O PAVOR

É complicado, realmente muito complicado. Como é que tu vais falar a pessoa por quem estás apaixonado que é por ela que estás apaixonado? Sim, to sabendo que não deveria ser tão complicado assim, mas quem é que simplifica? O que mais vejo é o pessoal complicando o que deveria ser facinho!

Enfim, às vezes fico com uma grande vontade de contar-lhe o que sinto, mas é difícil, pois não lhe falei enquanto estava na mesma cidade que ela, e agora, há kilômetros dela, como falar que a amo, que desde o dia em que lhe conheci, fiquei perdidamente apaixonado por ela? Sei que de repente é covardia não dizer o que se sente pra alguém, mas não é covardia maior tu não dizeres enquanto está perto da pessoa? Antes morávamos na mesma cidade, embora nenhum dos dois fosse dali, digamos assim. Mas agora, está cada um numa cidade, em um lado do país!

Tenho, algumas vezes, uma fraqueza que me faz demonstrar, mesmo que por meios virtuais--afinal, não temos outra forma, agora, que não a da via da internet—mas algo em mim faz com que eu recue, um medo irracional, ou racional até demais, não sei dizer, que ela perceba... que venha dizer que de parte dela não existe o mesmo sentimento, que tem uma amizade por mim, coisas do gênero. Já tive uma experiência quanto a isso, e a pessoa que me disse, da forma que falhou como namorada, falhou como amiga. Penso, então, que o que aconteceu antes pode vir a repetir-se, o que me machucaria tanto ou mais quanto naquela primeira experiência.

Mas, ai de mim, o que fazer? Ela veio me perguntar quem anda tirando meu sono, por quem me sinto assim, num dia tão bem, no outro não sei! E como responder-lhe? Não quero fazer uma declaração por mensagem instantânea, por e-mail, ou por recado no site de relacionamento! A internet é ilusória e não conheci ninguém que levasse a sério o que se diz ali, a não ser este pobre coitado de poucas luzes que vos fala! Temo também ser mal-interpretado, temo que pense que estou brincando, ou que quero apenas um romance virtual para passar o tempo, enquanto não encontro nada no real. Mesmo tendo a conhecido antes no real, para depois partirmos para o virtual... e no real não tive coragem de dizer-lhe o que sentia por ela, com a desculpa—sim, reconheço isso—de ela estar vivendo um relacionamento, enquanto que eu estava—e continuo—solteiro.

Depois disso, mesmo ela não estando mais num relacionamento, não tivemos mais chance de encontrar-mo-nos, e ficou mais difícil declarar o que sentia por ela! E o tempo passou mais um pouco, e eu tive de vir embora, e então ficamos apenas nos contatos virtuais. Chance quase nula de nos vermos pessoalmente de novo. Então, como poderia eu lhe confidenciar qualquer coisa de meus sentimentos, como contar que, desde o dia em que a vi pela primeira vez, numa empresa, para uma entrevista de emprego, sinto por ela uma paixão—maldito Platão—e um amor que, não importando o quanto estamos distantes, está cada vez maior?

Talvez esse seja o meu maior motivo de pavor agora, essa distância que antes não existia, que agora é física, concreta, e praticamente intransponível, pois sabe-se lá quando terei outra oportunidade de retornar àquela cidade, e sabe-se lá também se ela estará lá quando voltar! Isso, talvez mais o medo de uma nova rejeição, é o que me faça sentir essa dor no peito e retrair-me, tal qual os emos. Não fosse o veneno que na época em que nos conhecemos escorria do meu coração, talvez tivesse coragem para dizer-lhe o que senti no dia em que a vi, mesmo ela estando “ocupada” com um namorado, mesmo ela aparentemente apaixonada pelo cara, e me vendo apenas como um cara legal que coincidentemente conheceu numa simples entrevista de trabalho. Mas aquele veneno embotou qualquer tentativa que pudesse fazer, e meio que nos distanciou. Maldita burrice! Maldita criatura que se meteu entre nós, mesmo estando sem tal ser no coração! Agora, como falar com ela? Desde que ela veio por mensagem instantânea me perguntar, tenho medo de dizer-lhe o que me motivou a escrever tal frase no meu cabeçalho, procuro, com um sinal de “ocupado” evitar qualquer pergunta neste sentido novamente... sinto-me como na música da banda Belle and Sebastian, em que o cara ama demais uma pessoa, sente-se como se pudesse flutuar no ar por isso, mas... não tem a menor coragem de dizer-lhe isso! Pior ainda, quando ela me perguntou, fiquei tão aflito, e continuo assim, o coração parecendo pesar e as mãos geladas como se tivesse segurado gelo seco entre elas. O pavor... quando chegar o pavor, o que vou fazer??

Ayrton Mortimer
Enviado por Ayrton Mortimer em 05/12/2008
Código do texto: T1320716
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