A intelectualidade outrora combativa, hoje cooptada

por Milton Temer

Desta crise financeira, produto da ação predatória do capital especulativo, no Brasil e no mundo, algumas questões merecem aflorar, para além das questões contábeis.

De pronto, o fim de uma falácia. O Brasil possui, sim, recursos para o cumprimento de metas concretas, estruturais, nas políticas públicas essenciais – as políticas para as áreas de saúde, educação, habitação, transporte de massas. Estão aí os borbotões diários de recursos contábeis que despejam bilhões e bilhões do erário nos mesmos bolsos de sempre: os portadores dos grandes capitais privados. O que não existe, portanto, é prioridade política. Entre a sociedade que produz e os banqueiros que especulam, ou os mineradores e agronegocistas que se locupletam nas ações predatórias, o governo não vacila. Primeiro, aos poderosos. Para os demais, o que restar.

O chamado cidadão comum deveria se abismar, mas a anomia prevalece. Afinal, onde estão os lucros pantagruélicos que os banqueiros anunciam a cada seis meses por conta da escandalosa política de juros? Ora, se tais lucros nunca escaparam aos acionistas dessas instituições no momento de vacas gordas, por que cabe à cidadania como um todo dar-lhes cobertura quando o cinto aperta?

Mas há que compreender a anomia do cidadão comum. Tendo em vista o bombardeio ideológico dos grandes meios de comunicação patrocinados exatamente por esse grande capital, ele tem poucos instrumentos para se contrapor ao processo intenso de alienação que lhe é inculcado cada vez que abre um jornal ou se conecta nos informativos de televisão. Termina fácil convencê-lo que defender o sistema financeiro está na ordem natural da governabilidade. Seria algo fundamental para sua própria sobrevivência existencial. Se os banqueiros quebram, quem garantirá que sua empresa continuará a empregá-lo? Não atenta para o fato de estar no imposto que paga na compra do pão de cada dia o suporte que o governo transfere aos que nunca perdem nessa ordem social perversa. Nessa ordem social hegemonizada pelo grande capital.

O que não nos permite compreensão é o comportamento patético da respeitável intelectualidade, outrora ligada à oposição radical ao mandarinato tucano-pefelista que nos assolou nos trágicos oito anos de FHC presidente. Afinal de contas, está aí um segmento muito menos vulnerável ao engodo midiático. Um segmento informado, que tem ferramentas para compreender a essência da política macroeconômica do governo. Por que banca a tríade de macacos que não vê, não ouve e não fala?

Há duas explicações óbvias. A primeira é simples reprodução do que já havia ocorrido com segmento similar, ligado ao antigo e saudoso Partidão, que se vendeu ideologicamente ao neoliberalismo. Aproveitaram a queda do Muro para se aboletar nas vantagens da privatização, em nome de um suposto combate ao "autoritarismo do Estado". A outra é mais perigosa porque bem mais sinuosa. É a posta em prática pelos porta-vozes da defesa de pontos positivos do governo Lula e da necessidade de fazer o combate "por dentro". Que classifica como sectários todos aqueles que abandonaram o lulismo e seu petismo acessório exatamente porque se mantiveram fiéis aos conceitos programáticos das lutas que levaram Lula ao Planalto. Pode terminar tão nociva quanto a que a precedeu, por conta da sofisticação de sua guinada pragmática. Da cobertura teórica à falsa idéia de que o governo Lula não poderia agir de outra forma. À falsa idéia de que, pelo assistencialismo dos chamados programas sociais, há uma compensação às concessões feitas ao sistema financeiro, aos banqueiros e predadores instalados nos privilégios do grande capital. À falsa idéia de que os governos progressistas da América Latina só sobrevivem por conta da "solidariedade" da política externa brasileira.

Não fazem contas, nem atentam para os fatos da realidade. Não fazem contas para não constatar que o que o governo despende com o Bolsa-Família, durante um ano, com reais resultados nas vidas das cerca de 11 milhões de famílias mais miseráveis, corresponde a menos da metade dos lucros dos dois maiores bancos privados brasileiros – Itaú e Bradesco – em nove meses.

E não atentam para os fatos, a considerar a leitura dos jornais das semanas recentes. Não procuram averiguar por que uma diplomacia "progressista" no continente foi sempre tão bem vista pela agressiva política imperialista do governo Bush.

É de se desejar que, depois que o insuspeito Elio Gaspari confirma em seu artigo "A perigosa diplomacia das empreiteiras", de 26 de novembro, tudo aquilo que a equipe de auditoria da dívida no Equador tinha concluído a respeito das ilegalidades dos contratos com a Odebrecht, esses apóstolos do neolulismo despertem (admitindo-se suas boas intenções na adesão à guinada).

É de se desejar, principalmente, que, depois da assinatura da resolução concernente ao último encontro do G 20, onde, certamente por imposição de Bush, se faz uma ode ao livre mercado (por incrível que pareça; em reunião na qual se pretendia discutir repercussões da crise gerada pela essência predadora do livre mercado), ninguém mais ressurja com a idéia de que o governo Lula tem política econômica progressista.

Milton Temer é jornalista e presidente da Fundação Lauro Campos.

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Carlos Henrique Marques
Enviado por Carlos Henrique Marques em 11/12/2008
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