DESENVOLVIMENTO HUMANO E ECONÔMICO-SOCIAL NA COMUNIDADE DE A VER O MAR
Alexandre Acioli
Áurea Malta
Acionildo Albuquerque
Giovana Mesquita
(Orientadora) Maria do Rosário de Fátima Andrade Leitão
Resumo
O presente trabalho perpassa o tema trabalho enfocando os entraves organizacionais para o desenvolvimento humano, econômico e social de um grupo de mulheres, que compõem o Projeto Gamela, na comunidade de A Ver o Mar, a fim de identificar as possibilidades de geração de trabalho e renda através do artesanato. As participantes do Projeto integram a Associação de Moradores e de Pescadores há mais de nove anos, dentro de um contexto de cultura machista. É perceptível a necessidade de uma transformação comportamental por parte dessas mulheres que, desde o princípio, verbalizaram o interesse em empreender trabalho para a geração de renda. A pesquisa tomou como base leituras de artigos sobre a comunidade e uma análise de dados do que já havia sido realizado no referido Projeto. Na visita foram feitas atividades em grupos temáticos, dirigidos por facilitadores da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Em busca da sobrevivência, mulheres têm encontrado o caminho do desenvolvimento humano, que, sem dúvida, apresenta um longo percurso na quebra de paradigmas sociais e no rompimento do discurso individualista. Nesse encontro é possível perceber as vantagens da cooperação, uma organização autônoma que potencializa as habilidades pessoais para articulação dos recursos locais, com foco na sustentabilidade, na geração de trabalho e renda.
Palavras-chaves: Cooperação; Desenvolvimento Humano; Trabalho; Artesanato.
Introdução
O presente trabalho tem o objetivo de verificar os entraves organizacionais para o desenvolvimento humano, econômico e social de um grupo de artesãs que compõem o Projeto Gamela em A Ver o Mar, uma comunidade costeira localizada no município de Sirinhaém, no litoral Sul do Estado de Pernambuco, a 76 quilômetros do Recife. Esse município é caracterizado economicamente pela agroindústria da cana-de-açúcar e de atrativos turísticos, como o turismo de aventura, o turismo histórico, praias, ecoturismo e festas populares.
Como ponto positivo pode-se destacar a diversidade no campo da produção, uma organização de moradoras voltada à confecção de artesanato, as peculiaridades biogeográficas como a Mata Atlântica, manguezais e uma infra-estrutura que oferece as condições sanitárias básicas, além de posto de saúde e a escola de ensino fundamental. Os pontos negativos citados pelos moradores são a pesca predatória do polvo, a utilização de artifícios de pesca e processos impróprios de assepsia do pescado, a construção de criadouros de suínos próximos à região dos manguezais e o desmatamento da mata para fins de construção de viveiros de camarão (LEITÃO, 2005b).
A fim de identificar as possibilidades de geração de trabalho e renda através do artesanato, uma equipe de discentes da disciplina Análise do Discurso, da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) deu continuidade a uma pesquisa com os membros do Projeto Gamela, iniciado pela Universidade em 2003. As descrições a seguir apresentam um pequeno estudo em áreas que se configuram novas ruralidades brasileiras, observando o artesanato e a sua importância na construção do desenvolvimento local.
Por novas ruralidades citamos PIRES (2003) para quem o rural não pode ser mais entendido como sinônimo de atividades meramente agrícolas, nem de atraso e de que muito dos referenciais que definiam os contornos rurais já não têm mais a sua força de interpretação. Cada vez mais, os limites que distinguem as duas realidades (rural e urbano) tornam-se mais difíceis de ser visualizados.
A Ver o Mar
As terras, onde hoje está localizada a comunidade de A Ver o Mar, foram pertencentes ao senhor Ivanildo Moreira até 1973, ano em que o português Alípio Moreira comprou as terras para fins imobiliários. Em 1973, aconteceu a retirada das famílias residentes à beira mar, associada à promessa de construção de uma vila para os moradores desabrigados. A energia elétrica, juntamente com a escola e o posto de saúde foram benefícios conseguidos pela comunidade através da gestão municipal, em 1985. Dois anos depois começaram a ter acesso ao transporte escolar e também ao transporte coletivo para os moradores da comunidade. Em 1995, criaram a associação comunitária, com projetos voltados à pesca (LEITÃO, 2005a).
As artesãs participantes do projeto integram a Associação de Moradores e de Pescadores há mais de nove anos. Mesmo num contexto de cultura machista, constata-se que algumas mulheres conseguem atuar em cargos diretivos, o que pode sinalizar mudanças de paradigmas.
O papel da mulher na produção artesanal de bens materiais e da pesca no manguezal, juntamente com trabalhos temporários e domésticos contribuem, e em muitos casos, garantem a renda da família de pescadores. (CHALEGRE, 2005).
Fica evidente a necessidade de uma transformação comportamental por parte das mulheres que verbalizaram o interesse em empreender trabalho para a geração de renda por meio de atividades de artesanato.
Metodologia
O diagnóstico para identificar o andamento e resultados do Projeto Gamela teve os seguintes passos: inicialmente foram feitas leituras de artigos sobre a comunidade e uma análise de dados do que já havia sido realizado no referido projeto. Em seguida foi construído um roteiro de pesquisa durante a visita à comunidade.
Em A Ver o Mar foi feita uma dinâmica de integração com todas as participantes. O grupo de artesãs foi dividido em três subgrupos, com a presença em cada um deles de facilitadores da UFRPE. Para cada um foi aplicado um instrumento de análise, obedecendo as seguintes temáticas: meio ambiente, produção e organização. Como técnica de análise e monitoramento do projeto, cada grupo teve três questionamentos: O que foi feito até o momento? Se não foi feito, por quê? Qual o próximo passo?
Como ressalta Lima e Carneiro (2006, p. 103), “educar para entender suas necessidades e potencialidades, através do diálogo com outras organizações da sociedade e que possam juntos construir um processo mais amplo no sentido de visualizar o papel de cada um, no desenvolvimento global”.
As temáticas ‘cooperação’ e ‘autonomia’ foram instigadas no grande grupo depois de mediados os questionamentos, com o objetivo de sensibilizar as participantes na caminhada do processo de uma organização autônoma, potencializando as habilidades pessoais para articulação dos recursos locais, com foco na sustentabilidade local, na geração de trabalho e renda.
Segundo Jara (1998, p. 35), “a sustentabilidade diz respeito a um significado dinâmico e flexível, centrado no respeito à vida”. Complementando, Franco (2002) ressalta que todo desenvolvimento é desenvolvimento social, ou seja, desenvolvimento de todas as pessoas, das que estão vivas hoje e das que viverão amanhã.
No final das atividades, houve uma avaliação buscando a verbalização sobre o sentimento de cada uma das participantes referente ao dia de convivência e sua posição em relação ao exercício de autonomia no contexto grupal, pois essa questão foi pontuada dentro das reflexões dos subgrupos.
Desenvolvimento do tema
As atividades desenvolvidas pela UFRPE na comunidade costeira de A Ver o Mar fazem parte de um programa de inclusão social em áreas que se configuram nas novas ruralidades brasileiras, definidas por Graziano e Grossi como áreas onde predominam um conjunto de atividades não agrícolas, ligadas à moradia, ao lazer e a várias atividades industriais e de prestação de serviços.
O programa, de caráter contínuo, tem realizado intervenções no grupo de mulheres advindas de diversos níveis culturais, integrantes do projeto e que estão organizadas em um modelo associativista, buscando o desenvolvimento por meio de trabalhos artesanais:
“O termo economia social”, ou economia solidária ou setor independente ou ainda terceiro setor, está associado a um setor que difere tanto do governo – guiado por normas impessoais – como do mercado – guiado pela busca desenfreada do lucro – emergindo como uma terceira força que se pauta na participação e democracia dos seus membros, capaz, portanto, de contrabalançar as forças do mercado e do governo. (PIRES, 2004: 48).
De acordo com Leitão, (apud Vieira,1997, p. 127), as teorias de desenvolvimento do século XX defendiam a idéia de que só o crescimento econômico poderia promover o progresso social, melhorar a qualidade de vida e reduzir as desigualdades, mas, ao contrário do previsto, o crescimento econômico trouxe consigo o aumento da pobreza e da exclusão social.
O desenvolvimento se estabelece como um processo que não leva em conta somente o econômico para o progresso humano, mas como um processo de reestruturação sócio-econômica na dimensão humana da solidariedade, da sustentabilidade, das viabilidades e do igualitarismo nas inter-relações pessoais. Como afirma Jesus, P. (2002, p.279):
“O desenvolvimento sustentável vislumbra assim preocupações com o presente e o futuro como o atendimento das atividades básicas das pessoas e a melhoria de sua qualidade de vida, com equilíbrio do ecossistema e com a equidade social, através de práticas sociais que assegurem e valorizem as decisões dos atores populares, configurando uma efetiva distribuição de poderes”.
Foi verificado através dos textos já produzidos sobre o Projeto Gamela que as mulheres exerciam atividades de pescadoras e domésticas, ambas com foco na sobrevivência. Todavia, as integrantes do projeto entendem que a atividade doméstica possui um maior status social. O entendimento das mulheres pesquisadas é que a atividade doméstica, no imaginário social, é essencialmente atribuição feminina, discurso repassado de geração para geração. A referida função exercida cotidianamente em casa, é fortalecida com a possibilidade de ser uma atividade remunerada. No entanto, essa atividade em A Ver o Mar é uma alternativa econômica sazonal, deixando lacunas ao longo do ano que afetam a sustentabilidade local.
A noção de sustentabilidade vem sendo utilizada como portadora de um novo projeto para a sociedade, capaz de garantir no presente e no futuro a sobrevivência dos grupos sociais e da natureza. O desafio da luta pela vida sempre dominou o ser humano. Inicialmente, diante dos elementos naturais e, posteriormente, no enfrentamento das conseqüências trazidas pelo grande poder de transformação social acompanhado pelo homem.
Em A Ver o Mar começa a tomar corpo a consciência de gênero, definida por Scott (1996) como um campo principal no seio do qual, ou por meio do qual, se articula o poder. O gênero não é o único campo, porém parece ter se constituído como um meio persistente e recorrente para que se torne eficiente o significado do poder nas sociedades ocidentais.
Também se estruturam os processos endógenos de produção, através dos trabalhos de associação desenvolvidos pelo grupo de artesãs integrantes do Projeto Gamela, em parceria com a UFRPE, levando a uma reflexão crítica sobre as relações de trabalho, emergindo uma reflexão social e técnica, que redefine o empoderamento como um fenômeno de transformação nas relações interpessoais da comunidade. Segundo Riell apud Putnam, R. (2000, p. 75):
“Uma comunidade cívica se caracteriza pela participação do cidadão nos negócios públicos; pela existência de direitos e deveres iguais para todos; pela solidariedade, confiança e tolerância recíproca entre os membros e pela existência de associações civis.”
Para Leitão, o desenvolvimento para ser um processo consistente e sustentável deve proporcionar a elevação das oportunidades sociais, como também a viabilidade e a competitividade da economia local, aumentando a renda e as formas de riqueza, sua internalização na economia local e o fortalecimento da capacidade de investimentos e gastos das instituições públicas, ao mesmo tempo em que garante a conservação dos recursos naturais.
A produção de artesanato em A Ver o Mar representa uma busca de uma solução de sustentabilidade local, considerando a importância da união entre o local e o global. Toda a produção artesanal feita em A Ver o Mar tem uma dependência dos consumidores que estão em outro território ou são freqüentadores da praia, mas vindos de outras localidades. A organização em uma associação tem possibilitado as artesãs fazerem chegar seus produtos em outros mercados, principalmente com a parceria firmada com a Ética - Comércio Solidário.
Considerações finais
A produção de artesanato em A Ver o Mar representa não só um caminho para a sustentabilidade local, mas também, no caso do Projeto Gamela, a redistribuição do poder a partir da discussão de gênero. Esta nova forma de empoderamento está sendo possível graças aos trabalhos de Associação desenvolvidos em parceria com a UFRPE e o apoio da Visão Mundial.
Dentro dos princípios da eqüidade social, da cooperação econômica e do resgate das tradições de solidariedade popular, é possível que novos modelos de desenvolvimento de inclusão sócio-econômica sejam estabelecidos com articulações dentro do movimento da economia solidária e com organizações não governamentais apresentando concretamente modificações num modelo de divisão social e técnica do trabalho na comunidade.
Os entraves organizacionais para o desenvolvimento humano, econômico e social podem ser superados com o incentivo na busca de alternativas concretas para os problemas locais, com o fortalecimento do associativismo e da produção na perspectiva da economia solidária.
Referências Bibliográficas
FRANCO, Augusto de. Pobreza & desenvolvimento local. Brasília: ARCA, Sociedade do conhecimento, 2002.
JARA, Carlos Júlio, 1998. A sustentabilidade e desenvolvimento local: desafios de um processo em construção. Brasília, Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (HCS); Recife. Secretaria de Planejamento do Estado de Pernambuco - Seplandes.
LEITÃO,Maria do Rosário de Fátima Andrade. Et all. Gênero e liderança: uma reflexão sobre a liderança feminina como vetor para o desenvolvimento local em comunidade costeira. UFRPE.
LEITÃO,Maria do Rosário de Fátima Andrade. Mulher e saúde: pesquisa com as pescadoras da comunidade A Ver o Mar, Sirinhaém. Recife. UFRPE
LIMA, Jorge Roberto Tavares de; CARNEIRO, Sônia Quintela. Desenvolvendo o local com Severinos e Quitérias. In: CALLOU, Ângelo Brás Fernandes; SANTOS, Maria Salett Tauk (Orgs.). Associativismo e desenvolvimento local. Recife, Bagaço, 2006.
PIRES, Maria Luiza. O cooperativismo agrícola em questão. A trama das relações entre projeto e prática em cooperativas do nordeste do Brasil e do leste (Quebec) do Canadá. Recife, Massagana, 2004.
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SCOTT, Joan W. Feminism & History. Oxford, Oxford University Press, 1996