VALORANDO A CHUVA
Sempre gostei de chuva. Sempre. Tanto, que às vezes, quando chove, faço questão de não correr ou fugir, mas andar devagar e olhar para cima a fim de que as gotas caiam diretamente em meu rosto. Num dia quente, uma tarde com chuva é algo refrescante. O cheiro da terra molhada, as gotas escorrendo pelas folhas das árvores, as enxurradas que formam verdadeiros rios e vão rachando a terra por onde passa. A mim o cair da chuva em todos os seus nuances é um espetáculo. Sempre fico sorrindo quando ela está próxima. É uma manifestação da natureza que podemos tatear, provar, cheirar, ouvir, enxergar, talvez por estimular tantos sentidos a ligação com a chuva seja em mim tão forte.
Além do envolvimento romântico, não podemos deixar de mencionar a utilidade das gotas celestiais. Não dependemos em grande escala das águas da chuva? Não é ela que rega nossas plantações e enche os reservatórios d’água para bebermos? Se a falta de chuva nos prejudica, o contrário também é verdade. Chover em demasia pode prejudicar muito o homem. Esperamos, ingenuamente, que a natureza nos proporcione suas benesses na forma como necessitamos, nem mais nem menos, mais na medida certa, como na história de Cachinhos Dourados.
Será que a natureza, por ela mesma, age para bem ou mal dos homens? Será que esta tem alguma orientação quando se expressa através de seus fenômenos? E se ela possuir essa pretensa racionalidade, que o homem tanto espera, será que trabalhará para as expectativas deste? Há uma finalidade para a natureza que não seja puramente esperança humana?
Não gosto quando as pessoas começam a atribuir valores a eventos naturais. Se estiver chovendo o tempo está ruim, se está frio o tempo não está bom, se faz muito calor também há reclamações e atribuições de qualidades e moralidades ao tempo. Quanta bobagem e pretensão! Por que a natureza trabalharia por nós? Somente o ser humano para pensar, com sua pequena razão, que esta existe para ele. Mais uma das bobagens escritas no Gênesis. A terra foi criada para nós?
Se esta foi criada para nós, por que acontecem tragédias naturais em que milhares de pessoas morrem ou ficam feridas e desabrigadas. Será que o projeto divino falhou? Ou Deus já está aposentado a muito tempo e deixou a natureza por si. Esta caprichosa resolveu nos castigar mandando enchentes, terremotos, furacões, etc... E nós nos vingamos poluindo, desmatando, explorando, caçando e exaurindo todos os recursos que a natureza nos proporciona gentilmente.
A chuva é boa ou má? Se perguntarmos para o desabrigado catarinense este provavelmente dirá a segunda opção. Se perguntarmos a um homem que vive uma seca de meses dirá outra coisa. Quem está correto? Quando Protágoras disse que o homem era a medida de todas as coisas, certamente o fez porque percebeu que seus contemporâneos, assim como nós, medimos tudo a partir de nós mesmos. Se para mim uma coisa é boa tenho dela um bom conceito, se me causa dano atribuo a ela uma maldade intrínseca.
É a chuva a causa das catástrofes em Santa Catarina? Sim, mas indiretamente. A chuva faz seu papel que é cair e não olha onde cai. Esta cai em cima de tudo e todos, assim como o sol aquece tudo e todos. É a chuva responsável pela construção de casas em barrancos? Ela faz aterros? Ela aquece a terra emitindo CO²? Ela constrói cidades sem nenhum tipo de planejamento? Não. Não! Ela apenas cai. Está ela errada em cair? Não, ela faz seu papel para além de bem e de mal. Somos nós que insistimos em atribuir valor a eventos naturais. O que aconteceu em Santa Catarina é uma tragédia? Sim, mas somente do ponto de vista do homem.
O que quis passar com estas linhas é um certo distanciamento da perspectiva unilateral humana que sempre privilegia apenas o seu ponto de vista, a sua interpretação dos fatos. Até porque somente nós podemos atribuir valor às coisas. Saindo da subjetividade humana não há espaço para valorações, as coisas apenas acontecem.
O universo existiu durante muito tempo sem o homem. Existe agora, um pequeno instante, com essa criatura em seu seio. Certamente, chegará a hora em que nós todos desapareceremos e não haverá mais nada, nem ninguém para pensar e valorar as coisas a partir de suas perspectivas arbitrárias. Seria de grande valia para a humanidade tentar pensar, um pouco, sem estar totalmente submergida em sua restrita perspectiva.