João da Sunga
JOÃO DA SUNGA
Cada lugar tem suas peculiaridades geográficas, assim como seus tipos humanos característicos e irrepetíveis. Onde quer que se vá a gente é surpreendido pela narrativa curiosa de feitos de algumas pessoas, cujas atitudes excedem à média e não-raro avança pelo terreno do folclórico e do irreal.
Em uma localidade escutei falar de um médico que usava tratamentos nada ortodoxos com seus pacientes. Ele se confessava um agrônomo frustrado, por isto, todos os anos era convidado para ser paraninfo de todas as turmas de Agronomia.
Uma idosa chamou o tal “doutor”, pois se dizia privada dos movimentos, incapaz de se levantar da cama. Era uma mulher solteira de seus setenta e tantos anos, beata, de um rigor moral vitoriano. Pois o “Dr. Xico” chegou lá, escutou as lamúrias da mulher, dizendo-lhe ela não tinha nada, era um impedimento psicológico, que ela se levantasse da cama, pois estava sã.
Como a paciente insistiu, ele tirou a roupa e, só de cuecas, se deitou ao lado da velha, debaixo das cobertas. A mulher deu um pulo, horrorizada, indo parar na porta do quarto. “Viu, disse o profissional, como a senhora pode andar?”
Em outra cidade, havia um homem idoso, do meio rural, que adorava pedir carona. Ele andava pelas encruzilhadas a espreita de um passeio. Como gostava de andar de carro, para onde o motorista fosse, era exatamente o lugar para onde ele queria ir.
Noutra localidade, tinha um homem sofrido. Diziam as más-línguas que a mulher meteu tanto chifre no coitado que ele ficou “lelé”. Na rua, bastava alguém olhar mais fixamente que ele já perguntava: “Você anda comendo a minha mulher?”.
Na região das missões, conheci um açougueiro que pela carne vendida elaborava um cadastro socioeconômico de sua clientela. “Aquele ali tá mal... compra um quilo de costela para seis pessoas”. Em zona de “gauchinhos”, a costela valia mais que o filé. Até eu entrei no falatório: “Esse gerente da Caixa me tirou um espinho do cu! O ‘minhão’ (filé-mignon) que ninguém qué... e ele leva todo”.
Pois o João da Sunga, personagem-título desta crônica, viveu em Porto Seguro. Embora já tenha falecido, suas histórias iluminam o folclore da região. Sunga todos conhecem. É aquele diminuto calção de banho, em geral de uma malha sintética.
Pois o tal cidadão andava sempre se sunga. Ele era dono de um “rancho de praia”, um bar, de pau a pique, com cobertura de palha com uns 500m2 na orla marítima, com petiscos, sombra e música ao vivo. Bem falante, fez clientela, ficou rico e se elegeu Prefeito. E sempre de sunga.
Na posse a oposição quis cassá-lo, por falta de decoro, pois ele foi de sunga. Na época o presidente era o FH que foi a Porto Seguro. Pois o João disse que ia recebê-lo, no aeroporto, de sunga. Foi uma guerra para que o vice o substituísse na recepção formal. Só na formal, pois no almoço lá estava ele, com a indefectível sunga.
Dizem que quando morreu, como não podia ser diferente, foi enterrado de sunga. O rancho está lá até hoje, entre o Tôa-atôa e o Axé-Moi.