CRISTIANISMO “FULEIRO”
CRISTIANISMO “FULEIRO”
Esta semana me aconteceu algo que vem confirmar que o cristianismo que praticamos nos dias atuais é o que o sertanejo, assim como eu, chama de fuleiro. Para quem não sabe, essa palavra que pode parecer um tanto pejorativa é usada no “nordestinês” para descrever algo leve, superficial, falsificado, de qualidade duvidosa. Pois bem, uma irmã, que chamarei aqui de Ruth, teria uma consulta comigo na sexta-feira às 8 horas. Tal consulta faz parte de um tratamento que aplico, como médico, em Ruth uma vez ao mês. Daquela vez, me chamou atenção uma coisa, é que ela, que mora muito distante do lugar da consulta, iria chegar às 12h30min da madrugada, ou seja, aos 30 minutos da sexta-feira, exatamente no dia da consulta. Ruth tem uns 20 anos e precisaria estar bem relaxada para a consulta e assim receber o tratamento de maneira eficaz. Eu me preocupei porque ela iria dormir apenas algumas horas para poder estar no consultório de manhã tão cedo. Perguntei aonde ela iria dormir para saber a distância até o consultório e ela me respondeu simplesmente que passaria a noite no aeroporto e de manhã iria direto para a consulta. Muito preocupado com a jovem irmã, eu tentei de todas as maneiras lembrar de alguém que pudesse ajudá-la, indo buscá-la no aeroporto e levá-la para a casa aonde ela iria se hospedar para que a mesma descansasse nem que fosse o mínimo. Por motivos superiores, seria impossível eu mesmo recorrer-la no aeroporto e trazer para minha casa, pois além de morar muitos quilômetros de distância do aeroporto, a estrada é perigosa a partir das 23h00min, pois a minha casa está localizada na verdade em outro município. Depois de vasculharmos inutilmente, eu e minha esposa, todos os irmãos que poderiam ajudá-la, chegamos à conclusão de que não havia um sequer que pudéssemos contar com ele. Talvez, pensamos, algum amigo não crente pudesse solucionar o problema, mas não tivemos coragem de pedir tal coisa. Na verdade tivemos vergonha do fato de termos uma cristã necessitada e não encontrar ninguém entre os crentes que pudesse resolver este “grande problema”. Foi então que nos veio o sentimento que, aliás, já vivenciamos há muitos anos: o cristianismo que se pratica na atualidade é muito mais aparência do que realidade.
Durante minha caminhada na tarde anterior à chegada da irmã encontramos um velho presbítero da igreja presbiteriana central de Recife e eu lhe parei e disse: “irmão, estávamos comentando que o cristianismo atual é de fato um cristianismo fuleiro”, disse isso e saímos. O irmão me olhou surpreso e admirado me disse de longe: é verdade. Depois se foi. Ao chegar em casa eu estava perturbado com aquela situação, apesar de já tê-la vivido uma centena de vezes. Decidimos ir ao Recife esperar Ruth e levá-la para a casa de uma irmã que se dispunha hospedá-la, mas que não tinha maneiras de ir buscá-la no aeroporto. Antes porém de tudo, me lembrei que Ruth é batista, filha de um irmão batista, neta de um missionário batista, e que ela mesma toca (é uma excelente pianista profissional) nos grupos da sua igreja. Ruth participa de encontros regionais e nacionais sempre servindo ao Senhor com a música e agora por causa do piano está enferma de uma mão. Como num ímpeto, peguei o telefone e liguei pra sua casa e lhe disse: “Ruth, se você fosse do Rotary (é assim mesmo que se escreve?), de alguma equipe esportiva, de uma religião espírita, ou de qualquer coisa que os homens fazem em sociedade, certamente haveria pessoas que iriam te esperar e te levar para casa sem nenhuma dificuldade. Ruth, diz a teu pai que o cristianismo que vocês estão vivendo aí é um Cristianismo Fuleiro. Já que vocês não conhecem nenhum um cristão da vossa irmandade batista ou de qualquer outra que possa te ajudar nós vamos te buscar”. O que eu fiz foi de fato uma provocação intencional. Cristianismo fuleiro! Alguns minutos depois de desligar o telefone, Ruth me liga e diz: irmão não precisa mais ir me buscar, meu pai já ligou para os irmãos de Recife e eles vão fazer tudo que necessito. No dia seguinte, estava Ruth descansada e sendo atendida por mim tranquilamente. Conheci o casal que a ajudou e no final da consulta ela me disse: doutor, o senhor tem sido uma bênção na minha vida, sabia? Eu perguntei o por quê disso. Estava ainda falando, quando ela me respondeu: “por causa do CRISTIANISMO FULEIRO”. Com essa experiência, eu vejo que às vezes precisamos “provocar” os irmãos para que acordem do sono em que estamos vivendo. Os sermões sobre o “amar ao próximo e aos irmãos” inundam os púlpitos do cristianismo, mas a realidade sobre este amor está a muitos quilômetros de distância. Não só esta doutrina está sendo praticada só de fachada, mas quase tudo que tenho visto nas últimas décadas no nosso meio cristão não passa de Cristianismo Fuleiro.
Que Deus nos acorde nestes últimos dias para sermos praticantes e não apenas ouvintes da Palavra.