TREM NOTURNO, DE ABELARDO ROMERO DANTAS
Trem Noturno
Noite ideal para um brusco desaparecimento...
Todos estão impacientes
Mas o trem noturno vai partir.
Mereço este castigo de andar sem rumo
Por não haver engano a ninguém?
Agora também desejo que ninguém acredite
na amargura das minhas palavras.
Preciso ser diferente, diferente...
O trem partiu,
Correndo sobre os rails,
Correndo, correndo...
Eu sou o passageiro que pensa, calado.
A felicidade anda sempre na frente da locomotiva.
Sou o passageiro calado do trem noturno.
Em torno de mim
Há olhos vivos,
Velozes
E há também
Olhos tristes, vagarosos.
O trem noturno
O trem
Noturno
Entre as árvores,
Entre as montanhas....
Noite ideal para um desaparecimento...
Não há testemunhas ao ar livre.
Somente o vento acompanha o comboio iluminado,
Entre as árvores,
Entre as montanhas.
Vou pensando em ti,
Mas eu não te quero mais.
Quiseste me judiar como se eu fosse pássaro ou menino.
Não te quero mais.
Vivo perseguindo a poesia e os poetas. Nessa perseguição encontrei no blog do Professor Claudefranklin, o poeta lagartense, Abelardo Romero Dantas. Uma foto bonita na qual ele aparece bem poeta e bem posudo, lendo o jornal O Globo e com um cigarro sonhando entre os dedos. Quando leio sobre poetas e não encontro um poema inserido no texto, para mim falta o principal: a seiva, a matéria de que é feito o vate. Um poeta sem poema é como um cantor sem canção. Primeiro o poema e depois, notícias biográficas.
O trem noturno contém uma nota triste, como triste é a noite e o trem dentro da noite com seu apito e barulho que penetram as entranhas da consciência. Quando estive em Madrid fiquei acordada várias noites só para tentar entender o que chorava o trem da estação de Valdemoro. Voltei sem entender.
A tristeza e a dupla amargura de Abelardo surgem logo no primeiro verso. O eu poético sugere a intenção de pular desesperado na frente do trem, movido pela insatisfação que habita os poetas. Até o trem de ferro que “vai danado pra Catende” num ritmo agitado, carrega a tristeza e as saudades de Manuel Bandeira.
Quem mora nos trens que os faz tão tristes?
A maratona de Romero em busca do indizível é uma competição perdida, pois a felicidade corre à frente do trem indiferente às emoções de seus passageiros. Quem sabe o trem é a alma de algum poeta, desesperado entre as montanhas e árvores, entre árvores e montanhas. Como um marinheiro de porto em porto, segue o trem de estação em estação, indo e voltando, portador de alegrias e tristezas. A felicidade já entrou em outro trem e quando pára na estação, ela já sumiu ao perder de vista da linha.
Abelardo cogita, premedita o pulo, aconselhado pelo vento, instigado pela luz do comboio. Faltou-lhe a coragem e empurra o trem para o abismo de uma manhã irresoluta de bela e trágica poesia.
Abelardo Romero Dantas, sergipano de Lagarto, poeta e jornalista. Lançou no Rio de Janeiro, em 1931, o seu primeiro livro de poesia, Trem noturno.
Sobre si mesmo disse:
“Continuo diabolicamente jovem, apesar dos anos, e não sinto nenhum sinal de velhice. Não tenho tremores, tonturas, dores de cabeça, flatulência, congestão, reumatismo, artritismo, etc... Nada disso. Levanto-me de um salto e vou regar o jardim, tratar dos pássaros, tomar café e escrever meus poemas. E a prova mais insofismável de que continuo moço é que vivo em constante pecado mortal!”.
REFERÊNCIAS
http://www.abelardoromero.net/publico/modules/mastop_publish/?tac=Abelardo_por_ele_mesmo
http://historiaeculturadelagarto.blogspot.com/2007/09/abelardo-romero-dantas-lrica-e-prosa.html