O S.O.S de Santa Catarina

Na idade antiga e medieval parece ter prevalecido o paradigma em que o ser humano não se colocava como um ferrenho explorador do planeta Terra. Segundo os pressupostos da metafísica então prevalente, o humano era um ser contemplativo, que se integrava ao mundo, à semelhança de um olho observador; às vezes intrigado, às vezes encantado.

Com a consolidação da Idade Moderna, aquele conhecimento metafísico, filosófico-teológico, foi sendo superado aos poucos. Aquele saber teocêntrico e veiculador de um incentivo à apreciação da dimensão estética do mundo cedeu lugar ao conhecimento científico positivista.

Chegava, então, a vez de a ciência dar as cartas. Não qualquer ciência, mas aquela que pudesse instrumentalizar o humano ativo, empreendedor e explorador do mundo natural e humano. Com esse interesse imediato, voltado para a transformação do mundo, a ciência dedica-se a associar saberes teóricos a uma nova ética para possibilitar a consolidação de um robusto saber fazer. Dava-se, assim, o casamento entre ciência e técnica e nós, ocidentais, passamos a conviver com isso que hoje denominamos tecnocienticismo.

O tecnocienticismo passou a ser a visão de mundo moderna, na qual, em lugar do teocentrismo, passamos a ter o antropocentrismo; em lugar da contemplação, a ação; em vez da ética do ser, ética do ter. Lucrar a qualquer preço, acumular de maneira desmedida, consumir desbragadamente, competir depredadoramente e viver intensamente para a matéria passaram a ser os imperativos que sustentam o capitalismo como sistema econômico, o qual sempre foi apoiado pela democracia representativa e pela moral individualista que tanto nos assediam na contemporaneidade.

Claro que esses mandamentos guiam o homem moderno, dogmaticamente, e o mobiliza para intervir no mundo, de maneira a transformar tudo em mercadoria, em bem vendável e em fonte de lucro e acumulação, e é exatamente esse modo de agir que está exaurindo o mundo. A natureza, por conta da exploração intensa e ininterrupta, predatória e desarrazoada, demonstra-se em estado de esgotamento, ao ponto de estudos atuais apontarem para a possibilidade de extinção da raça humana e para o fim do mundo causado pelo próprio ser humano.

Considerando esse panorama, não é mais possível ignorar o que acontece em Santa Catarina, alagado por chuvas torrenciais (e a cujo S.O.S os brasileiros, felizmente, estão atentos) e a relação desse fato com as mudanças climáticas mundiais. Quem deu um alerta sobre o assunto foi o governador do Estado, Luiz Henrique Silveira, para quem “Esta foi a pior tragédia climática que já tivemos no Estado. Se alguém duvida que o mundo está passando por mudanças climáticas em face do aquecimento global que venha a Santa Catarina e veja as cidades tomadas pelas águas” (http://diariodigital.sapo.pt).

Nós brasileiros sabemos o quanto os políticos às vezes discursam para nos iludir. No caso, até prova em contrário, parece que não: as palavras do político citado deve ser levadas a sério. Quem acompanha os debates sobre essa temática sabe que há uma relação de causas e efeitos entre o que o ser humano moderno vem fazendo “no” e “com” o mundo e as ocorrências como essas das chuvas catarinenses, as quais ceifam vidas, modificam paisagens e anunciam que o humano precisa rever sua maneira de ser, estar e agir no mundo.

Tomara que tenhamos bom senso e prestemos atenção a mais esse alerta da natureza.