09h15min do dia 13 de Dezembro de 1968 – Brasília – DF, os militares que governavam o Brasil publicaram o AI-5, Ato Institucional nº 5, redigido pelo General Presidente Artur da Costa e Silva, reduzindo ao nada os direitos civis e a liberdade de todos os brasileiros; começava naquele dia um capítulo da história recente que jamais os que viveram intensamente aquela época esquecerão; começava a mais sangrenta e humilhante parte da história do Brasil que até hoje poucos livros e autores se ousaram a escrever.
O Ai-5 fechou o Congresso por quase um ano e deu plenos poderes aos militares para fazerem o que bem quisessem; era uma espécie de salvo-conduto para eles matarem, roubarem, estuprarem e torturarem qualquer pessoa ou empresa, brasileira ou não.
Vários brasileiros foram perseguidos, cassados, presos, exilados e a censura de quase tudo que era público se tornavam uma rotina para os intelectuais; durante o episódio funesto os déspotas de Verde Oliva censuraram mais de 500 músicas, mais de 500 filmes, quase 500 peças teatrais, 200 livros, 150 revistas e até sinopses de novelas e comerciais de rádio e televisão foram duramente censurados pelas Forças Aramadas. A tal de “SEGURANÇA NACIONAL” era a prioridade nas cabeças vazias daqueles que depuseram um Presidente eleito e que depois disso, através das balas e dos fuzis, comandaram o Brasil até 1985.
A instituição do AI-5 foi uma resposta a famosa “PASSEATA DOS 100 MIL”; ato público organizado por jornalistas, escritores, articulistas, artistas plásticos, estudantes, médicos, advogados, político, enfim, um ato de protesto ocorrido no Rio de Janeiro que levou mais de 100 mil pessoas para as ruas cariocas para pedirem menos violência e participação popular nas decisões brasileiras, ou seja, A VOLTA DA DEMOCRACIA. Segundo relatos dos próprios militares da época, o AI-5 também se deu em resposta ao discurso inflamado do Deputado Moreira Alves que pregou o boicote popular no tradicional desfile cívico de 7 de Setembro; os militares pediram a cassação do deputado e no dia 12 de dezembro de 1968 o pedido foi rejeitado pela Câmara dos Deputados, então, na manhã seguinte, dia 13 de dezembro, o Governo do Brasil baixa o ato e coloca o CONGRESSO em RECESSO POR TEMPO ILIMITADO.
Os militares passaram a utilizar por meio da força os veículos de comunicação de massa como televisões, jornais e rádios para mascarar as torturas, as mortes e as outras atrocidades ocorridas dentro e fora dos porões das delegacias e quartéis de todo país; falava-se em “MILAGRE ECONÔMICO” e de um Brasil industrializado em franco crescimento e esta idéia aziaga era difundida como forma de amenizar o sofrimento dos ignorantes políticos; a dívida externa do Brasil alcançava a marca histórica de 10 bilhões de dólares na época, mas isso ninguém divulgava e poucos sabiam que o tal milagre econômico era financiado com o dinheiro de outros países que apoiaram o Golpe Militar.
Para que a idéia libertária e revolucionária que se alastrava pelo mundo não se fixasse no Brasil o Governo Militar fez a campanha que tinha como slogan: “BRASIL, AME-O OU DEIXE-O”. Nesta mesma época surgiram diversos grupos com idéias revolucionárias, alguns inspirados no socialismo da União Soviética e outros no idealismo próprio de ver o Brasil livre das garras militares; fossem pelo bem, fosse ao revide das armas. Um destes grupos foi o MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro), que tinha como membro o Deputado Fernando Gabeira, eles seqüestraram o Embaixador dos Estados Unidos no Brasil Charles Elbrick, para sensibilizar os militares a libertarem os presos políticos, também exigiram que fosse lida um manifesto deles em rede nacional denunciando as torturas e mortes. Outros grupos armados e muito bem organizados também lutaram contra os militares, os mais famosos foram o VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) e ALN (Aliança de Libertadora Nacional).
Nomes como Zuzu Angel, Capitão Lamarca, Carlos Marighela e Wladimir Herzog foram alguns que morreram por meio de torturas nos quartéis militares; outros como Ulisses Guimarães e Teotônio Villela, enfrentaram os militares denunciando-os do modo que podiam; a pressão popular voltava a ganhar adeptos e o silêncio e o medo passaram a dar lugar à explosão das vozes de todos que não estivessem no poder ou mamando de seu leite; a partir de 1975, os militares brasileiros passaram a adotar métodos menos cruéis e as torturas eram vigiadas de perto por muita gente importante, tanto daqui, quanto de fora. Mas antes disso, precisávamos anular o AI-5 e isso ocorreu em 1978 ainda no Governo do Gal. Geisel.
Em 1979, com a eleição indireta do General João Baptista de Oliveira Figueiredo e a queda de um dos grandes mentores das mortes e torturas, o General Golbery do Couto e Silva, começava o processo de abertura política e anistia dos exilados no exterior. Depois de criada a Lei da Anistia e somente depois disso, timidamente, os intelectuais brasileiros puderam voltar e produzir suas peças. Dos tantos ilustres brasileiros que foram presos e exilados, apenas dois não puderam voltar a sua terra mãe vivos; o Ex- Presidente João Goulart, derrubado em 1964, após um comício que anunciou reformas estruturais para o país e José Castro que presidiu a FAO (organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação); ambos morreram no exílio, depressivos e com muita saudade do Brasil.
Este episódio catastrófico que vitimou milhares de brasileiros inocentes ficou conhecido como “OS ANOS DE CHUMBO” e durou de 1964 até 1985, 21 anos a fio com gente vestida de Verde Oliva ocupando o posto mais alto do comando brasileiro; gente que fez do Palácio do Planalto em Brasília um apêndice de seus quartéis imundos e de lá, deram comando para matarem sem piedade e torturarem quem se pusesse em seus caminhos, fosse rico, pobre, branco, preto, padre ou evangélico; fosse intelectual ou analfabeto, não importava a alcunha, se falasse mal do regime, morria ou era duramente torturado. Muitos destes que se aliaram aos militares ainda estão no Poder até hoje; deputados, ministros, juízes, prefeitos e governadores, que sempre vestiram a camisa Verde Oliva ou que faziam uso dos mesmos discursos, embora menos atrozes do que naquela época, ainda conseguiram sobreviver ao esquecimento do pobre povo brasileiro para ocuparem postos importantes da administração, do Legislativo e do Judiciário.
Mesmo depois de o Governo ter “aceitado” a anistia, em 1981 uma bomba explodiu no Rio Centro, durante um evento com 20 mil pessoas presentes; a tal bomba explodiu no colo de um militar técnico em explosivos que acompanhava outro. Somente em 1982 o povo conseguiu eleger Governadores e Senadores contrários ao regime; dava-se início a famosa maratona para podermos eleger o primeiro Presidente por meio direto, o voto. Tal campanha recebeu o nome de “Diretas Já”. Milhares de pessoas se movimentaram nas ruas para pedirem eleições para Presidente e mesmo assim, os noticiários, uns com medo e outros vendidos aos militares, ignoraram muitos destes movimentos, deixando de cobri-los para que o resto do Brasil não soubesse.
Políticos aliados dos militares fizeram um vasto movimento para que o Congresso não aprovasse as Diretas; utilizaram mais uma vez do medo e das parábolas militares e o resultado foi: NÃO! Ainda não teríamos nossa primeira eleição direta para Presidente; 298 votos disseram SIM e foi maioria absoluta, mas as regras do Congresso apontaram falta de 22 votos para a aprovação. Em 1985, Tancredo Neves foi eleito PRESIDENTE INDIRETO, ou seja, ele foi eleito por um colégio eleitoral similar aos Estados Unidos, mas sem nenhuma participação popular, e não assumiu; como todos sabem, ele morreu dias antes de ser diplomado e quem assumiu em seu lugar foi José Sarney, Ex-Presidente do partido dos generais, a Arena e ficou 5 anos no poder.
Em 1986 começava a mudança de fato, o povo elegeu a Assembléia Nacional Constituinte; os deputados e senadores que fariam a nova Constituição Federal, que só seria promulgada em 1988, 20 anos após o Golpe Militar. Após a constituinte, enfim teríamos nossa primeira eleição para Presidente pós regime militar; a ultima eleição antes de 1989 acontecera em 1960, 29 anos atrás. Fernando Collor de Mello foi o eleito, e este, caiu em 1992.
Alguns dos ideais daquele manifesto lido em 1969 após o seqüestro do embaixador americano ainda permanecem vivos: “assegurar a liberdade em qualquer terreno, do campo político, ao campo cultural e religioso” e “dotar a nação de justiça social, onde cada cidadão tenha direito e deveres igualmente amplos, inclusive o amplo direito de defesa e a liberdade de expressão”. A vitória sempre foi de quem nunca duvidou dela!
Eu que vivi quase nada desta época, tive o privilégio de conhecer e de me reunir com pessoas exiladas, presas e torturadas durante o regime militar; gente que deu parte de suas vidas pelo ideal mais nobre que uma nação pode ter; a democracia. Nos anos de militância estudantil e pequena participação na política partidária, tive a honra de conhecer Chico Pinto (in memorian), Colbert Martins (in memorian), Waldir Pires (exilado), Sinval Galeão (preso e torturado barbaramente); ou ainda de ter vivido bons dias na Residência Estudantil Borges da Costa da UFMG e ter convivido com os ases intelectuais da época a exemplo do Professor de Direito Penal Antonio José Miguel Feu Rosa (in memorian), dedico este texto a todos os que deram suas vidas ao ideal libertário brasileiro, os que contribuíram para o que hoje chamamos de abertura política; 40 anos depois, jamais poderemos permitir que dias como aqueles voltem a rondar nossos sonos, pois somente quem viveu aquilo sabe o quanto foi dolorido e atroz.
Sei que existem milhares de pessoas que praguejam o retorno dos militares ao Poder; tais pessoas jamais souberam ou quiseram saber de como é ruim ser CENSURADO, torturado, estuprado, roubado; tais pessoas jamais souberam como a honra e a dignidade de um povo foram ceifadas de modo tão covarde e humilhante. Afirmar hoje que os ANOS DE CHUMBO foram melhores do que chama de “anarquia” do Governo Lula, eu posso afirmar, como sendo contrario a turma do PT que se instalou no Planalto, que mesmo após tantos desmandos e descasos, ainda assim, é melhor termos a DEMOCRACIA como aliada, por podermos tirá-lo através do voto, do que termos que engolir fezes, calados, e ainda termos que dizer que é o manjar dos deuses.
Aquele ano de 1968 ainda não terminou; 40 anos depois, o que ainda falta de fato é afastarmos de vez as mazelas oriundas do militarismo retrogrado do passado e alicerçarmos de vez o regime pleno democrático; dores e sorrisos precisam ser rotulados e escritos pela vontade da maioria; jamais pela força, medo e balas de chumbo. É preciso que todos saibam que desde 1968, centenas de pessoas torturadas não voltaram para suas casas, suas famílias já perderam qualquer esperança de um dia voltar vê-los, vivos ou mortos; muitas destas pessoas sequer tinham ligação com a “revolução”, mas devido às torturas sobranceiras, eram mortas para que não passassem aos amigos o fracasso das missões das Forças Armadas. Este era o REGIME!
Carlos Henrique Mascarenhas Pires
www.irregular.com.br
CURIOSIDADES:
1) MR-8 tinha este nome por causa da data de captura pela CIA do guerrilheiro argentino na Bolívia, Ernesto Che Guevara.
2) Estiveram além de Gabeira e do Capitão Lamarca, no MR-8, personalidades muito conhecidas de hoje, como: Jornalista Franklin Martins (ex-Globo e atual Porta Voz do Presidente Lula).
3) O Grupo ALN participou de dois seqüestros de autoridades no Brasil, uma delas foi o Embaixador alemão EHREFRIED VON HOLLEBEN.
4) Gilberto Gil compôs “Aquele Abraço” depois de ter “passeado” numa mala de camburão por vários pontos do Rio de Janeiro como preso político; ele pensava que ia ser torturado e morto.
5) Caetano Veloso, o ex-ministro José Dirceu, a Ministra Dilma Housself, o cartunista Henfil e seu irmão Betinho foram alguns dos muitos exilados na época da ditadura.
6) O cearense Armando Falcão, Ministro da Justiça entre 74 e 79, foi um dos mais covardes personagens da história do Brasil, uma espécie de Hitler latino. Foi ele quem sancionou a Lei de Segurança Nacional.
7) Jarbas Passarinho, jurista e militar acreano, que foi ministro dos militares e ministro da Justiça do Governo Collor.
8) José Bernardes Cabral também fez jogo duplo; foi esquerda e após o Golpe de 64, aliou-se com os militares; também foi ministro da Justiça de Collor.
9) DITADURA, pela alta acepção da palavra, é o regime político onde o governante ou grupo de governantes NÃO RESPONDEM AS LEIS ou não têm legitimidade conferida pela escolha popular. O oposto de ditadura, pelos dicionários é DEMOCRACIA.
10) O regime de Hitler na Alemanha era uma DITADURA.