Caminhando no fio afiado da navalha
Muitos são os casos daqueles que, transitando perigosamente entre a razão e a insanidade, se lançam à criação artística como forma de escapar aos tormentos da enfermidade que os acomete.
Até certo ponto, parece instigante a associação entre arte e loucura, mesmo que a ciência não tenha estabelecido categoricamente tal relação. No entanto, é desconfortável imaginar que são insanos todos aqueles que, por meio de diversas linguagens artísticas, expressam a sua forma de ver, pensar e ser no mundo.
Quando nos recordamos, que ao longo da história era costume associar à excentricidade dos artistas, levianas acusações de insanidade, insurgência política, e até mesmo a prática do demonismo, percebemos a necessidade de cautela ao fazer essa vinculação.
É sabido, inclusive, que muitos arderam nas chamadas “fogueiras santas” por carregarem a fagulha da criação e se permitirem expressar de um modo todo especial uma realidade para além daquela percebida pelos mais comuns dos mortais.
No entanto, obras como as de Salvador Dali, inevitavelmente intrigam e despertam o questionamento acerca da origem de imagens tão complexas, fluidas, difusas, ambíguas, oníricas, enfim, “insanas”. Seriam representações e projeções do inconsciente, ou apenas uma perspectiva tecnicamente pensada para expressar uma ideologia ou seguimento artístico?
Talvez, nem mesmo o próprio Dali pudesse responder a essa pergunta, visto que muitos elementos do processo criativo fogem ao controle do próprio artista. Assim como fluem para a obra produzida elementos de realidades diversas, captados pelo artista das mais intrigantes maneiras.
Segundo Antônio Cândido, em O Personagem de Ficção, o autor se utiliza de elementos da realidade imediata, imaginada, sentida ou lembrada em seu processo de criação. Portanto, um personagem, por exemplo, tanto pode ser fruto da imaginação ou uma composição de dados da realidade, a partir de alguém que o autor conheceu ou lembranças de alguém de seu passado ou até mesmo das lembranças de outrem.
Nesse sentido, por exemplo, temos alguns personagens de Guimarães Rosa. Sabemos que o autor ia a campo em busca de experiências e vivências no ambiente dos personagens que pretendia criar. O escritor registrava sensações, percepções, dados da cultura, da língua, do povo e se utilizava dessas informações para ampliar a ficcionalidade de seus textos.
Assim como na Literatura, também nas Artes Plásticas existiram técnicas que viabilizaram e ordenaram a criação, como por exemplo, o Cubismo e o Impressionismo que além de representarem técnicas para registrar a realidade, se tornaram estilos em uma determinada época.
Não obstante ao que é passível de análise e estudo, existe outra perspectiva de criação que foge aos ditames acadêmicos e se rege por leis um tanto quanto intuitivas e pouco ortodoxas.
Aldous Huxley em As Portas da Percepção relata sua experiência com a droga mescalina e, sobretudo, a experiência de estar em um lugar incomum, onde geralmente não estamos nós, pessoas ditas normais.
Esse espaço, e não se sabe exatamente por que, propicia a aproximação entre arte e genialidade, não importando em que linguagem essa arte fala ou em qual nome convencionou-se chamá-la. O fato é que seja em música, artes plásticas, filosofia ou literatura são inúmeros os exemplos de nomes que dividiram os rótulos de gênio e louco. Schumann, Tchaikowski, Van Gogh, Lord Byron, Tolstoi, Nietzsche, Mallarmé... Todos estes maravilhosos criadores partilharam da angústia de conviver à beira do abismo.
Todavia, ressalte-se: eles estavam à beira, não no próprio abismo. Pois se a loucura fosse o mote essencial para a genialidade, os hospícios seriam o lócus da criação e transformação de realidades. Essa particularidade, característica de tantos artistas, é um eterno, doloroso e perigoso transitar no fio afiado da navalha.
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