REFORMA ORTOGRÁFICA DA LÍNGUA PORTUGUESA _ I
O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, foi assinado em Lisboa, em 16 de dezembro de 1990, por Portugal, Brasil, Angola, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e, posteriormente, por Timor Leste. No Brasil, o Acordo foi aprovado pelo Decreto Legislativo número 54, de 18 de abril de 1995.
Este texto pretende fazer uma reflexão sobre o Acordo e as novas regras da ortografia da Língua Portuguesa.
Há muitos anos tentamos conviver com a língua escrita, procurando atender às determinações sobre ela, como o faremos quanto à nova Reforma Ortográfica.
Diz o ditado: “Manda quem pode, e obedece quem tem juízo”. Como “para bom entendedor, meia palavra basta”, diríamos que, de vez em quando, o mundo e a língua nos surpreendem.
Ainda são muitos os que até hoje não conseguem sucesso com a ortografia ainda vigente. São esses mesmos e mais outros os ansiosos pela absorção das novas regras do jogo da escrita, o que não ocorrerá facilmente.
Recomendamos a leitura do Decreto para evitar tanta ansiedade e aquisição de livros milagreiros.
Segundo Tufano (2008), o acordo é tão somente ortográfico logo, pertencente ao mundo da língua escrita e não afeta aspecto algum da língua falada, e nem elimina todas as diferenças ortográficas existentes entre países cuja língua oficial é a portuguesa.
Entendemos, então, que isto pode querer dizer que em palavras como vôo, alcatéia, alcalóide, apóia e celulóide, por exemplo, não se deve alterar a pronúncia para /v ò ó/, /v ô ô/, / v ô u/; /aukatêia/; /apoía/, /apôia/; etc.
Mas só o tempo nos dará a resposta, quando milhares de crianças forem alfabetizadas. Quem sabe poderão enveredar por uma pronúncia mais parecida com a de Portugal.
Será que a nossa netinha, daqui a quinze anos, dirá “Hoje eu estréio o meu vestido” ou “Hoje eu estrêio o meu vestido”?
Como será lida uma frase como no exemplo seguinte?
“Tive uma ideia, vou fazer uma geleia para a plateia que assiste a odisseia.”
O mesmo Tufano, já citado, inclui que o Acordo não é claro em vários aspectos. Observe, por exemplo, que, no caso de palavras oxítonas que contêm ditongo aberto éi / ói, a recomendação é diferente e o acento é mantido. Alguém disse o motivo para continuarmos acentuando chapéu, herói, anéis, bacharéis, anzóis, troféu, troféus?
No que diz respeito às letras k, w e y, é evidente que foram tiradas por motivos xenófobos e/ou falsamente patrióticos. Essas letras foram retiradas do alfabeto, mas não poderiam ser excluídas da língua. Há muito entraram no Brasil. Imagine qualquer um como seria até engraçado escrever aportuguesadamente os adjetivos shaquespiriano e baironiano, entre tantos outros.
Perdemos o costume de ler o alfabeto sem essas letras e voltamos à condição de analfabetos, pois ficamos sempre em dúvida sobre se é antes ou depois de determinada letra “brasileira” / “portuguesa” que ficam essas outrora enjeitadas que agora adquiriram visto permanente. São estrangeiras naturalizadas. Feliz retorno ao lugar do qual jamais deveriam ter saído.
Coitado do trema. Deve estar sofrendo de complexo de rejeição, pois não é de agora que tentam expulsá-lo. Peço desculpas ao trema, mas que trabalho dá, quando se está digitando, ter que baixar a tecla. Não fique depressivo, amigo trema, amam você na Alemanha. Mas, não esqueça de que ainda precisamos de sua presença nas palavras alemãs que tenham o sofisticado desenho. Por outro lado, corremos o risco de pronunciar /cuincuênio/, /delincuente/, /cincuenta/, /elocuente/, mas tudo /trancuilo/. Nós, brasileiros, adoramos sons que promovem duplos sentidos.
Três rapazes de personalidade são o til, o ç e o h, não há quem lhes tire o cetro e a coroa. Com o til, tudo bem, para que uma bela manhã não venha a ser uma bela manha. Mas e o h? Como toda herança, dá muito trabalho.
O cauíla é alguém avarento, sovina. Pesquisei nos dicionários, mas não foi tão fácil achar. Quem já ouviu ou pronunciou a palavra cauíla? Então, se a resposta é sim, você deveria ganhar um prêmio, um carro zero quilômetro.
A palavra cauíla entra como exemplo da regra que extingue a acentuação do i e do u que estiverem depois de ditongo nas palavras paroxítonas, a exemplo de outras como: baiuca, bocaiuva, feiura, que poderiam ser pronunciadas tranquilamente como ba-iu-ca, bo-ca-iu-va e fe-iu-ra _ e continuariam sendo paroxítonas.
Dizem que a Reforma foi pensada para simplificar. Ainda não nos convencemos disto. Fazemos questão de repetir que não estamos contra a Reforma, apenas observando alguns aspectos. Dá vontade de ser radical e dizer que o ideal seria retirar quase tudo.
Quanto à última regra comentada, para complicar, continuam sendo acentuadas palavras como: tuiuiú, tuiuiús, Piauí, porque são oxítonas e o i e o u estão em posição final, esteja a palavra singular ou plural. Será que existe plural de Piauí? Talvez aí tenham os responsáveis pelo acordo pensado na fonética e lembrado que a língua escrita é uma tentativa de imitar a língua oral. Experimentem pronunciar essas palavras sem o acento!
Alguém pode até pensar que estamos defendendo a manutenção dos sinais gráficos, pois estão enganados. O inglês vive muito bem, obrigado, sem esses sinais. É uma felicidade não ficar colocando e tirando. A nossa língua é filha de uma que não passava por esse constrangimento. Quem teria inventado o acento?
Não é necessariamente obrigatório ser pedagogo ou psicopedagogo para sentir que a alfabetização ficará agora mais complicada, é só observar a regra que retira os acentos dos hiatos ee e oo, como em abençoo, enjoo, leem, deem, doo, perdoo, magoo, povoo, etc. Parece que vamos ter que a adotar o spelling do inglês: e - n - j - o – o. Com a palavra os pedagogos.
Para se saber que há o conceito de acento diferencial é necessário ter a informação da existência anterior de certo número de vocábulos que recebiam essa acentuação_ e que esse número foi reduzido na reforma ortográfica anterior à recém aprovada.
A nova reforma deixou o acento diferencial para o pretérito perfeito do modo indicativo, 3ª. pessoa do singular do verbo poder (pôde); para o infinitivo pôr; para as formas que diferenciam o singular do plural dos verbos ter e vir e também de seus derivados: tem/ têm; vem /vêm; mantém/ mantêm; convém/ convêm; detém/ detêm; intervém/ intervêm.
Como permanecem algumas regras de forma praticamente inalterável, o melhor é, se usarmos o computador, ter instalado um programa que nos ajude até nos habituarmos totalmente à novidade. Se escrevendo no papel, melhor ter sempre à mão um material de qualidade para nos auxiliar. De toda sorte, ainda temos tempo, o tempo da transição previsto no decreto e o da criação dos novos dicionários. Esses cuidados evitarão que escrevamos um texto à semelhança de um ornitorrinco: correto para a ortografia ainda válida. E incorreto, levando-se em consideração a nova ortografia. Aí a emenda sairá pior que o soneto.
Convém lembrar que o uso do acento circunflexo para fazer a diferença entre forma (verbo formar) e fôrma (substantivo comum) é facultativo. Se for para a felicidade da nação, o circunflexo fica. Isto é, se ajuda a esclarecer o significado, como na frase:
“A fôrma é ideal para o que eu desejo.” Aqui se supõe que há um contexto no qual a palavra fôrma significa recipiente.
“A forma é ideal para o que eu desejo”. Aqui o contexto envolveria um significado diferente do primeiro exemplo. Poderia tratar-se de forma física corporal. Na linguagem oral é mais fácil identificar pelo som aberto ou fechado do o.
Em “Tu arguis teus alunos, ele argui os dele e os supervisores (eles) arguem os que chegarem por último” não se usará mais o acento agudo no u tônico, do presente do indicativo dos verbos arguir e redarguir, dispõe o decreto.
Como Roma não se fez em um só dia, voltaremos com a parte mais complicada em uma segunda reflexão.
REFERÊNCIAS
TUFANO, Douglas. Guia prático da nova ortografia. Saiba o que mudou na ortografia brasileira. São Paulo: Editora Melhoramentos Ltda., 2008