COISA MAIS LINDA
O título deste texto não é um elogio a alguém ou a algo em particular. Para aqueles que apreciam a boa música, a expressão já deve ser por demais conhecida, pois se trata de uma composição de Carlos Lyra com letra de Vinícius de Moraes, feita nos tempos da bossa nova.
Em 2007 publiquei um texto que nomeei como “O amor, o sorriso e a flor”, dizendo que o mesmo havia sido inspirado em momentos de um documentário sobre bossa nova, que havia assistido parcialmente. Participavam cantores e compositores da época, dando seus depoimentos, e entremeavam-se explicações mais didáticas de Roberto Menescal e do próprio Carlos Lyra.
Pois bem: neste ano de 2008, quando a bossa nova completa 50 anos de existência (alguns ainda hoje dizem que foi um movimento estudantil), uma emissora de TV por satélite o exibiu novamente e dessa vez consegui gravá-lo por completo para assistir posteriormente.
Ainda procurei o filme em vários lugares, uma vez que agora já sabia o seu nome: COISA MAIS LINDA – HISTÓRIA E CASOS DA BOSSA NOVA. Os vendedores “especializados” das “casas especializadas” sequer haviam ouvido falar do documentário ou mesmo do que veio a ser a bossa nova. Uma pobreza geral em relação à nossa cultura, cada vez mais esquecida e abandonada.
Resolvi transformá-lo em DVD e o assisti com toda a atenção que merecia. O queixo, literalmente, caiu!
Durante um pouco mais de duas horas, onde não fiz nenhum intervalo, pois era impossível interromper aquela maravilha, assisti embevecido ao surgimento e à evolução daquela que foi, sem dúvida alguma, a maior inovação de bom gosto e qualidade na música popular brasileira, que sempre foi caracterizada basicamente pelo nosso samba. Aliás, sempre entendi a bossa nova como samba e não como jazz, da forma que muitos “críticos” tentaram atribuir.
Uns diziam que a bossa nova era algo próprio da burguesia da zona sul do Rio de Janeiro, incapaz de penetrar nas camadas mais populares. E, de certa forma, havia um fundo de verdade nisso, apesar de que grande parte daqueles envolvidos com ela vivia correndo atrás do aluguel, como Tom Jobim, por exemplo, que era um duro assumido e até João Gilberto, que não tinha onde morar e se “encostou” no espaço de Ronaldo Bôscoli por um certo tempo.
Assistir a Roberto Menescal e Carlos Lyra contando em detalhes algumas das passagens mais marcantes da época é de encantar os olhos e os ouvidos. Como surgiram algumas composições (a história de O Barquinho, de Menescal e Bôscoli, é ótima); como surgiu o nome bossa nova (em um show de Silvinha Telles, no Rio); a maneira como Tom Jobim conheceu Vinícius de Moraes são apenas algumas das curiosidades mostradas no documentário. Chega a emocionar o depoimento de Paulo Jobim sobre seu pai Tom, filmado em um dos locais mais puros e lúdicos do Rio de Janeiro, o Jardim Botânico. A meu ver, um lugar apropriadamente escolhido para homenagear a própria pureza de Tom Jobim, um ser humano incapaz de dar palpites e ofender quem quer que fosse. Menescal conta uma bela história sobre essa face de Tom.
E, é claro, a história do famoso show “A noite do amor, o sorriso e a flor”, que foi realizado na FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) do Rio de Janeiro, uma vez que a reitoria da PUC (Pontifícia Universidade Católica) havia permitido sua realização somente se Norma Bengell, que estava engajada com a bossa nova, não participasse do mesmo, pois havia aparecido na capa de seu disco com o corpo nu (não se via nada demais) em uma montagem feita pela gravadora. Uma ingenuidade de capa em relação ao que se vê nos dias de hoje.
E assim corre o documentário por onde vão passando João Donato, Durval Ferreira, Wanda Sá, Nara Leão, Silvinha Telles, Vinícius de Moraes, Tamba Trio, Marcos Valle, Billy Blanco, Miele, Ronaldo Bôscoli, Leny Andrade, Alaíde Costa, Johhny Alf, Joyce e muitos outros, alguns apenas em breves fotografias.
Quase ao final uma passagem tragicômica contada por Menescal sobre Ronaldo Bôscoli, que estava no fim da vida num leito de hospital. Menescal e Miele foram visitar o amigo e ao entrarem no quarto depararam com aquela cena desanimadora. Bôscoli totalmente cheio de tubos e fios, com uma transfusão de sangue em um braço e soro no outro. Mexeram em seu pé, perguntando: “E aí, amigão?”. Bôscoli abriu os olhos lentamente, olhou-os fixamente e sutilmente perguntou: “Vão de tinto ou de branco?”... Foram suas últimas palavras.
Cada vez mais eu tenho a plena certeza de que a bossa nova foi um acontecimento abençoado, através do encontro de pessoas iluminadas, inteligentes e sensíveis que tiveram a chance e a vontade de realizar maravilhas pela nossa cultura, pela nossa música, pela nossa poesia, e, também, por quem teve a felicidade de vivenciar uma época tão perfeita e tão rica em termos musicais e poéticos.
O documentário tem roteiro e direção de Paulo Thiago, com duração de 128 minutos e foi feito em 2005 por Vitória Produções Cinematográficas, tendo ainda Carlos Lyra e Roberto Menescal como co-produtores. É distribuído pela Columbia TriStar Home Entertainment, Inc.
Bem, agora “Chega de saudade”.
Recomendo que o assistam, desejando-lhes uma boa diversão.
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