UM GRANDE BATERISTA... MILTON BANANA

Vou falar sobre um músico de primeira linha, baterista por vocação e um mestre das baquetas: Milton Banana, que tornou-se conhecido quando do surgimento da bossa nova, aquele gênero musical chamado de “intimista”, ou, ironicamente, de “música de apartamento”. Mas um gênero que deu certo, venceu e frutificou.

A bossa nova nos trouxe uma safra invejável de grandes bateristas – Edison Machado (cuja bateria era conhecida como metralhadora), Dom Um Romão (que tocou com Sérgio Mendes), Wilson das Neves (o preferido de Chico Buarque), Rubinho Barsotti (do paulistano Zimbo Trio), Toninho Pinheiro (do também paulistano Jongo Trio), Hélcio Milito (do carioca Tamba Trio), para citar somente alguns do primeiro time. E, claro, Milton Banana.

João Gilberto é considerado o “pai da bossa nova” por ter inventado uma batida de violão que passou a ser o símbolo do movimento, uma batida dificílima, pelo menos a princípio. E, com essa nova batida no violão, tornava-se necessária uma nova batida também na bateria. E o primeiro a bater bossa nova foi um sujeito chamado prosaicamente, Antonio de Souza, nascido em 23 de abril de 1935, no bairro de São Cristóvão, zona norte do Rio de Janeiro.

Antonio passou a ser Milton, pois sua mãe achava que tinha de ser assim e assim foi. De tanto chamar o Antonio de Milton, ele passou a ser Milton. E o Banana veio de sua mania pela fruta, da qual era um fiel consumidor. Daí surgiu Milton Banana, um dos maiores e mais aplicados bateristas que o Brasil já viu tocar.

Banana nunca estudou bateria formalmente, um instrumento que também exige estudo teórico e prático. Sua escola foram os inúmeros conjuntos de que participou no Rio, muitas vezes tocando bongô ou pandeiro, em gafieiras e clubes populares, principalmente nos bailes de Carnaval.

Voltando às “invenções musicais”, descobriu-se que, para acompanhar a batida do violão do João, o baterista deveria exercer também uma “batida diferente”, com uma baqueta privilegiando o aro e a vassourinha deslizando sobre o “couro” da caixa, complementando o ritmo. E é a Milton Banana que se deve, não apenas o típico teque-teque da bateria da bossa nova, mas todo o colorido rítmico e a intensa variedade de tempos que o ritmo exigia. E o mais interessante de tudo é que esse “teque-teque” não era padronizado, batia-se no aro da caixa sempre de uma forma diferenciada, o que era o “must” do ritmo. A vassourinha viria a ser substituída, em muitos casos, por outra baqueta passeando pelo chimbal (também conhecido como pratos de choque), que vem a ser aqueles dois pratos colocados sobre um pedestal, que fica à esquerda da bateria e que é acionado pelo baterista através de um pedal. Isso veio a facilitar o entendimento e o aprendizado da nova batida, pois é muito mais fácil passear com a baqueta pelos pratos do chimbal do que deslizar com a vassourinha pelo couro da caixa de forma ritmada.

Uma outra característica do ritmo da bossa nova foi o uso do bumbo, que fica no centro, ao chão, acionado também por um pedal e que fazia a marcação do ritmo com um constante “tum-tum”. Tudo isso surgiu com Milton Banana.

O real começo de Banana foi em 1955 quando estava com 20 anos, no pequeno bar do hotel Plaza, na avenida Princesa Isabel, no Rio, que faz a divisa do Leme com Copacabana. Lá ele começou a tocar com o pianista Luiz Eça (futuro Tamba Trio), o contrabaixista Ed Lincoln (que depois viria a tocar piano e órgão e montaria um fantástico conjunto dançante) e o acordeonista e trombonista João Donato (que logo passaria ao piano, que toca até hoje). Esse bar era conhecido pelas muitas apresentações de Johnny Alf (considerado um dos precursores da bossa nova), até que o mesmo resolveu tentar a sorte na Baiúca, em São Paulo. E essa trinca, mais Milton Banana, tinha a difícil missão de substituí-lo à altura. E conseguiu, pois os quatro alcançaram o sucesso, uns mais, outros menos, é verdade.

João Gilberto gravou em 1958 um single que tinha “Chega de Saudade” no lado A e “Bim Bom” no lado B. O baterista, claro, foi Milton Banana, que ainda era o único a dominar a nova batida, inventada por ele próprio. Complementavam o acompanhamento, Guarany e Juca Stockler. Esse disco foi lançado ao mesmo tempo em 45 e 78 rpm, e é tido como a gravação inaugural da bossa nova.

Milton Banana gravaria com João Gilberto, ainda em 1958, o próximo single que teve “Desafinado” e “Hô-ba-la-lá” e também estaria presente nas oito faixas restantes que completariam o LP “Chega de Saudade”, gravadas no começo de 1959. O básico da “nova bateria” estava começando exatamente ali.

Passou uma temporada no exterior e em Buenos Aires foi um tremendo sucesso na boate 686 onde fez apresentações junto a João Gilberto, Os Cariocas e Baden Powell. Astor Piazzola era seu maior fã, não perdendo uma noite de show. Voltou ao Rio, quando gravou dois LPs com João Donato, tendo Tião Neto no contrabaixo e Amaury Rodrigues na percussão. Quase ninguém se interessou por esses discos.

Foi um dos participantes do lendário show de bossa nova realizado em 1962 no Carnegie Hall, em Nova Iorque, juntamente com Tom Jobim, Roberto Menescal, Carlos Lyra, e João Gilberto, entre outros. Na platéia, feras da música popular americana como Peggy Lee, Tony Bennett, Dizzy Gillespie, Miles Davis e Gerry Mulligan. Nesse show os bateristas presentes não tiravam os olhos das mãos de Milton Banana, pois, em bateria, existem detalhes que só se aprendem olhando.

De novo no Brasil, Banana deu uma nova dinâmica ao seu estilo de tocar, passando ao som mais explosivo dos grupos de bossa-jazz que proliferavam no Rio. Foi a época onde ele efetivamente começou a ser mais conhecido no Brasil, fazendo da sua bateria algo parecido com a de Edison Machado, seu amigo, aquele que tinha uma “bateria metralhadora”. Poucos se lembram dele tocando bateria suavemente como era uma exigência irrestrita de João Gilberto. E olha que para aturar e agradar a João (um perfeccionista) o sujeito tinha mesmo que ser muito bom. E Milton não era apenas muito bom, era ótimo.

Milton Banana namorou a cantora Elza Soares em 1962 e foi ele quem a ensinou pacientemente toda a divisão da bossa nova (musicalmente falando) e fizera com que ela se tornasse uma grande sambista. Por obra do destino, um concurso de popularidade promovido por um jornal carioca e uma fábrica de automóveis, aproximou Elza do supercraque Garrincha, do Botafogo e da seleção brasileira de futebol. E, com isso, Elza acabou trocando Milton por Garrincha, o que foi uma terrível prova para a sua auto-estima. Mas ele acabou por superar bem esse trauma, pois 1962 estava sendo o ano de sua vida. Não vou me alongar nesse episódio, mas tenho que dizer o que Banana disse a Ruy Castro a respeito disso: “E o pior é que eu era Botafogo!” (sic).

Veio então a sua “fase paulista” quando se radicou na cidade de São Paulo e formou o ótimo Milton Banana Trio, tendo Wanderley ao piano e Guará no baixo, ambos jovens paulistanos. Com essa formação foram lançados dois LPs espetaculares, onde explode definitivamente a bateria de Banana. O primeiro chama-se simplesmente “Milton Banana Trio” e o segundo “Vê”. Particularmente gosto mais do primeiro que tem, entre outras preciosidades, Garota de Ipanema, Samba de verão, Primavera, Samba do avião, Ela é carioca... O solo que ele faz em “Garota de Ipanema” é um verdadeiro achado. No segundo LP destacam-se Estamos aí, Vê, Opinião, Você, Só tinha de ser com você e Preciso aprender a ser só. Em “Estamos aí” ouve-se toda a genialidade e improvisação de Milton.

Infelizmente a música popular brasileira acabou seguindo outros rumos, todos hostis à bossa nova. Foi quando voltou ao Rio e gravou alguns discos temáticos, dedicados a Tom Jobim, Chico Buarque e Vinícius de Moraes. Apesar de discos excepcionais, nenhum deles fez sucesso e Milton Banana acabou por se entregar, resignando-se a tocar em inferninhos de Copacabana, isso lá pelos anos 80, quando começaram seus problemas de saúde.

Nos anos 90, a bossa nova teve uma espécie de redescoberta e as coisas começaram a melhorar para quem ainda era engajado no movimento. Mas, para Milton Banana, já era um pouco tarde. Desde 1992 sofria de graves problemas circulatórios causados por diabetes, o que era uma constante ameaça a ter uma perna amputada. Houve um show em seu benefício organizado por Mario Telles (irmão de Sylvinha) no Rio. Com o dinheiro arrecadado fez um tratamento e conseguiu adiar a cirurgia, chegando até a fazer um show de final de semana numa tentativa de reabilitação do Beco das Garrafas, que vem a ser uma travessa da rua Duvivier, em Copacabana. Mas, em certo momento, a cirurgia ficou inevitável e, em abril de 1999, Banana perdeu uma perna. Um mês depois, morreu de enfarte em 15 de maio, aos 64 anos, no seu Rio de Janeiro.

Milton Banana foi velado e enterrado no Cemitério São João Batista, em Botafogo. Durante o velório, chamou a atenção de todos uma coroa de flores com os seguintes dizeres: “A Milton, a quem o Brasil não homenageou, nem reconheceu nunca. Ass.: Todos os músicos do Brasil”. Soube-se depois que a coroa teria sido enviada por João Gilberto. Uma singela e justa homenagem a um grande músico e um homem de imenso caráter.

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Arnaldo Agria Huss
Enviado por Arnaldo Agria Huss em 27/12/2008
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