A educação é paradoxal: aprisiona e liberta
Nas últimas andanças pela minha terra natal tive a grata satisfação de deparar-me com Dona Mariquinha após exatos vinte e dois anos. Eu estou escrevendo e você estará lendo esse artigo graças a Dona Mariquinha. Ela faz parte de um seleto grupo de meus ex-professores libertadores dos quais fazem parte Silvério Alves, Iva Korb, Osias Dantas, Irmã Diva e tantos outros. Mas, afinal quem é Dona Mariquinha? Dentro de uma análise superficial eu a conceituaria como uma professora de língua portuguesa, potiguar, de estatura baixa, de voz serena, corpo delgado e, como a grande maioria dos professores experientes, usa lentes sobre os seus olhos cansados pelas inúmeras noites debruçadas sobre livros, provas e planos de aulas, entretanto, Dona Mariquinha não se resume a esta definição tão simplória.
Poucos professores contribuíram tanto para a minha permanência na escola e para a verdadeira aquisição de conhecimentos o quanto fez aquela educadora de jeito simples. A grande diferença era que numa época em que poucos professores conheciam a teoria das inteligências Múltiplas de Gardner, Dona Mariquinha já descobria as habilidades de seus alunos e os incentivava a aprimorá-las muitas vezes investindo os seus próprios recursos para que os mesmos não desacreditassem nos seus sonhos e potencialidades. Por ela fui incentivado a escrever e a publicar os primeiros textos. Hoje, isso parece não ter muita importância, mas foi imprescindível para que os meus escritos pudessem chegar aos atuais milhares de leitores do Amapá e de outros estados brasileiros através dos jornais e da internet.
É muito provável que há mais de duas décadas os processos de trabalhos fossem analógicos e não tivesse o controle sobre a atividade do seu papel, bem como do seu produto. Consequentemente, as decisões sobre o que, como, para que e para quem fazer, seriam na maioria das vezes tomadas por um pequeno grupo dentro da organização hierárquica tal como se estabelece ainda na nossa sociedade, mas Dona Mariquinha e os educadores supracitados não se resumiam a meros executores de tarefas pensadas por outros, ela fazia a diferença e esse mesmo comportamento era assimilado pelos seus alunos.
Depois de tanto tempo não perdi a oportunidade de confessar a contribuição que Dona Mariquinha deu para a minha vida. A sua prática pedagógica é repetida nas salas de aulas onde atuo como professor, fato este que a deixou profundamente emocionada e segundo ela, ainda mais motivada a continuar o seu trabalho. Há coisas na vida que não tem preço nem forma de pagamento. O que a minha ex-professora fez por este humilde professor e escritor é impossível ser mensurada. O mínimo que posso fazer é reconhecer a contribuição e levar adiante as suas idéias e atitudes.
De acordo com a professora Renata Zanette, ninguém escapa da educação. Ela é condição necessária para a vida humana. Mas a educação é paradoxal: ao mesmo tempo que é instrumento de controle social, ela contribui para a modificação das condições existentes; ao mesmo tempo que oprime, liberta. No meu caso a educação foi a libertação e salvação, sem ela é muito provável que eu fosse condenado à pobreza, aos trabalhos braçais e a falta de criticidade. Grande parte desse processo de libertação devo aos meus professores, especialmente aos já denominados.
Soube que na próxima sexta-feira Dona Mariquinha estará participando de um projeto escolar na Escola Mauricío Freire, em São Paulo do Potengi-RN, para o qual fui convidado. Lá também estará presente Silvério Alves, um dos baluartes da comunicação regional e grande colaborador das minhas primeiras publicações. Se meu coração superar, prometo que estarei revelando os detalhes desse encontro nas próximas edições.
*IVAN LOPES é professor, pedagogo, acadêmico de Letras e membro da Academia Laranjalense de Letras.
E-mail: f.lopes.vj@bol.com.br