O Estado a serviço das elites
Hoje, o maior negócio das elites econômicas e políticas tem sido controlar o Estado brasileiro. Com a crise do modelo de desenvolvimento de industrialização dependente, que organizou a produção e o Estado brasileiro de 1930 a 1980, o neoliberalismo entrou em cena. Temerosa de perder seus privilégios, a classe dominante se unificou, se rearticulou e, a partir das eleições de 1990, passou a imprimir a agenda definida pelo Consenso de Washington.
O neoliberalismo é apenas uma forma de apresentar a ideologia dos ricos e, em termos econômicos, trata-se da subordinação de toda economia brasileira aos interesses do capital internacional, agora dominado pelo mercado financeiro. E do ponto de vista dos interesses da nação, representou o abandono das elites brasileiras de esboçarem um projeto de desenvolvimento nacional, baseado na expansão de seu mercado interno e na industrialização. Em termos políticos, essa nova etapa equivale a uma recolonização do Brasil.
Com as políticas econômicas neoliberais, o centro do processo de acumulação de riquezas é o capital financeiro, os bancos. E nesse novo modelo de acumulação, a classe dominante impôs mudanças fundamentais no comportamento e no papel do Estado brasileiro. No modelo anterior, o Estado tinha um papel ativo nos investimentos produtivos, na infraestrutura básica e na garantia de serviços públicos para a maioria da população. Agora, em termos econômicos, o Estado privatizou todos os investimentos públicos, das ex-empresas estatais lucrativas, e entregou a infraestrutura para a iniciativa privada. Privatizou, inclusive, os projetos futuros, através das Parcerias Público Privadas (PPPs).
Cabe hoje ao Estado garantir o processo de acumulação do sistema financeiro, garantindo as mais altas taxas de juros e sua transferência através do orçamento público para os bancos e especuladores. Assim, cerca de 30% de toda receita federal recolhida em impostos de toda população é transferida para o sistema fi nanceiro via pagamento de juros dos títulos públicos. Enquanto isso, todos os serviços públicos de educação, saúde, transporte publico, e infraestrutura se degradam.
Esse modelo concentra cada vez mais riqueza e renda. Gera cada vez mais pobres. E freia a mobilidade social.
De outro lado, o neoliberalismo construiu também uma receita para os pobres. Obviamente, nada que ameace os pilares desse sistema que privilegia a acumulação de capital das elites. Aos “carentes”, a fórmula são os programas de compensação social, como uma espécie de amortização das prováveis revoltas sociais. Paliativos para que a vida miserável seja menos insuportável. Daí, os programas de bolsa-familia, bolsa-escola, bolsa gás, valetransporte, vale-refeição e tantos programas secundários, que não alteram a renda das pessoas e muito menos permitem a ascensão social.
E para conter os sonhos de rebelião, é preciso não descuidar da repressão social, essa sim, a fórmula permanente para manter a paz (??) em um país de desigualdades sociais desumanas.
Mas a um Estado soberano não cabe o papel de mero administrador (e zelador) dos negócios do mercado financeiro. É de se esperar de uma nação digna que defenda a dignidade de seu povo, atenda às camadas mais pobres e aos anseios de igualdade e democracia verdadeira - aqui entendida não como representatividade política, mas como poder do povo, poder econômico, social, cultural e político.
A única forma de reverter esse papel perverso do Estado brasileiro é a organização e a luta popular. Resistir, nos unir e agir articuladamente é necessário se queremos fazer valer nossos direitos, que estão consolidados na própria constituição, mas sistematicamente ignorados pelas elites, tão histérica em defender o “cumprimento dos contratos”, mas que se esquece das obrigações do Estado mais primárias - como a educação e a saúde para todos.
Sem mudanças no modelo econômico e nas prioridades do Estado, a sociedade não trilhará outro caminho que não seja o de um futuro cada vez mais desigual, injusto e violento.
http://www.brasildefato.com.br/v01/impresso/anteriores/180/opiniao/materia.2006-08-16.2939021736