Novas Tecnologias Para Uma Literatura Atemporal - Artigo de Tchello d'Barros
Novas Tecnologias para Uma Literatura Atemporal
por Tchello d’Barros
É bem possível que você esteja lendo este breve texto na tela de um computador. A questão é: porque você não imprimiu o texto? Talvez por que isso exigiria algum tempo e seu tempo é muito curto. Talvez por uma questão de logística, afinal papel impresso pede espaço pra ser guardado. Talvez porque isso gera custos, a tinta de impressão é muito cara. Talvez por suas preocupações ecológicas, gastando assim menos papel, uma árvore a menos é derrubada. Mas a questão maior é que muita gente ainda prefere a leitura do texto impresso, preferencialmente o livro, onde em muitos casos há uma relação quase fetichista.
Ocorre que para o universo da Literatura, estamos em plena transição de um salto quântico, de uma grande mudança quanto às mídias em que a Prosa e a Poesia se apresentarão ao leitor deste novo milênio. Isso tudo por conta dos avanços da tecnologia e da necessidade das criações autorais encontrarem novas formas de consumo, de publicação, de encontro com o leitor.
Ora, quando os antigos textos cunhados em pedra ou em tabuinhas de argila ou cerâmica passaram a ser impressos em papel, também houve muita resistência, os rolos em papiros foram motivo de piada, mas logo esta tecnologia substituiu aquelas.
O que vemos agora é um processo que provavelmente não eliminará o livro escrito, as revistas, jornais, etc, mas é um fenômeno que desde meados da década de noventa tem transformado a relação autor-leitor no âmbito da literatura. Com o advento do PC nas residências e em seguida o surgimento da própria Internet, ampliou-se o mundo literário em nosso Brasil de poucos leitores. Inicialmente surgiram as Listas ou E-grupos com temas afins, como a Lista Fórum de Literatura, onde autores e leitores postavam, liam, comentavam, discutiam, elogiavam, brigavam, e por isso tudo todos ganhavam, havia um tipo de exercício de crítica literária e o natural aprimoramento da produção.
Os sites literários também cumpriram e cumprem um papel fundamental nesse sentido, abrindo espaço para inúmeros autores que atuam fora do mainstream do mercado editorial. Blocos On Line, PD-Literatura e Garganta da Serpente são alguns exemplos de sites que descobriram novos autores e por conta da interatividade, vários encontros de escritores foram organizados, mas o contato aconteceu previamente no ambiente virtual.
Quanto a questão da interatividade, podemos citar o escritor Mário Prata, que escreveu o romance interativo “Os Anjos de Badaró”, onde os internautas “observavam” o escritor escrevendo, graças a uma câmera ligada 24hs no espaço onde o autor trabalhava, e também acessavam os escritos recentes no desenvolvimento do romance e assim podiam interagir com o autor enviando comentários sobre os personagens e o desenrolar das cenas, assim o autor tinha um feedback imediato sobre o desenrolar do romance. O escritor apresentou o case no II Fórum Brasileiro de Literatura, em mesa constituída com as editoras Asta Vonzodas e Leila Míccolis, ambas publicando novos autores no ambiente virtual.
Outro advento que ainda não se consolidou, mas que vem dando o que pensar são os E-books. A primeira grande aposta no Brasil deu-se com o consagrado escritor baiano João Ubaldo Ribeiro. A aposta da editora foi lançar um novo romance do autor exclusivamente no formato de E-book, onde o internauta pagaria previamente com cartão de crédito e teria direito a fazer o dawnload da obra. Se depois o leitor iria ler na tela ou imprimir os arquivos para ler no papel, bem, isso já é uma questão pessoal. O fato é que o projeto não foi um sucesso e as editoras aprenderam que no Brasil, essa prática de mercado ainda está longe de ganhar o grande público.
Em seguida apareceram os blogs, ou a praga dos blogs, como preferem alguns. Isso porque a facilidade em ter um blog gratuito, a facilidade em postar qualquer coisa fez com que da noite para o dia surgissem milhares e milhares de “escritores” e “poetas”, gente que sem um mínimo de conhecimento de teoria da literatura, sem noções básicas da construção de um poema, veiculam na web seus escritos, auto-proclamando-se autores, enquanto que sua produção, muitos poemas por exemplo, não apresentam a menor noção de ritmo, métrica, aliteração ou coesão entre forma e conteúdo. Encontrar na Internet um bom poema entre autores iniciantes é procurar uma palhinha num agulheiro digital e infinito. O lado positivo é a possibilidade do candidato a escritor interagir com outros escritores, com leitores, críticos e profissionais do mundo editorial, desta forma desenvolvendo sua produção, refinando sua escrita.
Ainda no assunto Internet, podemos mencionar os sites de relacionamento, como o Orkut, em que não raro as pessoas veiculam poemas em seus perfis e álbuns, sejam poemas de autoria própria ou de autores que admiram. A próxima fronteira parece ser o Second Life, onde até o momento ainda não se soube de evento onde algum avatar fizesse uma declamação de poemas.
Enquanto estas linhas são escritas, digo digitadas, passa nos cinemas do Brasil o filme Beowolf, editado totalmente com recursos de computação gráfica. A obra, mencionada já no Don Quixote, apresenta as aventuras de um herói inglês da idade média lutando com monstros e dragões. Trata-se do mais antigo poema inglês, e agora o clássico aparece nas telas do mundo todo, pois depois de quinze séculos em que o poema foi escrito, aparece agora nas telas de cinema em escala global, graças ao desenvolvimento da tecnologia digital.
Para além das questões tecnológicas, observa-se atualmente no circuito internacional da arte contemporânea um processo de hibridismo, onde modalidades diferentes de expressão se mesclam ou se fundem numa mesma obra. É comum ver artistas visuais realizando Performances cênicas e as chamadas Intervenções, não raro usando o poema como elemento de transmissão de alguma mensagem. Ou atores que em suas peças, projetam poemas no cenário do palco, ou no próprio corpo. Fotógrafos construindo releituras imagéticas a partir de obras literárias. Peças criadas a partir do recorte de versos encontrados em determinadas obras literárias, caso da gaúcha Élida Tessler. Ou podemos citar também a norte-americana Jenny Holzer, que esteve no Brasil e projetou seus truísmos com raio laser nos paredões do Pão–de-Açucar e na espuma das ondas de Copacabana. Atualmente seus truísmos são veiculados em painéis de LED nos principais espaços culturais do mundo. Quando esteve no Brasil, ela descobriu um tipo de truísmo poético popular, as frases dos pára-choques de caminhões, e saiu visitando garagens de caminhoneiros para coletar as frases, poéticas, filosóficas e bem-humoradas.
No estado de Alagoas, que detém o mais baixo índice de alfabetismo no país, ainda são tímidas as ações alternativas de veiculação de criações literárias. Podemos citar em 2004 o grupo Saudáveis Subversivos, em Maceió, que realizou performance na foz do rio Salgadinho, construindo palavras com as letras da palavra “açúcar”, intervenção que se prolongou no trajeto até o Teatro Deodoro, que abria uma exposição de fotografia de arte e poemas adesivados em espelhos. Ainda na capital alagoana, o poema como obra visual, apareceu em outros espaços culturais, geralmente em paredes reservados para quadros ou as chamadas instalações, mas também em locais alternativos, como nas colunas da estação de trens da CBTU, onde plotagens com poemas foram fixados nas colunas das plataformas de embarque, local em que diariamente 7.000 pessoas transitavam. Mais recentemente a galeria de artes do Senac, com curadoria de Ana Glafira, realizou uma exposição de Poesia Visual, toda impressa em recursos tecnológicos recentes como a plotagem em polietileno, lona de banner, adesivação transparente, sign em vinil e outros recursos. Poemas de Lêdo Ivo foram abordados em coreografia de Emília Klark, onde projeções de imagens e textos dialogavam com a dança dos bailarinos. Como intervenção, na III Bienal do Livro de Alagoas, o poeta Tainan Costa escrevia poemas na pele dos passantes. Não será demais lembrar que o Guia de Poesia do Sobresites, um dos maiores espaços de difusão literária no Brasil e mundo lusófono é editado em Maceió, pelo escritor, poeta e editor Luiz Alberto Machado.
Bem, não dá pra saber se você leu esse artigo na tela ou papel, mas o que interessa é que as possibilidades são infinitas, a cada novidade tecnológica a literatura dá um jeito de se infiltrar, sejam em torpedos ou ringtones de celular, vídeo-poesia no Youtube, ou animações digitais veiculadas em I-Pods. São mostras de que em qualquer lugar a criação literária, seja em prosa ou poesia, busca novas mídias, novos suportes, novos recursos tecnológicos para cumprir sua missão, o encontro com o leitor, razão maior de sua existência.
Tchello d’Barros é escritor, artista visual e viajante. Possui 6 livros publicados, ministra oficinas literárias e vive em Maceió/AL.