vertiginoso deste problema analisa-se o risco do erro médico como conseqüência de três momentos da profissão médica. Começando com a qualidade da formação, passando pelas condições laborais e de sobrevivência, bem como pelo órgão de fiscalização e de regulação da prática médica.

Em se tratando de instituições para formar médicos com qualidade, até final do século passado somente existiam escolas públicas. Raríssimas eram as particulares. Elas funcionavam com dificuldades financeiras como continuam até hoje, porém era o que tínhamos e ainda temos de melhor em matéria de ensino. A partir de então foram indiscriminadamente abertas um número enorme de faculdades, sem critérios técnicos pré-estabelecidos, e ao arrepio da opinião da classe médica e de seus órgãos reguladores. Esta atitude parece irresponsável devido à incongruência que existe entre quantidade e qualidade de médicos. Inclusive tem opinião formada do Conselho Federal de Medicina e de outros órgãos representativos desaprovando a abertura de novos cursos sem o devido juízo crítico. Muitas dessas escolas, quase todas particulares, até hoje não têm estrutura pedagógica para capacitar os seus alunos a fim de assumir a responsabilidade que este curso requer e esta profissão reclama.

Por outro lado os médicos se submetem a trabalhar sem condição ou em situação precária pecando por desobedecer todo o Capítulo I dos Princípios Fundamentais do CEM. Propõem-se a fazer procedimentos que a estrutura laboral não lhe permite, muitas vezes, pelo “alto” salário oferecido ou por exigência do empregador. Basta acessar o site do Conselho Federal de Medicina e avaliar as ofertas de empregos onde se oferece um salário bom a um obstetra ou mesmo a um cirurgião sem, em ato contínuo, contratar um anestesiologista para lhe dar suporte e qualidade nos procedimentos. Afora as propostas que condiciona a contratação do médico à realização de procedimentos complexos como se observa em boa parte das cidades do interior.

A terceira vertente a ser analisada é o Conselho Regional de Medicina (CRM). Este é o regulador e fiscalizador da profissão médica em cada estado da federação. Acredita-se que ele não tem estrutura suficiente para exercer seu papel. Avalia-se que este órgão atualmente somente tem ação repressora. Quando, ao contrário, deveria agir na prevenção do sinistro. Protegendo assim os médicos e a comunidade. Também é direito e dever dos CRMs avaliar, além do médico, todos os Serviços de Saúde incluindo a sua situação estrutural e funcional.

Uma última análise a ser apreciada, e não menos importante, é a mercantilização da saúde com a propagação de novos cursos de medicina privados, desestruturados, os quais só atende aos interesses dos proprietários com o intuito, unicamente, de angariar mais patrimônio. Esta atitude é extremamente danosa e irresponsável. Quem assim procede comete crime, pois coloca no mercado de trabalho médicos sem a qualidade inerente ao seu ofício expondo as pessoas a iminente risco de vida.

Noutros tempos tudo isso era aceito. A comunidade não conhecia seu direito a um bom e cientificamente correto tratamento. Não sabia que um procedimento inadequado lhe dava como recompensa uma indenização. Atualmente está tudo mudado. As pessoas passaram a conhecer os seus direitos e deveres. O que se vê é um verdadeiro reboliço nos meios policiais, jurídicos e jornalísticos quando se desconfia que haja alguma imperícia, imprudência e/ou negligência em algum ramo da atividade médica. Inclusive o réu/médico é avaliado e condenado, pela imprensa principalmente, no mesmo dia do ocorrido sem chance alguma de defesa.

Com a formação que se está tendo hoje, onde muitas escolas não têm nem Hospital para ministrar as aulas práticas; com médicos que, por falta de escrúpulos ou por necessidade, se submetem a trabalhar sem condição ou se propõem a fazer o que não está apto nem lhe é permitido; com CRMs que não têm a condição de fiscalizar por algum motivo desconhecido; e com especuladores sanguinários onde ter dinheiro é tudo; com estes obstáculos não se pode esperar uma Medicina de qualidade.

Tendo em vista que o erro médico é de conseqüência incomensuravelmente diferente de qualquer outro, seria de bom alvitre que todos, Escolas Médicas, Médicos, e órgãos competentes envidassem esforços para modificar a estrutura formacional que ora existe, melhorar a atividade fim dos CRMs e afastar do meio médico o poder nefasto do dinheiro, no intuito de diminuir a grande quantidade de iatrogenias e conseqüentemente de processos legalísticos.

Ou se transforma drasticamente as forças vetoriais analisadas ou vislumbra-se uma penumbra na relação de trabalho médico/paciente com o incremento dos procedimentos errados. Certamente o prejuízo do tratamento com resultado diferente do esperado ficará para o cliente/paciente, porém o prejuízo psicológico e material fará parte eternamente da consciência do médico.

José Arimatéia de Macêdo e outras mãos...

Dezembro de 2008

www.arimateia.com