NAVEGAR É PRECISO
Existe algo mais prazeroso que viajar deitado numa rede, no convés de um barco, com o vento frio “condicionando” o clima quente da Amazônia? O barulho do talhamar singrando as águas, o céu estrelado e os pontos luminosos que revelam outras embarcações no meio da noite dão um clima romanesco à viagem. Esta, quando anunciada com 36 horas ou mais de duração dá ao viajante a falsa idéia de tédio e chatice. Para quem sabe aproveitar, a viagem acaba se tornando curta.
Sempre há um companheiro novo, com boas histórias, a turma do dominó, a cervejinha no terceiro piso ou então a pura e simples contemplação da farta natureza. Botos com suas travessuras pedindo atenção, as manobras das pequenas embarcações para minimizar o efeito do banzeiro além de tantas coisas que se vai descobrindo durante a viagem.
Atualmente está surgindo uma grande novidade: algumas embarcações estão instalando bibliotecas para entretenimento do viajante. A leitura sempre proporciona uma viagem imaginária por dentro do romance. O bom romance é aquele que nos envolve e nos faz sentir personagens da história. Num mundo povoado por net, por repetitivas novelas televisivas, o livro está ficando cada vez mais nas prateleiras. Muitos estudantes limitam a sua leitura aos livros obrigatórios. A ocupação do tempo livre, nas embarcações, com leitura proporciona uma viagem dentro de outra.
A idéia começa tímida como uma conseqüência natural da mudança de nível escolar dos donos e dos trabalhadores em embarcações. Assim como os trabalhadores em panificação, restaurantes e ônibus, os de embarcações também são cada vez mais escolarizados. O número de analfabetos neste setor está menor a cada ano e tende a desaparecer até como uma exigência do público que viaja.
As bibliotecas encontram uma renovação constante no passageiro que doa livros que ocupam lugar em casa. Afinal, livro não é jornal que fica velho. Ele não traz notícias e sim estórias. Livro pode ficar puído, com folhas soltas, capa ensebada, mas o conteúdo sempre será novidade para quem o ler pela primeira vez.
Muitos de nós nos lembramos do primeiro livro que lemos. O primeiro livro “grosso” é um desafio a ser vencido e o sabor no final da leitura se assemelha ao gosto que sentimos quando acabamos uma grande tarefa com sucesso. Assim, quando saltei – aos meus 11 anos – dos inocentes gibis ao romance “Lagoa dos Índios” senti-me como se tivesse conquistado o mundo. Sérgio Antonio Raupp, o autor do livro, não sabe o que me proporcionou, meu eu lhe sou grato.
Minha avidez pela leitura estendeu-se muito além das horas vagas. Muitos e muitos romances vieram a seguir. Não raras vezes recebi uma reprimenda por ser encontrado altas horas, com a luz ligada, devorando algum livro.
É ilusão acreditar que o livro vai voltar a ocupar o espaço que já teve. Mas, atitudes como esta, que surgem timidamente, isoladamente, podem crescer e, quem sabe, muitos jovens serão apresentados aos livros durante uma viagem sobre os rios da Amazônia. Pode ser um estímulo para que busquem muitas “viagens” sadias em romances.
Luiz Lauschner – Escritor e Empresário
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