A calcinha da Marineuza
A CALCINHA DA MARINEUZA
A Marineuza, ou simplesmente Mari era uma mulher deslumbrante. Era não, é ainda, pois está bem viva. Alta, morena, jeitão liberado, tinha dentes alvos e dava umas risadas sonoras daquelas capazes de alegrar até ambiente de velório. Seu corpo era exuberante, onde era impossível deixar de contemplar uma bunda bem feita, do tipo que o brasileiro gosta, como aquelas que aparecem em comercial de banco de privada ou utilizadas na publicidade de papel higiênico.
Pois, o cara foi convocado para uma viagem de negócios. Preliminarmente convidou sua mulher, que rejeitou o convite. Gozado como algumas mulheres casadas, que não têm nada para fazer, evitam sair de casa. Pelo menos com o marido. Aberta a vaga, ele telefonou para a Marineuza, que incontinenti aceitou o convite, remanejou a agenda e na hora certa lá estava ela com sua mala no aeroporto.
Foram dias de trabalho, como tinha que ser, e de amenidades, afinal ninguém é de ferro. A ele chamou a atenção o poderoso arsenal de sedução que ela trouxera, representado por um diversificado acervo de roupas íntimas, uma mais provocante que a outra. Era o tipo daquelas lingeries que os espanhóis e os europeus em geral chamam de “picardia”. Tinha modelos e cores para todos os gostos e para os mais pervertidos desejos.
No retorno à casa, exausto, o carinha foi dormir e deixou a mala de lado, para que a mulher desse destino ao seu conteúdo. Ele estava ferrado no sono quando foi acordado pela gritaria da mulher. Na mão ela rodava uma diminuta calcinha indagando de quem era a peça. Peça, não, pecinha, pois era algo de dimensões reduzidas. Tratava-se de um artefato de alto poder de sedução: rendas negras e vermelhas, nas laterais um delgado elástico, e atrás entrando pelo “derriére” da proprietária uma estreita tira de lingerie, o fio-dental, aquilo que o nordestino chama de “cordãozinho cheiroso”.
Dizer o quê? Não teve palavras para se defender. Só podia ser coisa da Marineuza que, por descuido ou de propósito, deixara cair a indecente calcinha dentro da mala dele. E pior: a peça ainda trescalava um perfume acre, característico da intimidade da moça. Não havia nada a argumentar em sua defesa.
Na política brasileira acontecem, não-raro, fatos semelhantes. Têm coisas que não se encontram justificativas do jeito que acontecem. Tramitou – usei o tempo passado, pois acho que já é matéria morta – no Congresso um projeto de correção para as ridículas remunerações dos aposentados.
A quadrilha legislativa afirmou que tal concessão iria inviabilizar o cofre da “viúva”. Na mesma fornada foi votada uma “pequena ajuda” a bancos insolventes (entre eles o “Nossa Caixa”, do Maluf) cujo desembolso deveria ser suportado pelo Banco do Brasil e pela Caixa. Não querendo correr a vergonha de uma quebradeira, o Governo injeta dinheiro bom em cima de dinheiro ruim. Ajuda aos aposentados que trabalharam a vida inteira nem pensar. Socorro aos banqueiros salafrários pode. O Congresso não tem argumentos em sua defesa.
(Filósofo e escritor)