Destinatário errado
Sindicalismo e Movimentos Sociais
por Luiz Araújo
No dia 26 de novembro foi entregue ao Presidente Lula uma carta propondo uma série de medidas de combate à crise econômica. O texto é assinado por sessenta entidades do movimento social. Na lista constam as maiores centrais sindicais, as entidades estudantis e do movimento popular, além do MST e Via Campesina.
Basicamente a carta propõe que Lula deixe de ser Lula e comece um novo governo. Diz textualmente que “devemos aproveitar a brecha da crise para mudar a política macroeconômica de natureza neoliberal, e ir construindo um novo modelo de desenvolvimento nacional, baseado em outros parâmetros, sobretudo na distribuição de renda, na geração de emprego e no fortalecimento do mercado interno”. Na verdade o texto da carta esconde um subtexto. Os movimentos sociais que subscrevem a carta ainda acreditam que há espaço para disputa de rumos do governo Lula. Ou seja, depois de seis anos de convivência com um governo que implementa uma “política macroeconômica de natureza neoliberal”, ainda acreditam que Lula poderá ser convencido a mudar de rumo, mesmo que estes rumos lhe ofereçam uma ampla base de acordos com o grande capital, com a mídia e com os conglomerados internacionais.
Acontece que Lula age na direção contrária das propostas apresentadas. Cito alguns exemplos significativos.
A carta propõe “o fortalecimento da estratégia de integração regional, que se materializa a partir dos mecanismos como: Mercosul, Unasul e Alba” e do Banco do Sul “para impedir a especulação dos bancos, do FMI, e dos interesses do capital dos Estados Unidos”. Nada mais distante da política externa do governo Lula, que reage de forma violenta a cada questionamento feito por países vizinhos as ilegalidades praticadas por multinacionais de origem brasileira, que segue a cartilha do FMI, que não investe na Alba e põe obstáculos para a constituição do Banco do Sul como alternativa as agências internacionais existentes.
A carta propõe acertadamente que seja reduzida “imediatamente as taxas de juros” e que se imponha “um rigoroso controle da movimentação do capital financeiro especulativo”. O governo Lula mantém Henrique Meireles, representante-mor do capital financeiro, a frente do Banco Central, não mexe uma palha para baixar os juros e libera vultosos recursos para salvar os especuladores.
Os movimentos sociais querem que seja revista a política de manutenção do superávit primário e que os recursos do superávit primário sejam utilizados para fazer volumosos investimentos governamentais, na construção de transporte publico e de moradias populares para a baixa renda”. Tenho total concordância com esta proposta, mas acontece que Lula quer aumentar ainda mais o superávit primário. Até 1º de dezembro nada mais nada menos do que 45% do suado dinheiro pago pelos cidadãos por meio dos impostos foi drenado para refinanciar a dívida pública interna e externa.
Afirmam que “o governo federal não pode usar dinheiro público para subsidiar e ajudar a salvar os bancos e empresas especuladoras” e que “os bancos públicos (BNDES, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil) deveriam estar orientados não para socorrer o grande capital e sim para o benefício de todos os povos”. Nada mais distante das medidas concretas implementadas pelo governo Lula. As primeiras Medidas Provisórias editadas para enfrentar a crise, somadas as portarias e medidas administrativas do Banco Central, foram na direção de proteger os bancos, os especuladores e as empresas que apostaram na especulação.
Para não alongar demais a lista cito um último aspecto. Os movimentos acertadamente apresentam como reivindicação a realização de uma “auditoria integral da dívida pública para lançar as bases técnicas e jurídicas para a renegociação soberana do seu montante e do seu pagamento, considerando as dívidas histórica, social e ambiental das quais o povo trabalhador é credor”. Quem ouviu ou leu os pronunciamentos do ministro Amorim acerca das contendas com o Equador e Paraguai não tem dúvida de que a posição de Lula é de manter distância de qualquer investigação sobre a origem, legalidade e legitimidade do enorme endividamento do país.
Considero, portanto, que está na hora do conjunto do movimento social abandonar as restantes esperanças de disputa pelos rumos muito bem delineados do governo Lula. Como nada do que foi proposto pela carta faz parte do programa real do atual governo, nem tem guarita na base social real que interessa ao governo dialogar (no caso banqueiros, grandes empresários nacionais e internacionais), cabe ao movimento social tomar a decisão mais importante dos últimos tempos: deixar de lado as ilusões e colocar o nosso povo trabalhador em movimento, única forma de evitar que o ônus da crise econômica seja jogado nas costas do povo brasileiro.
Toda crise representa uma oportunidade, como bem disse o presidente Lula. Espero que esta sirva para fazer acordar o movimento social. Que os apoios dados pelo governo as estruturas sindicais, estudantis e sociais não tenham peso maior nas decisões do que os compromissos históricos com as classes trabalhadoras e com milhões de despossuídos que vivem em nosso querido país.
A carta foi enviada pro destinatário errado. Ela constitui um bom começo de uma plataforma unitária de luta contra a crise.
Luiz Araújo é Secretário Geral do PSOL