Sistema eleitoral americano

Dias depois da eleição americana, encontrei-me com um amigo jornalista, colega de redação há alguns anos. Papo vai e vem, ele me diz que o sistema eleitoral de Tio Sam é ultrapassado e burocrático. Realmente é, concordei. Mas é porque estamos comparando com o nosso, brasileiro, feito há 20 anos, junto com a Constituição de 1988.

Tentei argumentar com meu amigo que sistema eleitoral retrógrado não é sinônimo de injustiça nem de antidemocratismo. Citei fatos da História americana e a idéia da tradição em lugar da lei. Mesmo assim, acho que ele não entendeu pororoca nenhuma. Por isso resolvi passar para o papel. Às vezes me saio melhor no papel que na boca.

Nosso sistema eleitoral é um dos mais justos e democráticos do mundo. Mesmo porque, como frisei lá em cima, foi votado faz apenas 20 anos. Então porque temos tantos problemas com nossos políticos? Ora, meu amigo. Não tenho certeza, mas talvez nosso problema seja a qualidade... do eleitor e do eleito.

O sistema americano é praticado há dois séculos. Eles são menos democráticos que nós? Claro que não. Levamos um banho deles. Democracia não é apenas eleição. É muito mais que isso. É a participação da sociedade nos destinos da nação, de várias formas, sendo uma delas a eleição. E até nisso, perdemos de goleada para eles. Os ianques praticam democracia e voto há 200 anos, embora tenha havido períodos em que mulher, pobre e negro não tinham acesso. Mas no Brasil, também. Então, porque até hoje não modernizaram seu sistema? Não precisam. Seguem a tradição e basta.

Feliz é o povo que cultiva tradições, pois aprende com seus ancestrais. Duas das maiores democracias do mundo (Inglaterra e EUA) são assim: um olho na modernidade e outro no passado. Adianta ter um sistema eleitoral matematicamente justo como o nosso sem cultivar tradição democrática? Pois é, muita gente diz que somos um povo sem memória. Existe no Brasil até mesmo um velho ditado que diz “Quem vive de passado é museu”. Aliás, nossos museus estão às moscas. É isso, não carregamos tradição. Estamos sempre a começar. Nós iniciamos como nação em 1500. Depois, recomeçamos em 1822,1899 e assim sucessivamente em 1930, 1945, 1964 e 1988.

Por não cultuarmos o passado, carecemos de leis para tudo, nos três níveis administrativos (federal, estadual e municipal). Ter lei para tudo resolve? Não. Estes códigos todos estão nos livros, nas bibliotecas e na cabeça de juiz e advogado. Não na nossa. Se pelos menos os conceitos mais básicos estivessem em nossa cabeça, aí sim teríamos a tão sonhada cidadania (direitos e deveres), que só é conquistada com anos de prática democrática e muita escola, o que não temos. Por causa da baixa escolaridade, os pais não têm muito o que transmitir aos filhos.

Nossa História é uma sucessão de períodos mais, menos ou de nenhuma democracia. A dos americanos, não. Eles sempre elegeram presidentes, governadores, deputados, senadores, xerifes, juízes... Lá, do jeito esquisito deles. Nunca passaram por golpes de Estado, mesmo quando enfrentaram uma guerra civil que dividiu o país em dois e nas quatro vezes em que um presidente foi assassinado durante o mandato (Lincoln, Garfield, McKinley e Kennedy), sem contar os que levaram um tirinho aqui, outro ali.

É minha gente. Feliz é o povo que carrega tradição, por que certamente precisará de menos lei para viver melhor. A lei é imposta pelo Estado pra cima do cidadão. Por isso, no Brasil temos outro velho ditado que diz “tal lei pegou, tal lei não pegou”. A tradição, não. Ela não é imposta. É passada de geração para geração, automaticamente, sem traumas, sem obrigação e ainda permite atualizações no decorrer dos anos. Por isso, sempre pega.

Os americanos não têm TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Não há uma lei federal para controlar eleição. Quem comanda tudo são os estados. Cada um dos 50 estados tem suas normas para eleição, bem como para os demais setores da justiça. Tem estado com pena de morte, outro não tem. Tem estado com divórcio e outro não.

Ora, se as leis são diferentes em cada unidade, as eleições também são diferentes. Tem estado com urna eletrônica e outro com o papelzinho. Tem estado que elege um monte de gente junto com o presidente, outro não. Tem estado que aceita voto pelo correio um mês antes da eleição, outro não. Tem estado que aproveita a eleição presidencial para consultar o povo sobre determinada lei em elaboração. Por isso, que a gente vê na televisão aqueles eleitores com um monte de papel na mão esperando a hora de votar.

Aliás, o voto não é obrigatório. Mesmo assim, neste último pleito, Obama e McCain tiraram, se não me engano, mais de 60% da população de casa. Gente que enfrentou horas na fila para votar. Aliás, nem mesmo feriado é no dia da eleição. Tem empresa que cede algumas horas para o empregado votar e outras que até descontam do salário.

Por que os estados americanos funcionam dessa forma, independentes em relação à União? Isto foi pensado por Washington, Jefferson e companhia. É o preço que a União paga para manter o pacto federativo. Em se tratando de federação de estados, eles são imbatíveis. Conseguiram uma proeza. Os 50 estados são autônomos, porém (aqui está o segredo) só a União é soberana.

A soberania da União foi violada apenas uma vez, em 1861, o que causou a Guerra de Secessão. Mas, Lincoln reanexou o Sul revoltado e o país tornou-se a maior nação do planeta 40 anos depois. Lincoln pagou a vitória com sua vida.

O sistema eleitoral americano é ultrapassado tecnicamente. Na prática, não. É um povo que tem muito a ensinar em democracia. Pena que seja um país imperialista, que considera o resto do mundo como sua periferia. Pena que se achem o umbigo e farol do mundo. Pena que de vez em quando sacrificam o planeta com suas crises econômicas, fruto da mais pura especulação. Mas tudo bem, a História sempre foi assim. O poderoso predomina sobre os fracos. Talvez um dia...