O ATAQUE DO HOMEM-BOMBA (S.P.S.M)
Doutor Pacheco não gostava muito de ler nenhum dos dois maiores jornais de São Paulo, pela manhã, no horário do café. Mas ele estava distante da sua cidade no interior da Paraíba, e não tinha outra opção, estava em plena terra da garoa, em plena cidade de São Paulo, naquele mesmo domingo iria fazer uma palestra, e participar de um simpósio, do qual participariam pessoas de todo mundo, naquela semana. Se obrigou a ler um jornal paulista, naquele domingo de manhã.
Enquanto lia o jornal, muito grande, ocupando boa parte da mesa do café, o doutor Pacheco não se desligava das pessoas ao seu redor, na maioria estrangeiros, nenhum turista típico naquele hotel, freqüentado mais por homens de negócios e alguns grupos de excursão que vinham à cidade fazer compras na 24 de Março. Alguns tinham vindo para o mesmo simpósio do qual iria participar naquela semana. Estrangeiros, mas também gente dos outros Brasís.
Ali perto o transito estava pesado demais, mesmo para Sampa, num domingo às 10 horas da manhã. Chegou a seus ouvidos algo sobre um comício e uma carreata de um político, concorrendo ao Senado Nacional, alguém remotamente importante e bastante conhecido, mas cujo nome ele não guardou, Pacheco tinha interesse pela política, mas não pelos políticos, por isso nem levantou os olhos quando ouviu as buzinas dos automóveis, as pessoas gritando o nome do candidato, tampouco quando ele próprio passou dentro de um carro conversível, abanando para as pessoas que estavam nas calçadas.
No entanto, uns segundos antes de tudo acontecer, o doutor levantou a cabeça do jornal, observando as pessoas à sua volta, nem hóspedes, nem funcionários do hotel pareciam perceber nada, o que não o surpreendeu em nada. Ele lentamente levantou-se da mesa do café, deixando inacabado um copo de suco de graviola e um papaia que havia descaroçado e preparava-se para comer. Dirigiu-se até a porta da recepção, que dava para a rua, e no momento em que ia divisar o carro do candidato subindo o Viaduto do Chá, ouviu-se uma grande explosão. Daí as chamas, o carro Peugeot preto, conversível, a bordo do qual o candidato acenara há pouco para as pessoas na calçada em frente ao hotel e alguns funcionários que o observaram pela porta do saguão, caiu, apenas uma bola de metal, sequer sombra do carro que fora. Parte do viaduto desmoronou, vários carros que seguiam o Peugeot preto caíram numa cratera. As pessoas gritavam desesperadas, mulheres choravam e descabelavam-se, como o fazem as mulheres que perdem pessoas queridas num ataque a bomba num daqueles países árabes. O doutor pensou como aquela cena podia parecer tanto com tantas que vira num país muito distante, via telejornais.
Inclusive, àquela noite, enquanto ficara confinado no hotel—sua palestra havia sido cancelada, depois da explosão, pela manhã--, o doutor Pacheco assistia a todos os programas de tevê à procura de um possível homem-bomba, que tivesse cometido tal atentado. Todos os canais repetiam a história do próprio candidato, como ele chegara até ali, depois de ser prefeito de uma pequena cidade do interior, o que havia feito de relevante em sua política, etc. Todos os canais diziam que ninguém sabia quem cometera ou mandara cometer tal atentado, especulavam se, de repente, o país estava na mira de grupos radicais islâmicos, outros ainda chegaram a especular, timidamente, a possibilidade de um ataque terrorista perpretado pelos trabalhadores rurais sem-terra, mas o doutor sabia que ninguém chegara sequer perto do verdadeiro criminoso e suas reais intenções.
Mudando de canal, próximo da meia-noite, o doutor, que estava quase dormindo em sua cama no quarto do hotel, repentinamente ficou desperto, uma emissora de tevê havia recebido imagens gravadas pelo telefone celular de uma das testemunhas do atentado, viu o momento em que o carro explodiu, viu que nenhuma bomba, nenhum armamento conhecido, poderia causar aquele tipo de explosão, viu os minutos subseqüentes, onde as pessoas corriam desnorteadas, onde homens e mulheres demonstravam consternação e pavor, e onde um jovem com longos cabelos estilo emo, camiseta básica e jeans escuro não se mexia e nem demonstrava nenhuma reação emocional, apenas olhava fixamente e a mão fechada em punho apontava para o automóvel Peugeot conversível. “Sabia que era um homem-bomba!” disse a si mesmo.