O NOSSO BAILE DE MÁSCARAS 

É possível que nem todos vocês estejam acompanhando, mas existe na atual novela das oito da Globo, em vias de término, uma personagem que suscita muitas reflexões úteis: Irene, a personagem interpretada pela atriz Glória Menezes. É o protótipo de senhora refinada, digna, boazinha, educadíssima... um amor, não há quem não se apaixone por ela! Todavia, foi enganada a novela inteira pela vilã da trama, a Flora, interpretada por Patrícia Pilar. A Flora é ruim, mas ruim de dar nos nervos! E a atriz a desempenhou com tamanha maestria que torna-se difícil imaginar a maldade personificada de um modo pior que aquele!

Todavia, a senhora boazinha cometeu injustiças épicas para com alguns dos outros personagens por conta da sua boa fé com a vilã. Passou a história inteira a defendendo. E só agora, no fim, em sendo alertada sob fogo cerrado acerca do risco que corria na sua ingenuidade, em ouvindo sem querer um diálogo franco da tal Flora, ela enfim acorda... e desaba! Para o seu remorso, culpa, horror, tudo misturado! A boa senhora quase não aguenta o desgosto. E se vê na necessidade de sair-se em pedidos agônicos de desculpas para a outra personagem, Donatella (Claudia Raia), flagelada de sofrimento a novela inteira por conta das vilanias da mocinha dócil e angelical que supunha a Irene ser a dita Flora - mocinha com ar de fada até então. Loirinha, vozinha baixa, carinhosa, prestativa, mãe amorosa, servil, grata, a bondade personificada... praticamente um monstro de crueldade, na realidade, por debaixo da máscara bem urdida - em contraparte à personalidade forte, voluntariosa, franca, transparente, nem sempre um modelo da etiqueta social, representada pela Donatella - razão maior de toda a antipatia gratuita nutrida pela Irene para com a heroína, orientada como era pelos vernizes enganosos das aparências e dos traquejos sociais.

A personagem Irene sinaliza maravilhosamente muito de nós, dos parâmetros vigentes na nossa sociedade consumista. Quantos de nós já não se enganaram nos mesmos moldes em função das aparências? Quantos ternos e gravatas já não dissimularam perfídias, más intenções, corrupções?! Quantos sapatos de bico fino não maquiaram seres do sexo feminino que ostentaram, no anonimato, o pior do que existe nas atitudes e pensamentos de uma mulher?! Em quantas ocasiões não enviezamos o olhar diante da pessoa, homem ou mulher, de aspecto humilde que adentra o coletivo ou a loja habitualmente frequentada, em função de preconceitos enraizados profunda e oclusamente, embora de maneira mais ou menos inconsciente, imperceptível aos olhares das nossas convivências mais próximas?! E em quantas e quantas ocasiões não praticamos erro de julgamento em decorrência destas mesmas referências enganosas e - não é demais afirmar! - em variados casos, pode-se mesmo dizer, desumanas?!

Irene julgou a Flora exclusivamente em função de aparências. A máscara afixada magistralmente pela vilã recém saída de um presídio, cheia de intenções vingativas, cruéis mesmo, a colheu absolutamente despreparada. E no final, ao que se sabe, é isto que a moça dominada pelas paixões nefastas do ódio lançará em rosto naquela senhora tão boa, acima de qualquer suspeita: "Foi muito fácil enganar a senhora, dona Irene! A senhora é uma tonta! Bastou falar tudo que a senhora queria ouvir! A senhora acreditou em mim só porque eu sou assim loirinha, suave, com cara de anjo! Muito fácil!"

Coisa dura de ouvir pela senhora apesar de tudo bondosa no contexto da história. Coisa dura de ser ouvida, não obstante, por cada um de nós! Porque as máscaras, os espelhos da sociedade nos enganam bem assim e, a partir disso, cometemos abusos e injustiças sequer devidamente refletidas! A trabalhadora doméstica dedicada, que enfrenta dificuldades nunca consideradas para bem cumprir o seu ofício, conta com intolerância rude e implacável diante de qualquer deslize; a secretária bem preparada em instrução e trato, todavia, morando bem e detentora de regalias, em cometendo erros talvez mais reprováveis nas suas atribuições profissionais contará com reprimendas menos duras, menos severas. Em muitas empresas, inclusive, o quesito aparência conta indiscutivelmente com maior peso no momento da admissão, relativamente ao imprescindível que, em última instância, é a competência!

Em situações outras, jovens têm muito aprendizado a relatar. Lembro-me de colegas da época da adolescência que enchiam a boca para pronunciar o jargão grotesco: namorado, para mim, só sendo rico, bonito e de carro! E o que se pedia em termos de caráter e valores?! Nada! Tudo, caros, fruto desta secular educação desvirtuada segundo a qual torna-se fácil mascarar, com tais referências ilusórias, a falta do que de fato conta; do que nos dignifica como seres humanos em constante evolução rumo a uma versão melhorada de mundo e daquilo que de fato possuimos, por debaixo de todas as imperfeições momentâneas: caráter, retidão, dignidade, honradez, amor.

Todos estes ítens são descartados por muitos como fatores obsoletos ante o fascínio doentio pelas máscaras ilusórias que, mais que servir utilitáriamente na hora de se vencer a competitividade excludente dos supostos seres humanos descartáveis, contudo, são, antes, substitutas pobres, fugazes, para o que no fim, e de fato, há de prevalecer: os seres de luz que de fato e definitivamente somos, cuja vitória final só será alcançada quando enfim nos despojarmos de todas as fantasias envergadas neste nosso triste e monumental baile de máscaras, no qual confunde-se desde há séculos, e ainda, os atores reais com seus fictícios personagens!  


Christina Nunes
Enviado por Christina Nunes em 28/12/2008
Reeditado em 29/12/2008
Código do texto: T1356809
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.