A FORÇA DO SILÊNCIO
Certa vez chamou-me a atenção uma reportagem que ressaltava os efeitos do caos urbano. Com muito acerto, exibindo cenas do cotidiano tumultuado das ruas, enfatizavam que, nas grandes cidades, em meio a parafernália de informações e apelos auditivos e visuais nos quais as pessoas vivem mergulhadas, ninguém mais escuta, apenas ouve; menos ainda enxergam, somente vêem. Há uma linha divisória sutil no significado desses dois verbos. No que concerne aos seus efeitos práticos, devemos zelar para não transferi-los, desavisadamente, para o interior dos nossos lares - ou nunca encontraremos paz.
O lar é – ou deveria ser – aquele recinto sagrado das nossas experiências programadas anteriormente às reencarnações, onde exercitamos, intensamente, a sedimentação da afetividade com aqueles que, em vivências passadas, já lográvamos empatia; mas, e principalmente, com os que não conseguimos desenvolver tanta sintonia assim, seja em razão de dissensões, ou em decorrência das diferenças naturais, que pontuam personalidades e índoles.
Convivendo, portanto, diariamente neste grupo menor, e supinamente importante em termos evolutivos para todos os envolvidos, é importante não nos deixarmos arrastar, desapercebidamente, pelos resultados negativos do stress diário do trabalho profissional ou dos reveses vividos no lado de fora dos portões do lar, na hora de rejeitar, áspera e impensadamente, a brincadeira ou os beijos do filho pequeno por causa da atenção presa no jornal da noite que, em última instância, exibe coisa não muito diversa do que já se assistiu durante o dia nas ruas; zelar pela harmonia familiar, do tom da voz, não falando e respondendo evasivamente para ensimesmar-se com problemas alheios que povoam o nosso mundo íntimo - mas, de fato, falando no sentido de comunicar-se, e respondendo por ter, efetivamente, “escutado” a pergunta que nos dirigem. Realmente valorizar mais o diálogo familiar do que a programação televisiva, passível de nos tornar autômatos dentro de nossas próprias residências, cegos e surdos para tudo que não seja o que nos diz a telinha.
Certa vez, faz tempo, na companhia de pessoas amigas, fizemos um passeio agradabilíssimo até os cumes da Floresta da Tijuca no Rio de Janeiro, a maior floresta urbana do mundo, e um oásis para todos os cariocas que anseiam fugir, por algum tempo, do caos enervante do emaranhado de ruas lá embaixo. Lembro bem que, conforme subíamos, com paradas periódicas a cada trecho para apreciarmos a paisagem, o silêncio, literalmente, “falava cada vez mais alto”. O ar, puríssimo para os padrões urbanos ao qual estamos habituados; a visão majestosa do arvoredo circundante, o cantar dos pássaros; os aromas e os cariciosos ruídos da mata fechada. Em dado momento, não mais apenas olhávamos – “enxergávamos” em torno. E não somente ouvíamos – tomados de embriagante prazer, “escutávamos” os rumores suaves da Natureza exuberante que nos cercava.
Até que a senhora muito gentil que nos acompanhava na excursão enunciou, em voz baixa, visivelmente desafogada e feliz: “Ouça! É a presença de Deus!”...Olhando em torno, e avistando alguns outros poucos turistas, notei, admirada, que não apenas nós, sem que nos déssemos conta, havíamos baixado o tom para aquele quase cochicho reverente. Todos os ali presentes assim expressavam-se, dessa forma gentil, e tão terna quanto a carícia recebida daquele panorama divino e maravilhoso.
É como um despertamento natural dos sentidos, que deveríamos exercitar também em casa, o primeiro e mais acessível local onde nos desembaraçamos do atordoamento desnorteante, para os nossos sentidos, das ruas no dia-a-dia. E, naturalmente, com este despertamento, reagimos com maior docilidade. É mais do que possível - dependendo apenas de alguma força de vontade e de atenção – e, mais do que tudo, é o que merecemos.
Não adianta nada criticarmos a ausência absoluta de qualidade de vida nos meios urbanos se não contribuímos, através do esforço na nossa própria educação, para elevar os padrões no lugar primeiro e mais sagrado onde habitamos desde o ingresso de retorno no orbe terreno, qual seja o nosso lar. É ele, de fato, o cadinho de ensaios onde devemos treinar o valor das expressões maiores e mais nobres do silêncio e da atenção, no momento de escutarmos, vermos e falarmos mais valorosamente, porque então entenderemos que podemos encontrar a Deus com facilidade não apenas no alto das montanhas, mas também – e principalmente – nos nossos círculos de convivências e naquilo que existe de melhor em nós mesmos, ao nos sentirmos capazes de expressar amor e gentileza aos nossos semelhantes.
Com amor,