Professor: animador de capacidades ou serial killer estudantil?*

O pai da aluna pergunta: “Professor, como você analisa o que aconteceu com a turma escolar de que minha filha fez parte este ano, na qual estudavam 40 alunos, dos quais apenas 14 foram aprovados? Detalhe: à turma o professor sempre dizia que com ele só uns poucos passam de ano, razão pela qual ele é tido como o carrasco do curso freqüentado pela minha filha.”

Acredito que esse pai me provoca para saber o que penso a respeito de um trabalho docente que não vê a saudável ignorância (o não saber) estudantil como sua justificativa vital, o que pode se justificar com base na seguinte pergunta: se não existem os que não sabem, por que e para que devem existir professores?

O problema parece o seguinte: a saudável ignorância estudantil foi tratada a contento? Se os estudantes tudo fizeram ao longo do ano sob a coordenação do professor, o qual deixou o não saber dos alunos incólume até o resultado final, há, realmente, algo intrigante na situação. Se, por outro lado, os estudantes nada realizaram em termos de produção escolar para merecerem a aprovação, o caso permanece complicado – complicação, que, aliás, respinga na escola e no sistema de ensino.

Tenho visto muito trabalho docente por aí que em lugar de fazer do não saber discente o motivo para o desenvolvimento do estudante, termina por adotar uma postura despótica na transmissão de conhecimentos, o que nada mais é do que a afirmação, e até o aprofundamento, da ignorância estudantil – saudável, como foi dito, mas que, neste novo prisma, torna-se negativa. É como Sócrates, que indagava para evidenciar ignorâncias, mas que, quando muito, apenas denunciava a ausência do verdadeiro saber, e não conduzia o aprendiz àquilo que ele dizia ser o conhecimento verdadeiro. Esse não me parece o melhor caminho para o trabalho docente. Só quando o professor vence a ignorância daquele que não sabe ele pode dizer que obteve êxito em seu quefazer – claro, isso em condições saudáveis de funcionamento das relações didático-pedagógicas.

Pergunto: caro leitor, como você avaliaria um médico que tivesse 40 pacientes sob seus cuidados, dos quais 26 fossem a óbito? Achou absurdo? Eu também acho. Então, por que um professor que reprova a maioria de seus alunos tem que ser tolerado por estudantes, pais, responsáveis e, o mais grave, pela escola e pelo sistema de ensino, sem receber um só questionamento sobre seus métodos de trabalho?

Ao pensar sobre essa situação, veio-me à lembrança a Máxima do Educador, de autoria de Tugendhat, a qual está no livro Lições sobre ética (Petrópolis: Vozes, 1997): “A máxima mais importante para todos que têm a ver com a educação e a formação de seres humanos, sendo aqui indiferente em que nível isso ocorre, é que os animem em sua capacidade. Por isso, reconhecer alguém em seu valor moral sempre implica reconhecê-lo em sua auto-estima, ou ao menos em sua necessidade de auto-estima”.

Na esteira dessa máxima, pergunto: um professor que mais reprova do que aprova – e não estou dizendo que a aprovação tem de ser feita de qualquer jeito – está tomando o lugar de um animador de capacidade ou a postura de um serial killer estudantil (assassino em série), que mata o valor moral do aluno, a auto-estima do aprendiz?

Tomara tenhamos a coragem de fazer, cotidianamente, essa discussão!

_____

*Artigo publicado no jornal goiano Diário da Manhã dia 19/12/2008, p. 18.