O HUMANITISMO E A PARÁBOLA DO VENCEDOR AS BATATAS
1. O Humanitismo e a Crítica:

O Humanitismo é uma espécie de filosofia criada pelo personagem Quincas Borba em Memórias Póstumas de Brás Cubas. Personagem pícaro, por um lado, mas antipícaro, por outro, Quincas é a caricatura do filósofo, perdido entre fabulações variadas advindas tanto do Determinismo quanto do Romantismo que precedeu ao movimento Realista, vai aos poucos desfilando seus pensamentos para Brás Cubas por meio de frases interpretativas de forma ambígua ou por meio de parábola. No romance posterior, Quincas Borba, que embora leva o nome do personagem, este morre logo no início, o que se propõe é a exemplificação do Humanitismo por meio do desenvolvimento narrativo ligado ao personagem Rubião. Ao final, vencido pela sociedade só lhe restou a loucura e a morte.
O Humanitismo é assim interpretado por alguns estudiosos da obra machadiana:
Para María de la Concepción Piñero Valverde:

“Mas, para voltar a Quincas Borba, será oportuno notar uma circunstância que, desde a concepção fundamental, parece aproximá-lo da obra de Cervantes. Refiro-me à sátira de algumas modas livrescas, sátira que em Cervantes atinge os romances de cavalaria e, em Machado de Assis, os manuais de doutrinação positivista.
Efetivamente, como se sabe, as idéias de Comte rapidamente se espalharam entre a intelectualidade brasileira de fins do século XIX. É sabido que a oposição à monarquia e a proclamação de uma república de propósitos "positivos", haviam sido inspiradas por esse ideário. Ao positivismo republicano se deveu também a tentativa de implantação de uma nova crença, a "religião da Humanidade", evocadora do sistema de idéias de Quincas Borba, o Humanitismo.”
(VALVERDE: 2005)

Para Valentim Facioli o Humanitismo pode ser entendido como:

“filosofia caricata e amoral (...) parece explicar - e no mesmo movimento satirizar e demolir, mediante a ironia estratégica de Machado de Assis - as práticas de Brás Cubas e sua classe, com justificações de uma filosofia falseada e caricata, cômica e ridícula, e ainda revestida de perversidade ameaçante contra os vencidos, pois, segundo ela: ‘ao vencedor as batatas’. Assim, parece que Quincas Borba, o ‘filósofo’, fornecendo pensamento e palavra e funcionando como espécie desclassificada e diminuída do ‘intelectual independente’ (e excêntrico) - a quem Brás Cubas leva e ao mesmo tempo não leva a sério - é capaz de explicitar sem meios termos a ‘justificação filosófica’ dos proprietários e suas práticas na sociedade de classes escravista.”
(FACIOLI: 2002, p. 137)

Roberto Ventura viu no Humanitismo de Quincas Borba uma forma de Machado de Assis se expor ao que parece a uma espécie de “tédio à controvérsia” em relação aos problemas e polêmicas políticas e culturais de seu tempo, como as que envolviam Tobias Barreto, Sílvio Romero, José Veríssimo, Oliveira Lima entre outros:

“Quincas Borba é o arauto do humanitismo, doutrina filosófica que reúne, em uma eclética paródia, fragmentos da teoria evolucionista e da ideologia liberal, como o direito do vencedor às ‘batatas’ conquistadas na luta pela existência, mesclados ao credo positivista, à lei dos três estados e à religião da humanidade. Com tal mistura filosófica, atacou o cientificismo da ‘geração de 1870’, o que explica parte da irritação que ambos os romances provocaram em Romero. Em Esaú e Jacó (1904) e Memorial de Aires (1908), as mudanças sociais e políticas trazidas pela abolição e a República forma tratadas de forma igualmente cética e irônica.”
(VENTURA: 1991, p. 106)

Roberto Schwarz vê, em consonância com as idéias até aqui expostas, uma relação entre a filosofia positivista comtiana e o modo como Machado entendia a sociedade brasileira do final do império:

“(...) Humanitismo, a mais célebre das filosofias machadianas. Como sugere o nome, trata-se de uma sátira à filosofia oitocentista de ismos, com alusão explícita à religião comtiana da humanidade. Os raciocínios fzem pensar em mais outras filiações, já que em lugar dos princípios positivistas afirma a luta de todos contra todos, à maneira do darwinismo social. A própria guerra generalizada, contudo, não passa de ilusão, pois tem fundamento monista: Humanitas é o princípio único de todas as coisas, residindo igualmente nas partes vencida e vencedora, no condenado e no algoz, de sorte que não há perda alguma onde parecia haver uma desgraça. Daí que a dor não existe nem tem cabimento. ‘(...) substancialmente, é Humanitas que corrige em Humanitas uma infração à lei de Humanitas’.”
(SCHWARZ: 1990, p. 155)




Transcrevemos a seguir o trecho do capítulo IV de Quincas Borba em que o filósofo expõe por meio da famosa parábola o sentido do Humanitismo:

— Mas que Humanitas é esse?
— Humanitas é o princípio. Há nas coisas todas certa substância recôndita e idêntica, um princípio único, universal, eterno, comum, indivisível e indestrutível, — ou, para usar a linguagem do grande Camões:
Uma verdade que nas coisas anda,
Que mora no visíbil e invisíbil.
Pois essa substância ou verdade, esse princípio indestrutível é que é Humanitas. Assim lhe chamo, porque resume o universo, e o universo é o homem. Vais entendendo?
— Pouco; mas, ainda assim, como é que a morte de sua avó...
— Não há morte. O encontro de duas expansões, ou a expansão de duas formas, pode determinar a supressão de uma delas; mas, rigorosamente, não há morte, há vida, porque a supressão de uma é a condição da sobrevivência da outra, e a destruição não atinge o princípio universal e comum. Daí o caráter conservador e benéfico da guerra. Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As batatas apenas chegam para alimentar uma das tribos, que assim adquire forças para transpor a montanha e ir à outra vertente, onde há batatas em abundância; mas, se as duas tribos dividirem em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir-se suficientemente e morrem de inanição. A paz, nesse caso, é a destruição; a guerra é a conservação. Uma das tribos extermina a outra e recolhe os despojos. Daí a alegria da vitória, os hinos, aclamações, recompensas públicas e todos os demais efeitos das ações bélicas. Se a guerra não fosse isso, tais demonstrações não chegariam a dar-se, pelo motivo real de que o homem só comemora e ama o que lhe é aprazível ou vantajoso, e pelo motivo racional de que nenhuma pessoa canoniza uma ação que virtualmente a destrói. Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.
— Mas a opinião do exterminado?
— Não há exterminado. Desaparece o fenômeno; a substância é a mesma. Nunca viste ferver água? Hás de lembrar-te que as bolhas fazem-se e desfazem-se de contínuo, e tudo fica na mesma água. Os indivíduos são essas bolhas transitórias.
— Bem; a opinião da bolha...
— Bolha não tem opinião. Aparentemente, há nada mais contristador que uma dessas terríveis pestes que devastam um ponto do globo? E, todavia, esse suposto mal é um benefício, não só porque elimina os organismos fracos, incapazes de resistência, como porque dá lugar à observação, à descoberta da droga curativa. A higiene é filha de podridões seculares; devemo-la a milhões de corrompidos e infectos. Nada se perde, tudo é ganho. Repito, as bolhas ficam na água. Vês este livro? É Dom Quixote. Se eu destruir o meu exemplar, não elimino a obra que continua eterna nos exemplares subsistentes e nas edições posteriores. Eterna e bela, belamente eterna, como este mundo divino e supradivino.

2. Nossa Análise

Partiremos da parábola em si para montar um diagrama inicial da situação proposta por Quincas Borba, a de que duas tribos disputam uma exígua quantidade de batatas para seu suprimento ao sopé de uma montanha. A tribo vencedora conquista as batatas e a condição de ultrapassar a montanha para o outro lado, onde existem muitas batatas.


Tribo A........TriboB............montanha
(_) (_) (_) [_] [_] [_]...............XXX
(_) (_) (_) [_] [_] [_].............XXXXX
(_) (_) (_) [_] [_] [_]...........XXXXXX
............................................XXXXXXOOOOOO
Batatas:...........................XXXXXXXXOOOOOO
O O O O O .....................XXXXXXXXXOOOOOO
[vide figura 1 no início do texto para melhor apreensão]

Pela nossa figura esquemática, podemos perceber que existe um desequilíbrio de simetria na distribuição dos recursos, do lado de cá da montanha poucas batatas e duas tribos, do lado de lá, muitas batatas e nenhuma tribo. Assim, em termos deterministas, existe um conflito entre os recursos do meio ambiente e as sociedades humanas, em que, muitas vezes os recursos não estão disponíveis nos locais em que se instalam tais sociedades, mas distantes, exigindo uma atitude itinerante. O segundo aspecto é que sendo os recursos do local insuficientes para duas tribos instala-se um conflito entre as sociedades. Nesse caso, temos um conflito no meio social. O terceiro aspecto é que as tribos guerrearam e vencerá aquela que souber melhor tirar proveito da situação de conflito, confirmando uma premissa darwinista de seleção e evolução das espécies em razão das situações criadas pelo meio ambiente e pelo meio social. A tribo vencedora conquistará não apenas a vitória como triunfo simbólico de sua superioridade, mas a fartura que está do outro lado da montanha.
Nessa nova situação, embora favorável ao grupo vencedor ainda estará uma situação de desequilíbrio ou de assimetria, uma vez que os recursos serão abundantes, isto é, existirá fartura de batatas em relação às necessidades do grupo sobrevivente, ou seja, seria o suficiente para duas tribos, mas apenas uma delas logrará sucesso.
A parábola apresentada parece se fundamentar num processo paródico do monismo de Haeckel, assim os conceitos de espontaneidade, evolução e finalidade parecem bem encaixados no discurso do filósofo Quincas Borba. Seria natural esse estado assimétrico, da qual a mônada (conceito de Leibniz) ou a monera (conceito de Haeckel) se originaria, no caso da parábola, a assimetria se dá entre as batatas e as tribos, assim, naturalmente surgiria a necessidade de solução do conflito assimétrico, cujo resultado final seria outro estado assimétrico, agora muitas batatas para pouca demanda, a fartura alcançada pelos vencedores. Haeckel estava convencido de que cada ser vivo revive seu passado ancestral biológico durante seu desenvolvimento, ou seja, conforme os conceitos que desenvolveu, a ontogenia recapitula a filogenia.
Em que se pese as contradições das idéias de Haeckel e sua fundamentação positivista e materialista, o fato é que a moderna física entende a assimetria como a possibilidade mais razoável até agora para o surgimento da matéria diante do equilíbrio inicial entre matéria e anti-matéria.
Alan H. Guth em O Universo Inflacionário nos explica essa necessidade da assimetria:

“(...) conforme explicou Weinberg, para conhecermos a bariogênese precisamos saber mais do que o mero fato de que o número bariônico não é conservado. Precisamo atender a duas outras condições:
1. As leis básicas da física têm de um conter uma assimetria fundamental entre a matéria e a antimatéria.
2. As reações das partículas têm de ser lentas, em comparação com a expansão e o esfriamento do universo, de modo a não se alcançar densidades de equilíbrio.
Sem a primeira condição - uma assimetria fundamental entre a matéria e a antimatéria - , as reações das partículas tenderiam a produzir tanto bárions como antibarions. Só por sorte haveria uma desequilíbrio no número de ambos e ainda assim não o suficiente para explicar o excesso de bários observado.”
(GUTH: 1997, p. 91)

Neste sentido, a teoria de Haeckel ainda se sustenta nos princípios mais elementares, embora os seus desdobramentos, como a questão da geração espontânea, tenham caído em descrédito total.
Quando Quincas conclui que “A paz, nesse caso, é a destruição; a guerra é a conservação.” Está invertendo o significado do campo semântico dos termos fundado na relação entre a assimetria recorrente na Natureza, a evolução das espécies e os conflitos entre as sociedades e destas com a Natureza. A “paz” assume aqui a condição do equilíbrio, mas tal implica na impossibilidade de geração da vida, por contraditório que possa parecer. A seguir, Quincas comenta que após a vitória, a tribo vencedora passa a festejar e relembrar os feitos. Aqui, sutilmente, nos parece que Machado de Assis, por meio de seu filósofo caricato, nos propõe a discussão de outro aspecto filosófico teórico de seu tempo, a relação entre a História e o Mito.
A parábola narrada por Quincas não tem tempo e espaço definidos, ele é nos apresentada como uma típica parábola em que o tempo está suspenso e o espaço é qualquer um, desde que haja montanhas e campos. O fato de se falar de tribos que comem, ao que parece, apenas batatas, cria a ilusão de um passado distante, mítico.
Para Comte, pai do positivismo, a História estava, em certo aspecto, presa a um conjunto determinado de fases. Assim, cada civilização em particular, ou toda a civilização humana poderiam passar por elas, desde a origem até seu pleno desenvolvimento. Para Comte a última etapa seria justamente a positivista e que o filósofo acreditava estava prestes a se iniciar, tendo em vista o panorama de conhecimento científico que ele observava. Implicava essa última fase na superação do pensamento religioso cristão tradicional, de modo que deixássemos de prender nosso destino à figura de um Deus, mas que agora, se fazia necessária, a colocação dos destinos nas nossas mãos munidas que estavam da racionalidade científica.
Desse modo existe, para o positivismo, um determinismo histórico. No caso das duas tribos, as condições iniciais já determinaram a necessidade da guerra e da eliminação de uma delas. Quando a tribo vencedora passa a comemorar e festejar (Daí a alegria da vitória, os hinos, aclamações, recompensas públicas e todos os demais efeitos das ações bélicas.). Se o futuro está determinado, o passado está mitificado pelos cantos, aclamações, recompensas públicas.
Homero reconsiderado no processo determinista. Daí a consciência história, para o filósofo seria inexeqüível, ou ao menos, inútil: “Bolha não tem opinião.”
Por meio de uma analogia com a física, no caso, a água fervente, Quincas busca comentar que, devido à determinação do futuro pelos condicionantes do presente, e ao mesmo tempo, pela mitificação do passado glorioso dos vencedores, nada resta à consciência senão captar o fluxo contínuo dos acontecimentos sem poder interferir de modo decisivo no processo, o máximo que se pode escolher é entre vencedores e vencidos, ainda assim indiretamente, pois afinal não se pode ter certeza da vitória até que ela aconteça.
No romance Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881). Machado nos apresenta o capítulo “Humanitismo” em que o filósofo expõe sua filosofia a Brás Cubas e a certa altura, utiliza-se de uma afirmação acerca das relações de causa e conseqüência na determinação dos acontecimentos da vida e do homem, portanto da História:

“-Para entender bem o meu sistema, concluiu ele, importa não esquecer nunca o princípio universal, repartido e resumido em cada homem. Olha: a guerra, que parece uma calamidade, é uma operação conveniente, como se disséssemos o estalar dos dedos de Humanitas; a fome (e ele chupava filosoficamente a asa do frango), a fome é uma prova a que Humanitas submete a própria víscera. Mas eu não quero outro documento da sublimidade do meu sistema, senão este mesmo frango. Nutriu-se de milho, que foi plantado por um africano, suponhamos, importado de Angola. Nasceu esse africano, cresceu, foi vendido; um navio o trouxe, um navio construído de madeira cortada no mato por dez ou doze homens, levado por vela, que oito ou dez homens teceram, sem contar a cordoalha e outras partes do aparelho náutico. Assim, este frango, que eu almocei agora mesmo, é o resultado de uma multidão de esforços e lutas, executados com o único fim de dar mate ao meu apetite.”

Antônio Medina Rodrigues comentando e anotando a edição deste romance pela Ateliê Editorial coloca neste trecho a nota 435 em que diz: “lembraria até o marxismo, se não negasse a consciência.”
De fato, no sistema de Quincas se apresenta uma causalidade dos fatos econômicos e sociais. O fim último, no sistema capitalista burguês, é a produção da mais valia, ou a coisificação. Todo o processo histórico que antecedeu ao momento em que o filósofo aprecia a asa de frango se reduz à necessidade de consumo do próprio frango. A escravidão, o tráfico negreiro, a indústria naval, o trabalho operário aí envolvido, o conhecimento náutico e científico necessário, teve como glória o instante em que “ele chupava filosoficamente a asa do frango”.
Aqui, ao contrário da parábola das batatas, existe um aspecto histórico mais definido: a escravidão, o tráfico negreiro a partir de Angola, são dados que permitem inserir a fala num momento histórico do Brasil. Mas a História que aqui se apresenta é, como na parábola, determinista, daí o comentário de Medina acerca da ausência da consciência. O homem não tem consciência do devir histórico, aí a ironia machadiana. Os doze homens que cortaram madeira, os dez que teceram as velas, o escravo que veio de Angola não sabiam que existiam apenas para satisfazer as necessidades de um filósofo que apreciava frango. Se o soubessem, provavelmente, se recusariam a tão árduo trabalho, diante da insignificância do resultado.
Comte em seu Catecismo Positivista nos apresenta um diagrama intitulado “Hierarquia Teórica das Concepções Humanas”, nele temos a organização das ciências segundo dois enfoques, a divisão dogmática em “estudo da terra ou cosmologia” e “estudo do homem ou sociologia” e a divisão histórica em “ciência preliminar ou filosofia natural” e “ciência final ou filosofia moral”. O diagrama de Comte é como se segue:

HIERARQUIA DAS CONCEPÇÕES HUMANAS
OU QUADRO SINTÉTICO DA ORDEM UNIVERSAL
SEGUNDO UMA ESCALA ENCICLOPÉDICA DE CINCO OU SETE GRAUS

FILOSOFIA POSITIVISTA, ou conhecimento sistemático da HUMANIDADE


Divisão Dogmática:
1. Estudo da Terra ou Cosmologia:
1.1.Abstrata ou Estudo fundamental da existência (Matemática - primeiro numérica, depois geométrica e enfim mecânica)
1.2.Concreta ou Estudo direto da ordem material (Física: a) celeste ou Astronomia, b) geral ou Física (propriamente dita), c)especial ou Química.

2. Estudo do Homem ou Sociologia:
2.1.Preliminar ou Estudo Geral da Ordem Vital: Biologia
2.2.Final ou Estudo Direto da Ordem Humana: a) Coletiva: Sociologia (propriamente dita), b) Individual: moral

Divisão Histórica
1. Ciência Preliminar ou Filosofia Natural (Ordem exterior):
I. Matemática
II. Física:
II.a. Astronomia
II.b. Física
II.c. Química

2. Ciência Final ou Filosofia Moral:
III. Biologia
IV. Sociologia
V. Moral

A parábola exposta por Quincas Borba do “Ao Vencedor às batatas” corresponde, ao nosso ver, aos princípios dogmáticos, assim o âmbito do “Estudo da Terra ou Cosmologia” justificaria a questão assimétrica entre recursos (batatas) e sociais, ao passo que o “Estudo do Homem ou Sociologia” justificaria a necessidade da guerra entre as tribos. Do outro lado, a “Divisão Histórica” do quadro corresponde à fala de Quincas no capítulo “Humanitismo” do Brás Cubas. Nela o âmbito da “Ciência Preliminar ou Filosofia Natural” é o que justifica as relações de causa e conseqüência entre o frango, o escravo africano e a construção do navio, o fim de tudo, que é o fato do filósofo poder degustar a asa do frango “filosoficamente” corresponde ao âmbito da “Ciência Final ou Filosofia Moral”.
Antes de Comte podemos encontrar outros pensadores que apresentavam uma visão da História em princípios deterministas, por exemplo, Giambattista Vico em sua “Ciência Nova” propunha que a História da humanidade estaria determinada por idades ou ciclos que no seu conjunto teriam uma relação circular, isto é, que ao cabo da última idade se voltaria ao princípio. Para Vico as idades eram nomeadas de idade divina, idade heróica e idade humana que terminaria com uma espécie de fase apocalíptica para chegarmos ao retorno do ciclo.
No caso de Quincas Borba o que temos não é uma visão cíclica da História, antes e pelo contrário, existe a idéia de um contínuo suceder de ações que, no entanto, não tendem a um retorno. O que passou será lembrado pelos vencedores, a memória dos vencidos estará na fala dos vencedores, pelo ponto de vista destes.
Marx, por sua vez, apresenta-nos uma visão da História fundada num contínuo evolutivo entre as capacidades produtivas e as necessidades do homem na sociedade. Nesse caso, a guerra teria que ser suplantada num estágio posterior, já que a tribo vencedora teria que aprender com o ocorrido no outro lado da montanha, e buscar formas de não mais ter como determinante para sua conduta a escassez de alimentos, mas uma forma produtiva de dispor a todos os seus membros as batatas, ainda que surjam outras tribos. Porém, para atingir esse estágio a tribo teria que passar por algo semelhantes às idades viquianas: da fase feudal (em que se encontra na parábola de Quincas), à fase capitalista (que justifica a guerra), par chegar à fase socialista. Nesse sentido, essa evolução social do conhecimento é dialética, uma vez que o estágio seguinte é sempre superior ao inicial, dando-nos a idéia de uma espiral.
Assim em Vico temos o círculo (a serpente que morde a própria cauda) em Marx, a espiral (como signo da passagem para um estágio mais desenvolvido), mas ambas não servem para representar o pensamento de Quincas Borba. Em Quincas, o que temos é um contínuo devir controlado pelos condicionantes dogmáticos. As condições iniciais são as mesmas do fim, mas isso não é representativo de um ciclo, uma vez que a ação do homem vai numa linearidade interminável, não evolutiva socialmente, mas apenas cumulativa. Assim, depois da primeira montanha, pode surgir outra tribo e a necessidade de se guerrear volta e ao vencedor restará passar por uma próxima montanha em busca de mais batatas, assim, continuamente. Desse modo a História não existe a não ser como estrutura análoga dessa linearidade, por isso, é possível representar seus princípios por uma parábola em que o tempo é suspenso e o espaço indefinido. O passado tribal pré-histórico serve de exemplo para a sociedade do século XIX de Brás Cubas, Rubião e Quincas, uma vez que existem princípios dogmáticos inalteráveis na condição humana.
Com isso, entendemos que a figura que melhor representa a teoria do Humanitismo em oposição ao ciclo viquiano e à espiral dialética marxista é o friso.
O que é o friso? Friso (do veneziano friso) é, em arquitetura, a parte plana do entablamento, entre a cornija e a arquitrave. No sentido comum, é uma faixa para divisão ou ornamentação de uma superfície de parede, geralmente na parte superior. O Friso assim é horizontal, contínuo, linear. Os desenhos dos frisos assumem diversas formas através da história da arquitetura. Porém, é clássico o desenho do Partenon. As 92 métopas do friso exterior representam a luta dos Centauros com os Lápitas, a Gigantomaquia, o Amazonomaquia e outros combates; o pedimento do lado nascente, o nascimento de Atena, e o do lado poente, a luta entre a deusa e Poseidon, pela posse da cidade; o friso exterior, o procissão das Panateneias, com os deuses a observá-la. Assim, a linearidade dos acontecimentos do friso misturam história e mito, num tempo contínuo.
Os frisos são padrões em que existem apenas translações de simetria numa direção, sendo freqüentes em obras de arte, arquitetura, tecidos, azulejos e artesanato. Aqui, justamente a ironia do friso para representar o Humanitismo, a simetria existe como superestrutura: “Humanitas é o princípio. Há nas coisas todas certa substância recôndita e idêntica, um princípio único, universal, eterno, comum, indivisível e indestrutível”. Do Humanitas para Humanitas, simetricamente, mas não circularmente, é a noção da permanência das coisas, do equilíbrio contínuo na estrutura do Universo, mas do desequilíbrio nas ações particulares.

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No friso elementar reproduzido acima, baseado no friso do estilo ático, existe uma contínua inversão simétrica entre os lados, como se a cada “montanha” sucedesse um “vale”. Em termos matemáticos e rítmicos, um friso pode ser representado por uma função algébrica. No caso do friso acima, ele está baseado num princípio de isometria em que a translação reproduz a figura A numa posição X invertida numa posição Y, sendo assim a figura B.
Assim, enquanto o círculo nos propõe a noção de um retorno, de uma cadeia contínua em que sempre se volta ao início, não havendo de fato progresso ou evolução, na espiral está implícita a idéia da dialética, em que ao concluir uma volta se encontra não mais no ponto de início, mas um grau acima. A espiral foi objeto de estudo dos alquimistas, dos artistas do barroco e também do maneirismo, em que viam nela uma das representações mais elegantes da aplicação do número de ouro. Já o Friso é a continuidade repetitiva, não há modificação do panorama rítmico inicial, a célula rítmica se repete indefinidamente, porém não existe a noção de retorno ao ponto de partida, pois de fato, no sentido evolutivo, nem existiu a partida, cada acontecimento apenas repete o precedente ad infinitum. Assim, o Humanitismo, enquanto filosofia garante a existência de um princípio fundamental, o Humanitas, ad infinitum. Desse modo, a História em Humanitas é apenas cumulativa e diacrônica, cada momento presente tem com o passado uma relação de causa e conseqüência unívoca, daí Quincas dizer que ao saborear a asa do frango estava na ponta de uma série de acontecimentos históricos, cujo fim mesmo era a ação de degustar o frango. O passado serve apenas para mitificação dos feitos heróicos dos vencedores, e o homem, mesmo tendo consciência filosófica do processo, nada pode contra o fluxo contínuo do tempo na História.









Jayro Luna
Enviado por Jayro Luna em 06/04/2006
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