Desejo de Desejo

Lembro-me claramente do dia que fui comprar meu primeiro celular, eu estava empolgado e ansioso, não era pra menos, afinal de contas eu nunca tinha tido um antes.Ele não era lá essas coisas, porque alem de ser de segunda mão na época não havia recursos como câmeras, filmadoras, mp3, e-mail, Blutoof, mas naquele momento conseguiu satisfazer minha necessidade. Palavrinha interessante essa: “necessidade”. Necessidade conforme o dicionário é o ato indispensável à vida, comer, por exemplo, estaria nesta qualidade, de necessidade natural, mas algo muito me chamou a atenção quando pesquisava a esse respeito, fiquei surpreso em descobrir que a maioria de nós somos economistas ao que diz respeito à “necessidade”, sim, economistas. O termo, “necessidade”, para a economia é o sentimento ou desejo de obtermos aquilo que não possuímos, resumindo: desejo. E não seria isso o que tem acontecido com nossa sociedade? Voltemos a minha história... Passado alguns meses viajei a trabalho e durante essa saída me deparei com uma loja de telefonia móvel (celular), ela se encontrava em um grande shopping da capital capixaba e foi lá que me deparei com esse assustador e ao mesmo tempo atraente sentimento, o desejo. Voltei pra minha cidade, mas algo tinha mudado, não queria mais saber do meu celular “ultrapassado”, eu queria algo mais atraente, mais inovador, algo mais “na moda”. Na outra semana arrumei um comprador pro meu já esquecido celular. Comprei o objeto do meu desejo que naturalmente ao passar do tempo foi deixando seu brilho pra traz. Como tinha iniciado minha vida de desejos não demorei muito ha me deparar com a 7ª troca. Hoje analisando esse fato, de fato chego a uma conclusão, não temos desejos de objetos ou coisas o que temos é o desejo de desejo, talvez por um arquétipo mental que tenha a finalidade de não deixar com que fiquemos estagnados. Isso faria sentido, pois o desejo faz com que busquemos algo, respondendo assim minha tese de estagnação. Por outro lado poderíamos pensar em uma explicação mais teológica, no sentido de compreendermos o fenômeno do desejo como um sentimento constante de busca, implícito em nós pelo próprio Deus com o objetivo de nos saciarmos integralmente nEle. Confesso que fico receoso em aceitar plenamente essa segunda tese, por duas questões: a primeira é que quando tomamos “Deus” como um personagem de nossas confabulações temos a tendência de fazê-lo falar através de nossos ideais e achismos, a conseqüência desse ato é que sempre estaremos na hipótese e nunca na veracidade irrefutável que almejamos pois na verdade quem esta falando como Deus somos nós e não Ele. A segunda questão que faz com que não a aceite seria seu caráter místico, pois minha construção de “Deus” não se encaixaria na figura de “Deus” como um aliciador ao vício do desejo, pois em ultima instancia é isso que aconteceria, homens viciados no produto desejo, fornecido por “Deus”, e o pior, nada garante que o “viciado” (ser humano) busque direto do fornecedor (Deus), nessa teoria a única garantia que temos é que o vício (desejo) existiria. O fato é, não sabemos ao certo o porque do desejo do desejo mas uma coisa é certa, a sociedade capitalista conhece esse dado e o usa como uma ferramenta poderosa sendo ela pra vender pessoas, produtos ou benção. Partindo desse pré suposto gostaria de levá-lo a pensar na realidade vivida por nós ocidentais, realidade essa que tem inserido em nós seres humanos desumanização que por sua vez nos joga nas profundezas da solidão individualista, fruto de nossa doença ou vício que denominamos de “desejo”. Criamos até uma especialização na área, ela se chama: faculdade de Marketing, imbuída da compreensão do desejo de desejo o marketing funciona como uma bomba injetora que trabalha na manutenção de todo sistema de consumo apresentado e forçado a nós. Com a finalidade de explorar nosso vício (desejo) o marketing é contratado para gerar em nós mais necessidades completando assim o ciclo de oferta e procura que coincidentalmente ou NÃO é outro termo da economia. Concluo dizendo que existe muito estudo e ciência na área do desejo de desejo, mas a pergunta que faço é: pra quem eles trabalham?

Obs.: Hoje tenho um celular que faz ligação.