Chuvas de solidariedade
É, infelizmente, parece que mais uma vez Deus não foi legal com a gente. Desde 1997, não vejo tanta água em minha frente. É tanta água que duvido que o inferno teria alguma chance de permanecer aceso. Mas também não fizemos por onde: acabamos com os rios, asfaltamos o solo, arrancamos as árvores e gozamos com a miséria alheia daqueles que fazem casas nos morros em busca de moradia.
Em um belo dia que deixa de ser sol, São Pedro acerta as contas e manda a chuva. Primeiro em pedras, depois em gotas. Os belos rios se transformam, a natureza, outrora mansa, quieta e dominada, grita pelo espaço e lá vai água para todos os cantos. E tarda as conseqüências, como a contagem de vítimas, o choro das crianças, dos idosos, as casas caídas, os animais de estimação sumidos e deprimidos e as doenças oportunistas sem fim. Uma lástima.
Em Brumadinho, o belo Rio Paraopeba virou mar. Amigos e amigas ficaram ilhados. “A ponte sumiu”, disse um aluno. “Fiquei ilhado”, sussurrou outro. “O mar abriu”, brincou um último. Pensei neles e em todos aqueles que estão passando pelos mesmos problemas, inclusive, problemas mais graves. Não sabemos, na verdade, como e quando as chuvas vão parar, porque há tempos já não mais acredito nesses cientistas que teimam em falar que a chuva vai diminuir amanhã ou depois. Fazer o que: o negócio talvez é acreditar que as coisas vão sempre melhorar.
Todavia, penso que algo parece sempre dar resultados nestes momentos: a solidariedade. O montante de chuva não pode ter vindo em vão. Há tempos as pessoas andam para lá e para cá sem saber o que fazer em prol do outro. Está aí a oportunidade. Vamos ajudar. Em tais acontecimentos, parece que Deus nos permite exercer o que de melhor Ele nos deu: a capacidade de mostrar e levar a efeito as relações de compaixão. Não estou falando em sentimento de pena ou piedade. Pelo contrário, compaixão é o ato, o sentimento e a capacidade que podemos nutrir em sofrer com o outro. Vou além, é a capacidade que temos de perceber nossa finitude, vulnerabilidade e simplicidade em um mundo no qual temos é que dar as mãos ao outro, ao diferente, ao estrangeiro, ao ilhado, ao molhado e ao seco. Estamos no mesmo barco de uma vida que, por vezes, penso estar à deriva. E se eu estiver certo creio que não devemos poupar esforços. Primeiro, porque podemos ser a próxima vítima e, em segundo - e mais importante-, porque ganha mais aquele que ajuda.
Neste tempo de chuva e de reconstrução dos caminhos que ela destruiu, ou abriu, nada como apostar nos valores da solidariedade. É tempo de ajudar ao outro e dar uma chance para a capacidade de ser humano. Guardemos a água potável, vamos distribuir o leite que sobrou ou dividi-lo com quem necessita, saia de casa e ajude a limpar a calçada, deixe o vizinho usar o telefone, junte o lixo, ache o colchão que ninguém usa e dê ao outro, faça o mesmo com os cobertores. Junte remédios, doe vassouras, panelas, copos e colheres. Brinque com as crianças, telefone para quem tem mais e peça ajuda (sem medo ou vergonha) àqueles que podem, possuem mais e estão dispostos a ajudar. Dê uma chance para aqueles que desejam participar do grande mutirão que é a vida e pratique a humildade em receber o auxílio. Creio que esta é a melhor mensagem de fim de ano para todos que, de alguma maneira, estão sofrendo com as tristes e fortes lágrimas de Deus.
No abaixar das águas, que todos possamos novamente olhar para frente, sem medo da próxima chuva ou dos pingos suaves dos olhos do Senhor. Que não fique a chama do "favor" e da "dívida", mas do entendimento, do amor, da solidariedade àqueles que precisaram e podem ainda precisar. Que possamos com a calamidade, com a reação inesperada da natureza, fazer florescer a compaixão e dar ao outro o que ele realmente precisa: segurança e paz.