Frente &verso
O fantástico mundo da ilusão está à disposição de todos. A qualquer hora vemos, por entre as nuvens, grupos de pessoas que voam alegremente; da mesma forma, na terra, bandos de gatos fazem cabos de guerras com pitbuls, borboletas conversando com as flores e a manada de leões aplaudindo o desfilar de saudáveis gazelas. O incrível mundo onde os animais se confraternizam insiste que, nele, o beijo é técnico e as insinuações sexuais, também.
A televisão com pouco mais de setenta anos de existência, ocupa hoje um espaço tão grande, até então, nunca imaginado pelos homens. Gera ilusões; é educativa e, ao mesmo tempo, dispersiva.Sendo fruto do capitalismo, qualquer minuto pode valer milhões. É penetrante; seus anúncios, mesmos os mais absurdos, vãos aos poucos se enraizando nas mentes estressadas transformando o indigesto em elegante, o cafona em moda. Por estar diretamente ligada ao consumidor, traz sempre novidades. Tornou-se, com o tempo, informante de verdades e inverdades; é capaz de mergulhar nos abismos oceânicos trazendo a tona animais que jamais viram a luz solar. É capaz de mostrar um óvulo se desprendendo do ovário; as veias internas, os canais do sistema digestivo. Por estar ligada à base exploratória da opinião pública, vive criando furos jornalísticos com o intuito de ocultar vexames políticos. Exploram a miséria em busca de audiência, cultua o ridículo, o tacanho em busca de debates. Os programas populares exibem “gatos e gatas sarados e de cabeças vazias” estimulando o lado sensual que os humildes têm em abundância: sonhos e uma imaginação fértil. Incentivando-os a assimilarem a emolduração talhada pelos clérigos, os “noveleiros” e poetas, transformam instintos reprodutivos em amor com os mais diversos adjetivos.
É um veículo contraditório; por um lado traz cultura, por outro, o estímulo à violência como entretenimento. Mistifica assuntos banais, mas é também a desvendadora de mistério e tabus. Seus refletores aceleram processos, faz o político aproveitador se recuar; mas, ao mesmo tempo, é retalhatória direcionando os melhores programas aos canais pagos, indiretamente, alimentando a divisão social. Sua imponência a capacita em fazer o bem a toda a humanidade, porém, seus diretores preferem louvar a desgraça do agreste a forçar a elite em providenciar meios dignos para salvar aquele povo.Por fim, é a fonte indicada para denunciar todas as mazelas do mundo, no entanto, preferem santificar as patetices da eleição americana canonizando a imagem de Bush e Gore por dias seguidos. É um veículo que cumpre a sua função e, pelo avanço conquistado, mostra que traduz a exata aspiração de seus povos. No fim de noite, por exemplo, mostra em cadeia nacional a farsa encenada por ACM, Aécio, Barbalho e seus coadjuvantes e, para as crianças, o humor bestializado dos tiriricas da vida. Faz coisa glamorosas, mas peca pelo excesso de ilusão. Sendo obra humana, justifica-se tais imperfeições, pudera; afinal, vivemos num mundo onde cães, gatos, leões e antílopes, são inimigos naturais.
A Notícia. 2001.