HOMENAGEM A UMA MULHER QUE VENDE BELEZA, MAS QUE DE QUANDO EM QUANDO FICA FEIA POR CAUSA DOS POLÍTICOS (PARA DETH E KATE WEISS)
Conheço uma pessoa a quem observo com bastante intensidade cada vez que a vejo. Trata-se de uma pessoa que , até onde sei, leva uma vida bastante dificultosa, cheia de problemas... Trabalha como demonstradora de produtos para limpeza da pele, dessas que fazem demonstrações em residências para grupos de senhoras aplicando creme gratuitamente na cedente do espaço em troca do marketing. Trata-se de uma mulher relativamente jovem, e a razão de eu a observar deve-se ao fato de ela transmitir algo que desperta a atenção: seu andar é lento, seu corpo é encurvado, como se ela carregasse sobre si uma tonelada de qualquer coisa que o valha. É como se no ombro dela houvesse, invisivelmente, uma cruz pesadíssima a qual ela cotidianamente, antes de sair de sua residência, apanhasse em algum lugar da casa e pusesse sobre si. E então eu a vejo andar pelas ruas, não raro sorridente, alegre, parando aqui, parando ali para conversar animadamente com um conhecido; mas no ínterim dos encontros, enquanto volta a caminhar, lá vai ela com aquele corpo inclinado, os passos lentos, cadenciados, bem parecidos com os passos de quem se dirige ao suplício. E então eu me pergunto: por quê? O que a faz andar daquele jeito? Sua vida cheia de dificuldades? O peso das terríveis e inevitáveis frustrações que nos alcançam a todos neste planeta que, de fato, não é mais o paraíso? Ou como poeta que sou cá estou eu caindo no exagero das considerações, e a linha curvada daquele corpo outra coisa não é senão que um corriqueiro embora doloroso problema da coluna, a famosa hérnia de disco? Já disse em outra ocasião que sou um indivíduo impressionável, uma espécie de esponja psíquica, e acabei sabendo que tenho companheiros nesse infeliz modo de ser (abraços Kate Weiss !) e, portanto, quando me perco a observar a pessoa em questão, seus sapatos carcomidos pelo tempo de uso, suas roupas que pretendem ser bonitas e atraentes deixando claro serem muito mais uma tentativa desesperada de se mostrar dignamente; quando se percebe a pobreza senão a miséria rondando a pessoa que resiste, que apesar de tudo resiste; que apesar de não comer e se alimentar como necessário; de não dormir e repousar como seria óbvio; de ter de administrar uma família louca, de parentes tresloucados, irresponsáveis como se comenta à boca pequena entre os conhecidos; que tem de trazer para casa o resultado de um trabalho prosaico embora digno, , tremendamente instável (nem sempre o sorriso das pessoas numa demonstração de limpeza de pele significa venda certa) e que a despeito disto tudo ainda resiste; quando me perco a observar essa pessoa me vem ao coração uma tristeza imensa, um profundo sentido de solidariedade e, ao mesmo tempo, de revolta. Solidariedade porque se trata de um ser humano igual a mim, que come, bebe, dorme, trabalha, sente, imagina, planeja, sonha... E de revolta porque um político, que é eleito pelo voto popular, vivendo uma vida mais parecida à vida de um marajá indiano (sendo que de sua responsabilidade seria a luta pelos meios de melhoria social dos que o elegeram) é o primeiro a ignorar o estado miserável dos seus eleitores. E eis o que posso fazer quanto a isto: ser solidário! Como? Escrevendo este artigo. Sofrendo na minha alma um pouco das dores da pessoa em questão. Olha Kate, é muito difícil ignorar! Mas tem como protestar, ainda que protesto modesto: este artigo aqui no Recanto. Talvez se diga: mas por que essa mulher não arruma um bom emprego e sai dessa vida de penúria? E eu diria: como? Com mais de 30 anos de idade, arrumar emprego aonde? Não estamos no Japão onde o ancião é profundamente respeitado e considerado sábio. Estamos no Brasil onde o jovem de trinta anos é um velho caquético e desprezível. Até 30 anos somos gente; a partir de então nos tornamos lixo! E como também sou vítima (não passiva) desse contexto de coisas, até onde não administro a sensibilidade, vou sentindo as dores do outro, esponjando o outro, que não sabe ou não quer ou tem medo de levantar bandeiras. A escritora Deth, nossa grande e amada poetisa tem uma proposta sobre isto: para saber mais basta entrar em contato com ela no seu espaço, aqui no Recanto). Sigo observando essa pessoa conhecida, o seu corpo encurvado e o sorriso cravado nos lábios, vendendo produtos que deixam o rosto mais bonito, sendo que ela mesma nem sempre mostra o seu em tal condição, uma vez que não é fácil sorrir o tempo todo, e mostrar beleza e jovialidade. Sendo evangélica, declara que Jesus a sustém e então eu me recordo que foi o Mestre mesmo quem disse: bem-aventurados os que têm sede e fome de justiça, pois serão socorridos na necessidade. Só gostaria de saber: isto acontecerá aqui mesmo, já e agora ou em algum tempo que desconhecemos, ou se verificará lá na Glória, depois de partirmos? Ou para que isto se dê, há que o homem lutar para tanto, e conquistar uma vida mais digna, tendo maior consciência política? Em última instância, é um problema para Deus resolver, ou está nas mãos dos próprios homens a urgentíssima solução?