ERNESTO CHE GUEVARA, HERÓI OU FARSA?

ERNESTO CHE GUEVARA, HERÓI OU FARSA?

A Revolução Socialista Cubana, movimento que derrubou o ditador Fulgêncio Batista, em 1959, foi protagonizada por dois personagens importantes: Fidel Castro e Ernesto Che Guevara. Este, em especial, após sua morte foi transformado em mito e é reverenciado no mundo todo como herói revolucionário socialista. No entanto, existe um velho ditado que diz o seguinte: “toda história tem três lados: o lado de um, o lado do outro e o lado da verdade”. E como não poderia deixar de ser diferente, em torno da polêmica história da figura mitológica de Che Guevara gira muitas controvérsias. Afinal, herói ou farsa?.

Até a década de 1950, Cuba era governada pelo ditador Fulgêncio Batista. Insatisfeitos, um grupo de jovens liderado pelo advogado e ex-líder estudantil, Fidel Castro, planejava libertar Cuba do regime ditatorial de Batista. A primeira tentativa foi em 1953, porém fracassada. Em julho de 1955, no México, Ernesto Guevara teve seu primeiro encontro com Fidel Castro, que acabara de cumprir 22 meses de prisão, por causa do ataque frustrado ao quartel de Moncada, em 26 de julho de 1953. A partir de então, o jovem Ernesto Guevara decidiu seguir Fidel na sua luta pela Libertação de Cuba. O pacto foi selado. Guevara é recrutado pelas tropas rebeldes e logo em seguida, a partir de 1956, dá início ao curso de guerrilha. Ele participou e comandou os exercícios militares preliminares de treinamento. Foi em seu convívio com os cubanos que passou a ser apelidado de "Che" pelo hábito, tipicamente platino, de recorrer a essa expressão. No início de 1959, as tropas de Che Guevara tomaram Santa Clara, último reduto da ditadura antes da capital, que, em 3 de janeiro do mesmo ano, caiu em mãos dos rebeldes. A Revolução estava em curso. No sul, o próprio Fidel Castro marchou sobre Santiago de Cuba. Com a vitória dos insurretos, Fidel Castro toma posse no Poder cubano.

No entanto, sob uma outra ótica, do ponto de vista neoliberal, de direita, os autores Schelp e Teixeira (2007), por meio de um texto publicado em uma revista de grande circulação nacional, fazem uma análise controversa sobre o episódio, argumentando que:

(...); O movimento que derrubou o ditador Fulgêncio Batista, em 1959, não foi uma ação de comunista, como pretende Fidel Castro. Boa parte da liderança revolucionária e dos comandantes guerrilheiros tinha por objetivo a instauração da democracia em Cuba. Mas foi surpreendida por um golpe comunista dentro da revolução. Acabaram presos, fuzilados ou deportados.

Ou seja, o texto sugere que os objetivos da Revolução Cubana foram desviados por Fidel Castro, dando entender que a luta, a princípio, seria pela instauração de uma democracia e não por um regime comunista. Assim, grande parte dos revolucionários fiéis à causa inicial, e por não concordarem com o destino da revolução dado por Fidel Castro, foram punidos severamente. Muitos pagaram com a própria vida. E ainda, como reconhecimento pelos serviços prestados a Cuba por ocasião da revolução cubana. Ernesto Che Guevara foi Proclamado cidadão cubano de nascimento, foi nomeado para a direção do Banco Nacional de Cuba (novembro de 1959) e depois para o Ministério da Indústria (fevereiro de 1961). Segundo Schelp e Teixeira (2007):

(...); Che ocupou-se primeiro dos fuzilamentos e, depois, da economia, assunto do qual nada entendia. (...); Na versão mitológica, Che era dono de um talento militar excepcional. Seus ex-companheiros, no entanto, lembram-se dele como um comandante imprudente, irascível, rápido em ordenar execuções e mais rápido ainda em liderar seus camaradas para a morte, em guerras sem futuro no Congo e na Bolívia. (...); Che era um utópico que acreditava que as coisas poderiam ser feitas usando-se apenas a força de vontade (...);. Como resultado de sua “força de vontade”, a produção agrícola caiu pela metade e a indústria açucareira, o principal produto de exportação de Cuba, entrou em colapso. Em 1963, em estado de penúria, a ilha passou a viver da mesada enviada pela então União Soviética.

Não obstante, uma outra façanha guerrilheira é atribuída a Che Guevara. Nesta nova fase, ele comandou uma guerrilha camponesa na Bolívia, em 1967, a qual lhe custou a vida. Segundo seus asseclas, tal missão teria sido designada por Fidel a Guevara, devido à bravura e a competência deste. Contudo, Schelp e Teixeira (2007), dão outa versão para os fatos, revelando um outro lado do herói, o lado sombrio e sanguinário de Guevara, segundo esses autores:

(...); Não havia mais o que Che pudesse fazer em Cuba. Era ministro da Indústria, mas divergia de Fidel em questões relativas ao desenvolvimento econômico. (...); Che também se tornou crítico feroz da União Soviética, da qual o regime cubano dependia para sobreviver. (...); Na falta de opção, Che escolheu a Bolívia para sua aventura guerrilheira. (...); Guevara é responsável direto pela morte de 49 jovens inexperientes recrutas que faziam o serviço militar obrigatório na Bolívia. Eles foram mobilizados para defender a soberania de sua pátria e expulsar os invasores cubanos, sob cujo fogo pereceram.

Para explicar o fracasso da luta armada na Bolívia, em 1967, que resultou na morte de Ernesto Che Guevara, existem duas versões: sob o ponto de vista da esquerda, Che Guevara (...); foi executado friamente, por ordens da CIA, pois seria “muito perigoso” mantê-lo vivo, pois poderia gerar ainda mais revoltas populares em todo o continente. (STEDILE, 2007). Já a outra versão, do ponto de vista de direita, Schelp e Teixeira (2007) afirmam que: “A missão boliviana era, de todos os pontos de vista, suicida”. Mesmo assim, “o ditador cubano também equipou e financiou a expedição, com a qual manteve contato até que seu fracasso se tornou evidente”.

“Execução sumária? Não para os padrões de Che. Centenas de homens que ele fuzilou em Cuba tiveram sua sorte selada em ritos sumários cujas deliberações muitas vezes não passavam de dez minutos.” (SCHELP e TEIXEIRA, 2007). Os autores ainda suscitam a idéia de que Che Guevara teria sido traído em sua empreitada na Bolívia pelo Partido Comunista Boliviano, por motivos de divergências estratégicas e de pensamento.

Veja perguntou a um de seus mais altos dirigentes dos anos 60, Juan Coronel Quiroga: “O PCB traiu Che Guevara?”. Resposta de Quiroga: “Sim”. A explicação? Nosso partido era afinado com Moscou, onde a estratégia de abri focos de guerrilha como a de Che estava há muito desacreditada. (SCHELP e TEIXEIRA, 2007).

Também, sob a ótica da direita, a morte do guerrilheiro Ernesto Che Guevara benéficiou Fidel Castro, já que Guevara demonstrava-se insatisfeito com a posição dos soviéticos. É tanto, que somente após a eliminação desse entrave que foi possível consolidar o regime cubano. Neste sentido,

(...); A morte de Che foi central para a estabilização do regime cubano nos anos 60. (...); O fim do guerrilheiro argentino ajudou o ditador a pacificar sua relações com Moscou e ainda lhe forneceu um ícone de aceitação mais ampla que a própria revolução. (SCHELP e TEIXEIRA, 2007).

Um dos pontos mais discordantes de ambos os lados, esquerda e direita, é quanto à figura propagandista do mito Che Guevara. Na concepção da direita a fabricação da lenda e do mito Guevara é uma cartada ideológica da esquerda que tinha como objetivo divulgar os ideais socialistas na América Latina. Segundo Schelp e Teixeira (2007),

O mito é particularmente enganoso por se sustentar no avesso de que o homem foi, pensou e realizou durante sua existência. (...); Incapaz de compreender a vida em uma sociedade aberta e sempre disposto a eliminar a tiros os adversários – mesmo os que vestiam a mesma farda que ele -, Che é, paradoxalmente, visto como um símbolo da luta pela liberdade. (...); Politicamente dogmático, aferrado com unhas e dentes à rigidez do marxismo-leninismo em sua vertente mais totalitária, passa por livre-pensador.

Também, na opinião desses mesmos autores, a consolidação mitológica de Guevara só foi possível, devido a três fatos. Primeiro porque a morte prematura de Che, aos 39 anos, ajudou a eternizar sua imagem. O segundo se deve ao fato dos militares bolivianos, no afã de provar que o corpo era mesmo do guerrilheiro argentino, lavaram , pentearam e arrumaram o defunto de tal maneira que ele acabou ficando parecido com a figura barroca de Jesus Cristo. E o terceiro fato vem do contexto histórico da época. A morte de Che aconteceu às vésperas de grandes manifestações mundiais em prol dos direitos civis, que marcaram o turbulento ano de 1968. Não obstante.

(...); O esforço de construção do mito foi facilitado por vários fatores. Quando morreu, Che era uma celebridade internacional. Boa-pinta, saía ótimo nas fotografias (...); A foto de 1960 só ganhou divulgação mundial sete anos depois, nas páginas da revista Paris Match. Dois meses mais tarde, Che foi morto na selva boliviana e Fidel fez um comício à frente de uma enorme reprodução da imagem, que preenchia toda a fachada de um prédio público cubano. Nascia o pôster. (SCHELP e TEIXEIRA, 2007).

A esquerda contra-argumenta dando uma outra versão para história, na qual o polêmico mito Che, num tom de exaltação, ganha um discurso apologista. Stedile (2007). sugere que “Acreditar no Che, reverenciar o Che é acima de tudo cultivar esses valores da prática revolucionária que ele nos deixou como legado. A burguesia queria matar o Che. levou seu corpo, mas imortalizou seu exemplo. Che vive! Viva o Che!”.

Como se pode perceber, todas as histórias, mitos e discursos que envolvem a polêmica figura mitológica de Che e de sua façanha revolucionária, é sempre permeada de pura ideologia. De acordo com a interpretação mais conhecida e difundida, ideologia não seria apenas um conjunto de idéias elaboradas para compreender uma realidade, mas um conjunto de idéias que dissimulam essa realidade, já que mostram as coisas de formas apenas parcial ou distorcidas em relação ao que realmente são, buscando ocultar ou dissimular na realidade, aquilo que for conveniente para um determinado lado. Neste sentido, a ideologia seria, portanto, uma forma de consciência parcial e ilusória, que se baseia na criação de conceitos e preconceitos como instrumentos de dominação.

Portanto, a partir de uma analise profunda sob todos os aspectos acima apresentado a respeito de Ernesto Che Guevara e do estereótipo criado a partir dele, nota-se claramente posições e discursos ideologicamente tendenciosos e contraditórios de ambos os lados. Com efeito, essa ideologia intencionalmente fomentada acaba prejudicando a busca a verdade em si. A ideologia apenas oculta e mostra parcialmente a realidade e não a realidade em sua totalidade. De acordo com máxima filosófica Cartesiana: “É necessário desfazer de todas a opiniões a que até então dera crédito, e começar tudo novamente desde os fundamentos.” A exigência da clareza e de livre crítica é própria do percurso filosófico. Enquanto isso, para muitos Che Guevara é visto como um herói, enquanto que para outros, não passa de um mito forjado pelos ideologista de esquerda com o objetivo de atrair a opinião pública, procurando sempre mostrá-lo como um jovem idealista eterno combatente das injustiças sociais, quase um “Dom Quixote latino-americano”, um homem capaz de morrer por idéias. Porém, como tanto outros personagens da história, deve ser entendido sob o prisma da sua época. Os anos 60 foram revolucionários por excelência: a Revolução Cubana, a Guerra do Vietnã, a Revolta estudantil de Maio de 1968 na França, a Rebelião estudantil na América Latina, dentre outras. Tudo isso serviu como pano de fundo para a atuação e trajetória de Che Guevara. Aquela época, ideologicamente confusa, caótica e conturbada, revolucionou a política, as ideologias, a religião, as universidades, a música, as leis e os costumes, e ainda hoje, persiste a dificuldade de entendê-la na sua merecida profundidade. Em meio a tudo isso, como forma eternizar os ideais do socialismo na América Latina, os simpatizantes e as lideranças dos movimentos de guerrilhas revolucionárias, ideologicamente construíram o mito Che Guevara como um símbolo-síntese daqueles anos turbulentos e inquietantes, ao mesmo tempo, de forma proposital, deram-lhe ares de bom moço, uma figura mitológica que se perpetuou por insurgir contra os poderosos daquela época.

BIBLIOGRAFIA

SCHELP, Diogo e TEIXEIRA, Duda. Há quarenta anos morria o homem e nascia a farsa. Revista Veja, Edição Especial. São Paulo: Editora Abril, out. 2007. Disponível em:

http://veja.abril.com.br/031007/p_082.shtml. Acesso em 09 outubro 2008.

Por José Dimas da Paixão Silva

STEDILE, João Pedro. O Legado de Che Guevara . Revista Caros Amigos, São Paulo: Editora Casa Amarela, set. 2007. Disponível em:

http://carosamigos.terra.com.br/nova/ed126/reportagem_stedile.asp.

Acesso em 09 outubro 2008.