A porta
A PORTA
Eu tenho um colega, colega e amigo, aposentado da Caixa, pessoa de muita sensibilidade, o Pachequinho, hoje na faixa de seus oitenta anos, que tinha uma voz bonita e gostava muito cantar. Tem várias músicas que quando escuto me lembro dele. Uma delas é “La puerta”, de Manzanero, cantada na década de sessenta por Lucho Gatica, e hoje revivida por Luís Miguel. Começa assim: “La puerta se cerró detrás de ti, y nunca más volviste a aparecer, dejaste abandonada la ilusión, que había en mi corazón por ti. La puerta se cerró detrás de ti, y así detrás de ti se fue mi amor, creyendo que podría convencer a tu alma de mi padecer”.
Pois se há um tema instigante para a reflexão, ele nos vem da palavra “porta”, que tem vários sentidos, como entrar, sair, fechar, prender, abrir, libertar, etc. No Livro do Apocalipse o anjo diz que há uma porta, referente ao poder de Deus, que fechada ninguém abre, e aberta ninguém fecha. Jesus também se apresenta como aquele que é “a porta”. A esse respeito, há quase cem anos o vetusto Vicente Celestino cantava “Porta Aberta”, quase se arrebentando o peito de tanto gritar.
Há um sinal negativo incrustado nas portas fechadas. Mas também se cria uma ilação de segurança e proteção. É impossível negar, no decorrer do raciocínio filosófico, que a porta gera uma idéia de união e de separação. Sobre uma suposta porta, que deveria ser fechada por causa da vergonha da escravidão, Castro Alves bradou: “Andrada! Arranca esse pendão dos ares! Colombo! Fecha a porta de teus mares!”.
Antes de entrar no âmago desta crônica, vem-me à idéia que o verbete porta está ligado a vários sentidos, como porta da vida, da morte, do coração, do entendimento. Meu pai tinha medo quando fechavam a porta do avião, com aquele ruído característico da decolagem iminente.
Pois num dia desses, eu fui à Rodoviária de Porto Alegre, levar algumas pessoas que iam viajar. Naquele rebuliço de início de “feriadão” me permiti fazer algumas observações. A mais significativa apontava para um casal se despedindo. Ela ia subir no ônibus e ele ia ficar na estação. Um fato corriqueiro, se não fosse o choro quase convulsivo produzido pelos dois. Ora, se a separação vai doer tanto, por que não ficaram juntos? Tem coisas na vida que não se explica.
A moça subiu no veículo e a porta bateu com um estrondo, dando como que um sinal da partida imediata. A batida da porta foi um sinal para os dois. Na plataforma ele abanava; por detrás da janela ela jogava beijos. Pelo movimento labial dava para entender ela dizendo: "eu te amo!".
A porta foi ali uma instância de ruptura. Ele ficou e ela partiu. Havia uma idéia de separação, que me trouxe a lembrança do “la puerta se cerró detrás de ti, y nunca más volviste a aparecer”.
Para não me deixar envolver no negativismo daquela separação, me lembrei do cancioneiro popular que recorda que “pela porta aberta, de um coração descuidado, entrou um amor em hora incerta, que nunca deveria ter entrado...”, ou “de repente a porta se abriu e ela veio correndo para os meus braços, sorrindo...”.
Notaram como a palavra porta faz parte de tantas emoções da nossa vida?