SUPERSTIÇÃO, FÉ, PRECONCEITO E CIÊNCIA
De todas as formas de conhecimento humano a superstição é a mais primitiva, a mais natural, a mais instintiva, para não dizer, a mais irracional. Ela não pode ser confundida com fé, pois a fé, a exemplo da chamada fé pública, carece de fundamento racional. Todavia, tal fundamento não pode ser chamado de científico, pois não se pode tocar e dessecar de forma física o objeto de estudo, porém, a base da fé verdadeira é mais sólida do que a base da sociologia, que pretende ser a ciência do comportamento humano, pois, embora filosófico, o fundamento da fé tem que ser estável, imutável, invariável. Do contrário, a fé não se firma. Já o fundamento da sociologia, que são as reações humanas aos estímulos, varia de indivíduo para indivíduo.
A diferença entre a superstição e a fé é que a última se firma pela observação. Ela requer uma confirmação compreensível do ponto de vista racional, enquanto a primeira não carece, apegando-se a coincidências, mesmo que improváveis do ponto de vista racional.
Por exemplo: A razão entre crer no poder do sol, que se pode ver e perceber os efeitos, e crer no poder de Deus, que não se pode ver nem comprovar a atuação atribuída a Ele.
A primeira vista pareceria mais racional crer no poder do sol, pois ele pode ser visto e conferida sua atuação. Pode-se, entretanto crer que ele existe, observar sua atuação e até senti-la instantaneamente – ele faz as plantas crescerem, aquece a terra vencendo o frio, seca o lodo, etc., todavia, daí para tê-lo por deus carece que sejam ignoradas outras observações, mesmo num contexto silvestre. Prova é que as plantas não se desenvolvem somente com sol, não se nutrem somente dele e mesmo no ambiente pagão vê-se que elas carecem de terra, de chuva, de que sejam plantadas. Produzindo-se uma observação, o que mesmo num contesto pagão se estabeleceria normalmente, visto que o homem pagão podia prever a chuva e outros fenômenos com certa confiabilidade através de simples observação –, sendo assim, estabeleça-se uma comunicação com o sol através da oração e ele somente responderá dentro dos padrões que sempre respondeu, mesmo quando não se fazia a oração. Ou seja, responderá exercendo sua função normalmente, sem nenhuma alteração. Por outro lado, porém, estabeleça-se uma observação com Deus, o qual não se pode tocar, nem ver Sua atuação, não se pode aquecer-se em sua luz, nem se pode refrigerar de forma física à sua sobra, nem vê Ele sobre as plantas nutrindo-as, etc., apesar de tudo isso, faça-se comunicação com Ele através da oração e se poderá perceber acontecimentos diferenciados, que não ocorrem em meras rotinas, que podem ser e parecer coincidências e, sendo isoladas, podem ficar por isso mesmo, mas deixam de ser coincidência quando se tornam rotinas produzidas sempre depois da oração.
Exemplo: Algum doente ora pedindo um remédio que não pode comprar. No caso da oração ao sol, esse seria um pedido incoerente mesmo no contexto pagão. Haveria um outro deus para tal assunto. No caso de pedir-se ao Deus imaginário, pouco tempo depois alguém que bate na porta trazendo o remédio. Na primeira hipótese trata-se de alguém conhecido, sabedor de que na casa há um doente. Nesse caso prevaleceria a evidência de que a resposta se deu pelo propósito da pessoa correspondente, coincidindo com a oração da solicitante. Todavia, se poderia dizer que pessoa correspondente foi motivada pelo Espírito de Deus. A boa fé tomaria tal evidência por fato e suficiente. Mas ignore-se isso, pois poderia ser chamada de fé intuitiva.
Em outra hipótese, a pessoa à porta é completamente desconhecia, diz que saiu com o intuito de fazer uma obra de caridade e escolheu a casa por acaso. Existe aí a hipótese da coincidência, mas ela se torna frágil sob peso da evidência de propósito sobrenatural. Todavia, tal coincidência se deu uma vez em toda a vida do indivíduo. Isolado assim, a evidência de propósito sobrenatural se enfraquece muito, restando a coincidência.
Entretanto, sinceramente, o indivíduo que desta vez orou por remédio ao estar doente sem ter com que comprá-lo, outro dia orou ao ser assaltado e surgiu um policial de súbito, o que, sabemos, é muito difícil. Dias antes ele orara ao deparar-se com um tronco atravessado na estrada e, sem ter tempo para frear, sem nem mesmo pôr o pé no freio, o carro parou a vinte centímetros do tronco. Ou ele freou, mas a distância não era suficiente, mesmo assim o carro parou. Todos esses exemplos sem apelar para coisa muito extraordinárias, como ser curado sem remédio, o assaltante desesperar-se a toa e sair correndo ou o carro permear o tronco ou voar por sobre ele, são evidências ponderadas de uma atuação sobrenatural e servem para confirmação de uma boa fé, que foi exercitada ao orar.
Se tais providências não fossem respostas imediatas a orações, a simples freqüência dos acontecimentos já seriam indícios comprobatórios da presença de propósito sobrenatural. Todavia, sendo assim, subseqüentes a orações, elas tornam-se mais do que fatos, dando comprovação científica de uma atuação sobrenatural, embora os objetos estudados sejam filosóficos, mas tudo isto forma sólida evidência da existência de Deus, pois as respostas aos mesmo estímulo são repetidas de maneira uniforme e previsíveis. Não quero dizer que as formas das diferentes respostas são previsíveis, mas que os elementos das observações são sempre os mesmos, sendo eles a necessidade, a oração e a resposta em conseqüência.
Apesar de tudo isso, não é possível estabelecer a fé pela observação (necessidade e oração que produzam respostas), esta somente a confirma. A boa fé vem antes da fé ponderada pela observação. Todavia, mesmo a boa fé é ponderada, embora sem os objetos de observação. A boa fé é o caminho que conduz à observação – a necessidade que leva à oração que produz a resposta. A diferença entre a boa fé e a superstição é a ponderação e a conclusão dentro de critérios prováveis. A boa fé se estabelece pelo raciocino sobre o objeto mesmo antes da observação. Por exemplo: Do ponto de vista racional, é mais provável que haja um planejamento no Universo do que o mesmo seja resultado de uma casualidade e um caos. A primeira hipótese é boa fé, não ingenuidade, embora não se possa tirá-la do campo das hipóteses. Já a segunda, trata-se de superstição pura e simplesmente, pois uma mente racional, pos mais ingênua que seja, não admite tal hipótese como provável.
Em comparação, é mais provável que um pino posto em ângulo de noventa graus sobre o solo tombe do que permaneça em pé. Antes de fazer-se a experiência, a primeira seria fé e a segunda superstição. Nesse caso, porém, é possível a experimentação, o que não acontece quanto ao surgimento do Universo. Neste caso, é mais coerente ficar com a hipótese mais provável do ponto de vista da observação e, tendo-se observado que as criações humanas são planejadas, o que se pode esperar é que organizações tão mais complexas como o Universo também foram planejadas, o que requer um sujeito, não o contrário.
Portanto, embora a fé se firme sobre uma base racional e invariável, ela não é estabelecida pela observação porque para que haja a observação é preciso antes fé, pois jamais orarei para observar a resposta da oração se nem mesmo creio que existe Deus. A própria Bíblia diz que sem fé é impossível agradar a Deus, pois para tal é imperativo aproximar-se dEle e ninguém se aproximará do que acredita que não existe. Logo, é impossível a um ateu, por mais afeito a ciência que ele seja, comprovar a existência de Deus pela experimentação, pois a oração, a qual é permitida pela fé, é o elemento primordial para a observação disso e o ateu não permitirá a si orar, pois ele ficará preso no conceito pré-estabelecido de que Deus não existe e que fé é irracionalidade.
Logo, a ciência não pode estabelecer a fé e jamais servirá para estabelecer a fé dos ateus, mas pode consolidá-la em quem já possui. Quanto ao ateu, para que adquira a boa fé, que o conduzirá à experimentação da fé, terá que se esvaziar do preconceito de que Deus não existe. Ninguém terá sua fé estabelecida pela ciência, mas se possuir fé a ciência poderá consolidá-la, seja a ciência da simples observação pela premissa da oração, seja a ciência da experimentação em laboratório. Pela regra fundamental da ciência experimental, toda ciência verdadeiramente científica somente consolidará a fé, jamais há de comprometê-la ou extinguí-la, tanto que dificilmente alguém deixa de crer na existência de deus para crer em Sua inexistência, ao pessoa que freqüentemente mais ateus se convencem de que Deus existe.
Contudo, a simples resposta às orações não é prova de que a fé nela investida não é superstição. Como já disse, superstição é crer em algo incoerente do ponto de vista racional. Todavia, também disse que respostas sobrenaturais contínuas ao estímulo da oração são evidências da existência de Deus. Entretanto, vê-se em muitos seguimentos do cristianismo e outras religiões os elementos primordiais do mecanismo da experimentação da fé, que são a necessidade, a oração e a resposta à ela. Ainda assim, muitas vezes a fé por elas aparentada não passa de superstição. Em primeiro lugar, porque a fé verdadeira não precisa de comprovação para ser estabelecida, mas nem por isto é intuitiva. Quero dizer que a fé verdadeira não precisa de uma resposta a oração para ela existir, não carece de uma manifestação sobrenatural, de um milagre. A fé que precisa de comprovações sobrenaturais para passar a existir é a supersticiosa, pois ela antes precisa de uma manifestação do poder superior – ver para crer, e é assim que se processa a fé no paganismo. Eles vêm o trovão e logo crêem, depois observam os milagres do sol e crêem em sua divindade também, e assim por diante. Tal fé crerá em qualquer manifestação aparentemente sobrenatural simplesmente por parecer inexplicável, podendo ser conduzida à crença de qualquer elemento fenomenal. Essa é a premissa da superstição.
A boa fé, porém, não precisa de um estímulo inicial, ela parte do pressuposto de que um deus real deve possuir um caráter superior aos dos seres humanos, visto que criou a tudo e todos, portanto, esse deus não convence e atrai através de exibicionismo, nem fazendo uso dos instintos inferiores dos humanos, como o impressionismo, o medo e interesses materiais. Ao contrário, essa fé compreende que se os seres humanos são inteligentes, e eles sempre foram, logo esse ser superior é mais inteligente e muito mais coerente que os humanos, não sendo admitido nesses quadros impressionistas.
Eis a diferença entre dois seres humanos da uma mesma época, de uma mesma cultura familiar numa mesma cidade – Abraão, por exemplo, e seu irmão Naor. Um à procura de um Deus tão ou mais inteligente e racional do que ele próprio e outro se satisfazendo com filosofias baratas sobre um deus idealizado e especializado em apenas um ou poucos problemas humanos, conquanto que tal deus lhe satisfaça os interesses imediatos.
Logo, a fé daqueles que, mesmo no século atual, precisam de manifestações de poder para crer é superstição, que é o caso de todos os religiosos que seguem crenças com base em milagres apenas, não em uma visão racional desses milagres. Também é o caso dos ateus, que poderiam ser impressionados por um milagre que a ciência não pudessem explicar, mas não conseguem ser impressionados pelo grande milagre que a ciência não pode explicar chamado Deus, pelo simples fato que Suas manifestações sobrenaturais mais notáveis não ocorreram contemporâneos aos ateus atuais. Para que não existisse ateus, Deus teria que fazer manifestações sobrenaturais inexplicáveis do ponto de vista científico a cada dois anos e todos teriam que ver sem conseguir explicar, pois qualquer ateu que não o assistisse diria que o que lhe contou, embora os títulos científicos que possuísse, era um crente irracional.
Porém, muitos desses milagres das crenças cujo marketing atrativo são as manifestações espetaculares são respostas sobrenaturais a orações feitas em momentos de precisão. Todavia, não é racional crer em curas ilógicas, mesmo constatando-se sua eficácia, pois um Deus de caráter superior não curaria magicamente a doenças decorrentes do desrespeito às leis da física e funcionamento dos organismos, que é o caso da Lei moral e das leis de saúde, bem como das advertências sobre as relações humanas e a relação com a natureza do planeta explícitos na Bíblia, simplesmente pelo fato de que seria inútil curar indivíduos assim, visto que as doenças logo se instalariam novamente. Jesus jamais perdoou um pecado sem antes dizer “vai e não peques mais”, pois sabe que as doenças das pessoas são produzidas pela desobediência dos indivíduos às leis naturais, a Lei de Deus, à lei de saúde, etc., o que é uma grande demonstração da inteligência desse Deus e de quem nEle crê.