O criador e a criatura - Vinícius e Helô Pinheiro
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A HISTÓRIA DE "GAROTA DE IPANEMA"
Apesar de já ter sido dito formalmente, muitas pessoas não acreditam e não se conformam: “Garota de Ipanema”, não foi feita por Tom Jobim e Vinícius de Moraes no bar que tinha o nome de Veloso e que hoje se chama Garota de Ipanema, na rua que era Montenegro e depois passou a ser Vinícius de Moraes, na esquina com a Prudente de Moraes (nenhum parentesco entre os dois). Para efeito de localização, a rua Vinícius de Moraes vai até a Avenida Vieira Souto, na orla de Ipanema, no Rio de Janeiro.
A canção foi composta em 1962, chegando a ser considerada o hino da bossa nova, mais ainda do que “Chega de Saudade”, gravada por João Gilberto em 1958, que havia provocado uma verdadeira revolução na música popular.
“Garota de Ipanema” pode ser considerado um dos maiores standards do século XX. Já foi e continua sendo gravada por tanta gente, que não se sabe como seus royalties são administrados pelas sociedades que cuidam disso. Oficialmente teria perto de 300 gravações, mas o número real deve estar perto do dobro disso, considerando-se as versões não autorizadas que vivem sendo feitas. Frank Sinatra a gravou e, claro, você sabe quem ele é. Mas saberia dizer quem é Floyd the Barber? Não? Pois é. Floyd é um cantor de rap. Diz-se que sua gravação de “Garota de Ipanema” é legalizada. Quanto ao número de execuções da canção, segundo dados oficiais, “Garota de Ipanema” rivaliza com “Yesterday”, de Lennon & McCartney, as duas ultrapassando a casa dos 5 milhões.
Hoje em dia os principais portais da internet contêm, cada qual, um mínimo de 600 mil entradas relativas a “The Girl from Ipanema”. Fora os sites em russo, grego, japonês, chinês, coreano, árabe e outras línguas para as quais o computador necessitaria ter os caracteres adaptados.
“Garota de Ipanema” foi apresentada pela primeira vez em um show na Boate Bon Gourmet, em Copacabana, no Rio. Na noite de estréia, em agosto de 1962, não se sabia o que viria após Tom dedilhar algo no piano e João Gilberto cantarolar:
“Tom, e se você fizesse agora uma canção / Que possa nos dizer / Contar o que é o amor?”
Ao que Tom respondia:
“Olha Joãozinho, eu não saberia / Sem Vinícius pra fazer a poesia...”
O poeta (Vinícius) pegava o mote e dizia:
“Para essa canção se realizar / Quem dera o João para cantar...”
E João Gilberto, incrivelmente modesto, completava:
“Ah, mas quem sou eu? / Eu sou mais vocês / Melhor se nós cantássemos os três...”
E os três:
“Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça...”
Desnecessário dizer que esse foi um grande momento na vida de todos que estavam ali – um momento que perdurou por 45 dias, a ponto de se esquecer que nesse mesmo show também foram lançadas e cantadas outras músicas como, por exemplo, “Corcovado”, “Samba da minha terra”, “Insensatez”, “Samba de uma nota só”, que também vieram a ser grandes sucessos. Tudo isso foi gravado pelo advogado Jorge Karam, um apaixonado por música, e que poderia ter gerado um grande disco, mas os participantes – não se sabe o motivo – nunca permitiram que isso fosse feito. E, assim, perdeu-se um espetacular documento histórico, principalmente pelo fato de que depois daqueles sucessos de 1962, Tom e Vinícius nunca mais comporiam juntos. O motivo alegado foram as viagens e, de fato, Tom foi para Nova York e Vinícius voltou a exercer suas funções diplomáticas em Paris.
Mas a primeira gravação oficial, em disco, de “Garota de Ipanema” foi feita por Pery Ribeiro, na Odeon, e o Tamba Trio, na Philips, no mês de janeiro de 1963. Ainda em 1963, mas no mês de maio, o próprio Tom Jobim lançou a canção nos Estados Unidos, no seu primeiro disco feito lá, chamado “The Composer of Desafinado”.
Voltando ao nascimento de “Garota de Ipanema”, Tom e Vinícius nunca tiveram como estilo escrever músicas em mesas de bares, embora nesses mesmos bares tenham investido as melhores horas de suas vidas. A melodia foi composta de forma meticulosa por Tom, ao piano, na sua casa na Rua Barão da Torre, em Ipanema, e não tinha como destino inicial musicar a letra de Vinícius, mas, sim, uma comédia musical intitulada “BLIMP”, que Vinícius já tinha na cabeça, mas nunca pôs no papel.
A letra foi escrita por Vinícius em Petrópolis e não nasceu se chamando “Garota de Ipanema”, e sim, “Menina que passa”, e toda a sua primeira parte era diferente. Depois, os dois se encontraram, e, finalmente, nasceu a canção por completo. O Veloso serviu apenas como referência, apesar de ostentar até hoje em suas paredes cópias da partitura da melodia e dar a ilusão de que uma mesinha de canto, hoje próxima aos sanitários, teria sido o exato local onde os dois ficaram para escrever a canção, ao ver a garota passar a caminho do mar.
Quanto à famosa garota ela foi mesmo Heloísa Eneida Menezes Paes Pinto, depois conhecida como Helô Pinheiro. Foi no Veloso que Tom e Vinícius a viram passar inúmeras vezes, não apenas a caminho do mar de Ipanema na Vieira Souto, mas, também, a caminho do colégio, da costureira e do dentista.
No início, Helô Pinheiro não imaginava que a canção era em sua homenagem, mas logo começou a desconfiar porque desde 1962, dois bem informados sujeitos da revista “FATOS E FOTOS” (Ronaldo Bôscoli, o repórter e Hélio Santos, o fotógrafo) viviam insistindo em fotografá-la num daqueles “duas peças” meio escandalosos para a época, mas que nos dias de hoje dariam para confeccionar inúmeros “fios-dentais”. Conseguiram a façanha, mas só depois que o pai de Helô, um general da linha-dura, certificou-se dos bons propósitos dos dois. Mas foi apenas três anos depois, em 1965, quando Helô já tinha 22 anos e estava de casamento marcado que Tom e Vinícius lhe revelaram que a canção fora dedicada a ela.
Helô tornou-se famosa, o que criou um misto de orgulho e desconforto no general e no noivo, pois todos queriam conhecer “a coisa mais linda e mais cheia de graça”. Quiseram colocá-la como símbolo oficial da cidade pois o Rio comemorava naquele ano o seu quarto centenário. O pai general linha-dura e o noivo ciumento não deixaram. Assim como também não deixaram que participasse das filmagens do filme “Garota de Ipanema” realizado em 1967, e que foi a primeira grande produção em cores do chamado Cinema Novo.
Pois bem, após essas proibições todas, o tempo passou, e todos decidiram tratar de outros interesses. O assunto já estava meio esquecido quando, 25 anos depois daquela tarde no Veloso, todos finalmente puderam apreciar – desta vez, por completo – os atributos da “Garota de Ipanema” original, na edição de maio de 1987 da Playboy brasileira. Apesar de que 25 anos não são 25 dias. Vai daí...
Esta é a verdade sobre o nascimento de uma das mais lindas canções da bossa nova e, por que não dizer, da música popular de todos os tempos.
“Garota de Ipanema” continua a encantar até hoje quem a ouve pela primeira vez.
Bibliografia:
Livro “Chega de saudade” – Ruy Castro – Edição 2008
Coleção FOLHA 50 anos de bossa nova – Folha de São Paulo
Contra-capas de discos da época
Arquivo pessoal do autor
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