CONCEITO DE ESPAÇO E ESPAÇO HUMANO
ESPAÇO
A delimitação é o começo de qualquer investigação, afinal a natureza é uma unidade e todos os recortes que fazemos nela nada mais são que a fixação do objeto de pesquisa. E ela é sempre artificial, posto que as partes, resultados das delimitação, são divisões formais e relativas apenas. Afinal, se posso dizer serem os elétrons, prótons, nêutrons e outras partículas parcelas de uma parte maior a que chamo de átomo, posso, analogamente, dizer que certo elétron deste mesmo átomo e um lápis de colorir são partes de uma counóise – sendo que o leitor não encontrará esta palavra no dicionário, pois é um ente de invenção minha; amostra da artificialidade da parte.
“Em determinado extensão física do mundo acontece”. Esta afirmação carrega justamente os caracteres que definem o objeto de pesquisa a que se pode dizer “espaço”. O espaço físico, invólucro ou continente, não é suficiente para se definir um espaço. Assim como não apenas os seus sujeitos e conteúdo físico. Também as atividades que ali ocorrem ao longo do tempo e o próprio tempo são necessários para “localizar” o espaço, mas mesmo junto às anteriormente descritas não são sempre suficientes.
Uma determinada área em que há bem dois anos havia um resquício de floresta atlântica paralela a uma rodovia agora abriga atividades residenciais e comerciais, o que nos dá a clareza de que são espaços diversos? Primeira diferença existe na medida em que primeiro nos referimos a um antes e posteriormente a um depois (não é uma redundância). Os objetos estão como distintos primeiramente por um intervalo de tempo, então. Mas que lei natural que não a da minha conveniência – e aí a artificialidade da delimitação – determinou estes intervalos de tempo?
A definição matemática de espaço pode confundir aqui. Afinal, o espaço matemático que mais se aproxima do real pode ser definido por três vetores, mas a expressão não supõe nada mais que variáveis que suprem um vazio imaginário no plano cartesiano. Se não fosse imaginário ainda não poderíamos dizer imediatamente, deste vazio, espaço. Para a definição determinado espaço deve ser computado o seu conteúdo físico. Ainda que não haja nada. Sobre a superfície da terra geralmente há, ainda que nitrogênio, e em nosso exemplo o que há de físico nos espaços é, na floresta, seus animais, o ar e tudo que ali tenha matéria e assim como no outro as casas, lojas, pessoas e tudo que tenha matéria.
A filosofia cartesiana, porém, acrescentaria a esta definição algo, uma vez que defenderia a existência de um sujeito superior à matéria e diferente dos animais. Digo, claro, de nós, dos humanos. Mas é mesmo evidente a artificialidade também desta separação cartesiana, que considera o homem sujeito e o resto das coisas objeto. À parte todas as implicações terríveis que este modo ocidental de pensar suscitou e suscita, não parece que é mais do que narcisismo da parte do homem definir-se sujeito. Ora, por que não seria também objeto? E assim uso, como Frampton, Heidegger, mas de modo diverso. O sujeito não é senão que um recorte mundano que interfere no resto do mundo, sobre influência deste, que é, como ele, coisa . E deste modo será usado o termo aqui.
Da definição matemática é possível retirar algo útil ao entendimento do espaço. Justamente aquele vazio que está no plano cartesiano, se transposto para a realidade, define um vazio real, o que constitui um dos definidores do espaço. Por vezes este vazio é definido pelo conteúdo físico, quando, por exemplo, se define o espaço “Cordilheira dos Andes”, “Sierra Maestra” ou “Amazônia”. Relação invertida quando se refere a limites políticos, como Haiti, Benin, Amazônia Legal... Esse vazio é, claro, relativo também a um ponto conveniente, afinal, se a terra gira e também o sistema solar, para um referencial no infinito seria impraticável delimitar o vão que envolve certo espaço. O Pacote imaginário que contém a floresta e o condomínio que a suplantou são o vazio continente de ambos os lugares e coincidem nesse caso.
Durante aquele intervalo de tempo por mim definido ocorreu certa atividade. Na paisagem natural, houve o desenvolvimento das teias alimentares, o ciclo de vida dos animais e sua decomposição, a evapotranspiração e os deslocamentos de ar etc. Enquanto que no condomínio pessoas estão circulando com seus carros e um centro comercial os apóia em sua diversão, as empregadas domésticas varrem, os balconistas atendem, alguém escreve um ensaio. Coisas se interam e supõem um passado, são o resultado dele. A soma de coisas mais tempo encontra identidade com a atividade. Ainda que seja a constante, muito embora seja rara esta situação quando pelo menos existe, em determinado vazio continente, algo material, acrescente-se a impraticabilidade do zero kelvin.
E a atividade transforma o espaço. É segura a transformação se suposta a atividade, uma vez que, se for constante, malgrado não haja transformação física, terá pelo menos decorrido tempo. Em situação contrária, quando não houver intervalo de tempo para supor uma atividade de transformação ou continuidade, não haverá também o devir constante de espaços diferentes; de tal sorte que advém a impossibilidade de deduzir pelo menos um espaço.
O que torna fácil inferir que, além de transformar, a atividade caracteriza um espaço, ou seja, define-o em essência ao mesmo tempo em que nega sucessivamente todos espaços do determinado vazio continente disposto na linha do tempo. Antes das construções completas na floresta, houve um espaço de trabalho, uma atividade que caracterizou o canteiro de obras, mas que o negou como canteiro no futuro, tornando-o condomínio. Isso através da negação sistemática de espaços menores que sempre devinham, surgiam.
Portanto, o que delimita um espaço genericamente é o intervalo de tempo, o conteúdo físico, o vazio continente e as atividades (corolário soma coisas-tempo).
O ESPAÇO HUMANO
“O homem encontra o ambiente sem hospitalidade
E trata de provê-la incontinenti para si
E modifica, cresce; em redor: uma cidade!
E outras dentro do tempo hão de vir
Uma tribo não é uma reunião de casas
E o mundo não é a reunião das tribos
Pois não só no que se toca e é útil a vista
Os homens encontram o seu abrigo.
O mundo transcende o material, o aqui e agora
Mundo se vive dentro, aqui, hoje, lá fora!
Na saudade, na recordação, no outrora
No prever, no planejar, no falar, em discorrer...
Não é propriamente o chão que sustenta
Pela idéias o ser também é erigido, é sustentado!
Pelo que cria em parte, e em muito vive embuçado
nas palavras que cria por criar.
As tradições nada mais são que fumaça
Fumaça fixa que não se pode fustigar
pela certeza no que não existe
o homem constrói e derruba o que se obtemperar
O homem é refém do querer absoluto
E espelha sua imagem em Quem o criou
Quando, na verdade, é o Seu deus a criatura
E loucura é falar com quem se desenhou!
O homem tem a cabeça cheia de significados
que dizem que à sua natureza deve contrariar
Tanto que o homem tenta o suicídio!
Então, racional é ele ou o animal que nunca iria se matar?”
KELLER, A. In O que é o mundo.
A Europa Feudal é o maior dos exemplos do conceito de espaço. Da queda do Império Romano do Ocidente à do Oriente ocorreu; seu conteúdo físico? a Europa daquele intervalo de tempo, além das trocas com os árabes, por exemplo; suas atividades? do dito mesmo deduzida: do trabalho da terra pelos servos sob o olhar e atividades do clero e dos senhores – ovelha, pastor e lobos, respectivamente, segundo um texto da época. Mais as atividades da natureza e de todo o conteúdo físico em geral; o vazio continente podia deduzir ser um grande prisma de base idêntica aos limites da Europa, mas estendido ao céu, de onde, além das lunetas árabes, só o imaginário e a conjetura transpunham.
Se definíssemos um sólido de vazio continente para abrigar a conjuntura globalizada atual, o nosso mundo, veríamos que as fronteiras são as que não podem ser transposta senão pela imaginação. A figura geométrica referida teria nos limites a potência de um telescópio espacial. O espaço humano, no entanto, exige muito mais que a expansão possível por naus e astronaves, ocorre também da influência das coisas do mundo sobre o que pensa o homem e o que das idéias provenientes retroagem, ou seja, o homem associa com o lugar.
A priori me parece que a idéia nasce, ou de outra idéia, ou das coisas que existem em forma de matéria e do tempo, da natureza. São sensações só passíveis de apreensão, até onde sei, pelos seres que dispõem de um órgão de nome cérebro . Não de tão simples gradação como a temperatura ou a cor, as idéias provêm de micro-associações tão diversas, que suas distintas formas de relação tornam humanamente ilimitadas as suas possibilidades. Se ao observarmos a natureza forçosamente parece de uma infinidade incognoscível, devemos imaginar quão maiores são as relações que dela fazemos, então. E se são as idéias o nosso conhecimento acerca da natureza, é evidente que jamais conheceremos todas as idéias.
O limite se impõe às idéias, para por sua vez limitarem tal espaço humano, em forma cultura. Um animal sem nenhuma dúvida tem idéias, afinal um cão executa tal truque sob o pensamento de que posteriormente será recompensado e foge de algo que lhe possa ferir, sobretudo sob uma lembrança. Há, entretanto, entre muitas outras, uma principal diferença entre a relação do animal e do homem com a idéia. E decorre da capacidade de comunicação mais precisa das idéias dos humanos, mais elaboradas, entre os próprios e a decorrente mediação de suas vidas pelas tais.
As idéias sobre o lugar, conteúdo físico e suas relações, formam-se ao longo do tempo e constituem humanamente o passado. Constituem a tradição, a ideologia, a projeção. A cultura, pois. Torna-se esta mesmo, para a relação humana com espaço, um vínculo indispensável e que deve ser considerado como delimitador do espaço humano. O que também atende pelo nome de "mundo" e que, obviamente, está em função de cada humano, e grupos humanos. No caso da Europa Feudal, talvez possamos delimitar pelos pensamentos, em relação à terra, ao céu e a todo o conteúdo físico do lugar: religioso cristão católico, pela influência germânica, pagã, romana etc., embora seja evidente aqui a generalização .