O fazer artístico.

Não existe receita certa para o fazer artístico, não se faz arte como se prepara um bolo ou se compra pão em uma padaria ou se encontra pronto num livro estampado, manual de instrução exata, texto prescritivo.

Não se faz arte como quem planeja chegar a lua através de uma super aeronova feita de tantos materiais, projetados, examinados, produzidos em laboratórios, testados e aprovados de forma meramente racional.

Não se faz arte esperando um resultado único, explicado, definido, comprovada e teorizado, eliminando a interpretação, a estranheza, a sensibilidade de quem vê o objeto e se pega contemplado.

Pode-se dizer que o preparo de um bolo pode ser comparado com o fazer artístico. O momento mágico da criação, a escolha dos ingredientes, a mistura, a forma final, o resultado. O esforço exigido, a emoção de está fazendo algo que o resultado final será o seu esforço pessoal, essência de um trabalho devoto, a emoção de saber-se ali um fruto de um trabalho realizado.

A forma dada aos pães para encher os olhos de quem o adimira na vitrine do expositor da padaria e o deseja porque aguçou a sensibilidade, fez nos olhos o diferente, o necessário para se ver ser sensível a um estímulo exposto nascido de alguém que desejou ou fez ou realizou a vida, a necessidade de representação da vida de um outro lado.

O projeto de uma aeronave, sua forma, seu volume, seu disagner. O rabisco do desenho, as linhas, o que se espera projetado, a sensibilidade provocada, é o campo da arte, do fazer artístico e até mesmo os vários escritos, registros de seres sobre o fazer de outros, estudo peculiar, teoria criada depois do ato de criação executado.

O prazer da arte está em fazer arte, representar o real de maneira a modificar a vida, arte como expressão do belo, do estético, da devoção que se instala no uso das cores, dos movimentos, dos traços, das manifestações.

Arte rupestre nascida da necessidade do homem representar suas ações cotidianas em pedras, cavernas, ossos de animais, utilizando material do seu próprio habitat. O fazer artístico como necessidade de representação das ações vivenciadas, modificação do meio e da vida. Arte magia, manifestação da fé, das crendices, do religare aos deuses como agradecimento em busca de graça, fertilidade, fartura e benção.

Arte clássica, a arte do belo, da expressão das divindades, dos mitos. A fusão do cosmo com o terreno, do divino com o profano, a busca da gratidão, da perfeição. Fazer arte a procura de explicar a razão do surgimento das coisas, do estético. Nesta arte o culto, o conhecimento pensado, articulado, definido. Arte que se contempla, que se expressa, que se representa, que funde mundos.

Arte medieval, sacrossanta, veiculada. A arte aprisionada a um movimento, a uma instituição. O domínio do fazer artístico e o risco de tirar a liberdade criadora. Arte voltada para interesses, pertencente a um único grupo para o seu bel-prazer. A arte catequese, ministrada sobre a batuta da igreja. Aqui, o surgimento dos rebeldes, dos grandes artistas que representavam realidades interpretadas. Para o artista um entendimento, para outros. outros sentidos.

Arte moderna, iluminada, servente de uma classe pensante, dos movimentos articulados, das expressões intimistas e das vanguardas. Arte dos burgos, representante de uma classe que distinguia quem produz da coisa produzido. De grandes gênios, de pouco acesso. Arte revolucionária.

Arte popular, anônima, feita por todos, com todos e para todos. A manifestação diária, nunca morta, sempre atuante. Dada pela manifestação do sacro sincronizado com o profano. A arte que se inventa e se reinventa nos movimentos corpóreos, expressões circenses, cênico. A arte do poeta popular, do brincante, do artesão. A arte artesanato, da massa, da costura, do atelier caseiro, dos mamulengos, das máscaras.

Arte contemporânea. A arte de valor estimado, de espírito elevado. A arte dos movimentos de corpo, de gente, de várias caras. A arte do hoje, das maneiras, das atitudes, dos comportamentos, de várias gentes, arte vivenciada.

E arte que se diz produto da sub-arte, dos guetos, dos interesses, dos desinteressados. Arte marginal, subversiva, suburbana, arte real. Arte que se volta para origem e se pretende representar.

Arte de massa, manipulada pelo advento dos meios de comunicação. Atrelada, passageira, serventia de um grupo manipulador. A que não se define e se instala no meio do povo, oferecida como estilo, novidade, valor. Arte do lucro, banal, banalizada. A arte comercial, veiculada nos meios de comunicação, servidora de interesses particulares, fabricada, moldada, efêmera, passageira, presente na boca do povo, no corpo da gente, na formação de estilo, que não se necessita ser sentida, pensada. Arte de consumo, de bel-prazer, socializada nos costumes, nas tradições, financiada, a arte que chega ao povo.

Uma outra arte trancada em grandes salões, em poucos espaços, a arte que custa caro, distante, produzida nas universidades, por trás dos birôs, a arte dos intelectuais, dos pensadores, sistematizadores e detentores do conhecimento comprovado, valido, validado.

A arte hipócrita, mesquinha, interesseira, rotativa, sacal, pretensiosa, a arte enlatada, codificada em metáforas que não se explicam, vivida em compêndios, em manuais, difundida em pequenos grupos, a arte que vive de luto, enlutada, desconhecida, banal... Não se faz arte com desprezo, tentando distinguir o que se pode ou não se deve ser feito.

Arte é arte, manifestação interior, representação do mundo a partir de experiências individuais, particulares. Inquietudes, devaneios, desejos, sensibilidade. Trabalho, devoção, razão, equilíbrio, desequilíbrio, necessidade...

As várias obras e tantos registros de artistas e tantas informações criadas ao longo do tempo e da história, tudo isso é tão prazeroso quanto é prazeroso preparar um bom, bonito e belo bolo gostoso, além de poder encontrar o fazer artístico em todas estas manifestações humanas.

Concorda? Se concordar bem se não concordar do mesmo jeito, e olhe que de uma forma ou de outra estamos fazendo arte. Arte se faz com o pensamento. É a necessidade de raciocínio que faz com que o homem use suas faculdades para modificar, transformar o meio em que ele está inserido. Esta mudança, esta transformação, esta nova forma dada pelo homem no espaço é tida como arte. A arte compreendida de como parte inerente ao homem, aquele que aguça o ato da criação, da sensibilidade, da harmonia e da busca incessante da perfeição e da conduta.

Não importa muitas vezes no que se tenta sistematizar, dividir, difundir como conceito ou definição certa de arte. Tudo isso não passa, muitas vezes de interesse próprio, particular. O ser humano é um ser artístico, está fazendo arte a cada momento a partir da necessidade que tem de modificar o meio.

É certo que existem aqueles que aguçam, afloram em si uma sensibilidade diferenciada, e aí nasce uma outra coisa, o que se pode ser chamada de manifestação individual, particular. o homem cria suas linguagem, suas formas de dizer o que está em si.... Foi assim nos primórdios da história quando descobriu a necessidade que tinha de registrar nas paredes cenas do seu cotidiano, de transformar outros objetos presentes na natureza em utensílios para sobrevivência diária.

O homem que esculpiu em madeira, em mármore, em pedra, osso, em barro a imagens de deuses a procura da perfeição. O homem que criou o fogo, os gestos, a escrita, o som, os movimentos, as linguagens, o homem que fez, faz e fará sempre arte.

O fazer artístico está na vida. No prazer encontrado no ato da criação. É criando que a arte surge, é transformando que a arte se cria, é na expressão que a arte se faz vida. É na manifestação cotidiana do ser que a arte está: na expressão do seu rosto, no movimento do seu corpo, em sua moradia, nas paisagens que se apresentam, no sentir, no pensar, no agir. Viva a arte de cada dia.