Sobre concursos públicos, aparelhos ortodônticos e outras insanidades

Periodicamente me preocupo em repisar o tema dos concursos públicos, tendo já feito comparações dele com construção de casa, com a preparação do vinho e assim por diante. Hoje, se você me permite, vou compartilhar um sofrimento novo.

Passei décadas fugindo da implantação de aparelho ortodôntico necessário para a correção de minha oclusão mandibular imperfeita. Agora, aos 38 anos, fui compelido a fazê-lo. Tanto o meu dentista quanto a ortodontista disseram que se não corrigir o problema terminarei por perder os dentes! Daí, com uma alternativa tão dramática, acabei por me curvar à indicação do aparelho para os dentes. Coloquei-o e, na primeira semana, de boca inchada, doendo, tendo que ir ao dentista para consertar fios soltos e brackets quebrados, cheguei à conclusão de que só um louco coloca um troço desses na boca.

Onde já se viu?! Metal na boca, com pontas, arranhando! É uma insanidade, dizia eu. Pensei em ir lá e mandar tirar tudo, preferia ficar com a mordida cruzada e pronto! Depois, pensei em mim daqui a alguns anos... com o quadro agravado... e acabei me dispondo a “segurar a onda”. Lembrei-me de quantas vezes pensei em desistir dos concursos públicos. Logo, vieram as comparações, que decidi pôr no papel e dividi-las com os amigos.

Primeiro, tanto em concursos quanto no caso do aparelho, tentei fugir, mas ambos foram a melhor opção entre o leque de alternativas. No caso do aparelho, sofrer um pouco, agüentar dois anos mais ou menos e salvar meu sorriso e os dentes. É a relação custo-benefício. O concurso pode ter suas dificuldades, mas é uma das melhores formas de se conseguir um bom emprego, estabilidade, carreira etc.

Segunda comparação: estou um pouco velho para o aparelho... mas nunca é tarde para começar. Antes agora do que depois, do que mais tarde. Recordo de quantos amigos fizeram concurso com 50, 60 anos. Esta semana um amigo com 38 anos me perguntou se era tarde para concursos... Respondi que para concursos é ótima hora, que tarde é para aparelhos! E mesmo assim, coloquei um aparelho agora, porque, como disse, antes tarde do que nunca.

Outro ponto de contato é a dor. Como dói colocar isso nos dentes! Quanto incômodo, dor, a ponto de precisar de cera protetora e algum produto anestésico. Dói, mas é necessário; dói, mas é o jeito. Antes essa dor agora do que, depois, a dor do não ter feito o que foi recomendado. Aí, lembro-me da máxima que criei sobre concursos: “a dor é temporária, o cargo é para sempre.” Aplicada aos aparelhos ortodônticos, “a dor é temporária, o sorriso é para sempre”. Não pense que o concurso é tarefa indolor. Dói, mas dói muito mais não fazer nada, não tentar mudar para melhor o nosso destino. Ou seja, você não pode evitar a dor, apenas escolher qual delas prefere não sentir. Quem paga o preço do concurso evita a dor do desemprego, da falta de seu lugar ao sol, da falta de dinheiro para o sustento diário.

Por outro lado, e aqui vai outra comparação, a ortodontista disse que com o tempo eu iria me acostumar, que haveria um período de adaptação. Segundo ela , o organismo criaria defesas próprias, se adaptaria, a gengiva iria engrossar o suficiente para suportar o metal, de modo que o incômodo inicial iria arrefecendo com o passar do tempo. Não que a coisa ficaria totalmente resolvida, mas pelo menos estaria no limite do tolerável. Para quem não está acostumado à vida de concursando, toda organização, disciplina, horários, técnicas e procedimentos básicos podem parecer insuportáveis, irrealizáveis, estressantes. Mas à medida que eles vão se tornando parte do dia-a-dia, passam a ser toleráveis a ponto de, um dia, pelo costume, você até ter um certo prazerzinho nesse negócio. Esse será o dia em que você se tornou concursando profissional, “cascudo”, “macaco velho”, quase pronto para passar. Tudo pode doer muito no início, depois melhora.

As primeiras semanas de aparelho foram terríveis, mas já estou me acostumando. Já não estou precisando de tanta cera nem de anestésico: a boca já está quase acostumada aos novos tempos com brackets, fios, passadores de fio e tudo o mais que faz parte desse novo universo. Já tive de ir três vezes à ortodontista para trocar peças. Leva algum tempo para aprender a lidar com o aparelho sem quebrar nada.

Importante também perceber o mergulho numa situação aparentemente pior. Você piora um pouco para depois melhorar. No caso do aparelho, meu sorriso enfeou temporariamente para, depois de um tempo, ficar mais bonito do que antes. Se você vai estudar para concurso, se optou por isso, sua vida vai ficar mais difícil do que antes durante algum tempo. Depois da aprovação, ela vai ficar bem mais bonita.

O melhor exemplo ainda é o povo de Israel saindo do Egito. Os israelitas tinham algum conforto no Egito, mas eram escravos de Faraó. Para que conseguissem a liberdade foi necessária a marcha em direção à Terra Prometida, a Canaã, onde manava leite e mel. Para chegar lá, no entanto, tiveram que cruzar um deserto. O deserto era pior do que o Egito, mas era o caminho necessário para a terra onde uma nova vida, mais próspera e abundante, aguardava aqueles que se dispusessem a fazer a jornada, a peregrinação. Assim, por pouco mais de dois anos meu sorriso ficará mais feio, mas ao final melhorará. Não que concurso demande dois anos, pode ser mais ou menos. O que importa é saber que é uma troca boa, justa e convidativa.

O aparelho custou dinheiro, a ser entendido como investimento e não como despesa. O concurso demandará investimento também: livros, cursos etc., mas valerá a pena lá na frente. No meu caso, posso afirmar que se não fosse o concurso eu não teria dinheiro para pagar o aparelho. Assim, leve com serenidade as despesas necessárias para a preparação: isso também faz parte do sistema.

A ortodontista disse que o prazo para a retirada do aparelho será de uns dois anos, mas afirmou que não pode prometer. Eu quase a ouvi dizer que o aparelho é usado até que o problema seja sanado. Lembrei-me da frase que costumo ensinar: “concurso não é para passar, mas até passar.”

Só faltou ela dizer que “a diferença entre o sonho e a realidade, digo, entre oclusão errada e oclusão perfeita, é a quantidade certa de tempo e trabalho”. De fato, vai levar um tempo e dar um trabalho enorme, mas vale a pena! Idêntico aos concursos.

Para você que está lendo este artigo, acredite, eu sei bem o que é colocar um freio na boca para daqui a algum tempo, poucos anos, receber algo muito bom em troca como prêmio. Já fiz isso antes: nos concursos, na maratona e lá me vou outra vez num desses projetos para fazer algo de bom, agora aos próprios dentes. Pode até parecer uma insanidade fazer cursinhos e concursos, ou colocar aparelhos ortodônticos, mas insanidade mesmo é não fazer o que precisa logo ser feito. Escolha bem quais insanidades quer cometer. Seu melhor futuro depende disso!

Dr William Douglas
Enviado por Dr William Douglas em 03/12/2008
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