O mendigo no centro espírita
O mendigo no centro espírita
Wellington Balbo – Bauru -SP.
A noite estava exuberante, as estrelas cintilavam rendendo culto ao criador da Vida enquanto a lua mostrava sua incomparável beleza para aqueles que entravam no salão do centro espírita naquela encantadora quinta feira. Na data em questão seria proferida palestra por querido orador de outra localidade, por isso o movimento era intenso. Expectativa grande, alegria estampada nos semblantes dos dirigentes e freqüentadores, sinceros amigos do orador visitante. Seriam certamente momentos inesquecíveis que ficariam gravados na memória de todos os presentes.
A palestra tão aguardada iniciou-se. O orador, eloqüente como de costume, verve inflamada pelo ideal de servir, discursava em torno do amor e seus benefícios. Falava com maestria que a caridade está mais no gesto do que no fato, enfatizava a necessidade do amor espontâneo, sem cobranças e preconceitos. Convidava os presentes à exemplificação das lições do Cristo, mostrava com sua palavra as belezas do Evangelho. Emocionado, transmitia seus eflúvios à platéia que atenta, observava todos seus movimentos. Tudo transcorria dentro do previsto, mas eis a surpresa... um homem adentrou o recinto, maltrapilho, cabelos em desalinho e o semblante evidenciando os duros embates existenciais. Lágrimas desciam em profusão daquela triste figura humana demonstrando os inúmeros atropelos e desprezos que sofrera na vida. Dirigiu-se ao orador, pediu-lhe o microfone, a platéia ficou atônita, ninguém esperava por aquilo. Algumas pessoas levantaram-se e tentaram fazer o homem sentar, em vão, ele estava decidido a falar. O orador então demonstrando enorme sensibilidade e inspirado pela espiritualidade presente, passou-lhe o microfone. Foi um desabafo emocionante, falou sobre o distante sertão querido, lembrou-se da terna figura de sua mãe, discursou sobre a saudade, manifestou o desejo de voltar à terra natal e não se esqueceu de render homenagem à fantástica figura de Chico Xavier. A platéia assistia entre aturdida e surpresa as palavras daquele homem simples e maltratado pela vida que pedia apenas alguns minutos de atenção. Ao final de seu discurso o orador olhou-o com carinho, ambos tocados pela emoção abraçaram-se, encerrando de forma inesquecível aquela bela e encantadora noite de quinta feira no centro.
O centro espírita é universidade da vida que ensina o amor em seu mais amplo significado. O centro espírita é a casa aberta à comunidade, convidando todos à ceia da fraternidade. O centro espírita é o lar do afeto e benevolência para com o semelhante, local onde o amor expande-se em ondas de atenção, carinho e ternura. A diretoria do centro espírita poderia ter tomado atitude truculenta para com aquele inusitado visitante, retirando-o do local. O orador poderia ter se negado a passar-lhe a palavra, colocando fim à sua espontânea manifestação. No entanto, preferiram dar um voto de confiança a um ser humano que certamente costuma receber o desprezo quando não a repulsa dos outros. A espiritualidade comumente envia provas vivas para saber como está nosso comportamento, se estamos procurando aliar teoria e prática. Foi o que ocorreu na história narrada acima. Queriam saber se o orador e a platéia dispunham de tempo suficiente para ouvir alguém se apresentando de forma dura e pouco agradável aos olhos. Muito simples falar de amor, discursar sobre caridade, convidar às boas ações. Muito fácil respeitar a figura de alguém com posição social que se apresenta nos lugares de forma bem vestida, perfumada e esteticamente bela. Porém, mais complicado amar o andarilho, o indigente, o homem simples que pede alimento na porta de casa. Mais difícil amar o ser humano surrado pela vida, cuja imagem causa tristeza a nossos olhos. Todavia, forçoso admitir que se levamos vida embasada pelos ideais do Cristo não podemos esquecer que nossos irmãos mais necessitados são aqueles em penúria material ou mesmo moral, o mestre afirmou que os sãos não precisam de médico. É, pois, preciso amá-los realmente, dar-lhes atenção, dedicar-lhes carinho. Uma palavra, um gesto, um abraço trazem consigo forças inacreditáveis, são sementes atiradas ao solo que frutificarão em tempo oportuno. Talvez, quem sabe, ao receber atenção do público naquela casa de oração o inusitado visitante possa sentir-se amado e querido, e então terá forças para sacudir a poeira, dar a volta por cima e, mais importante, deixar a posição de pedinte para tornar-se trabalhador fiel e devotado à causa do Cristo. Afinal, nenhum de nós desceu para as lides terrenas fadados ao sofrimento, ao contrário, aqui estamos para o aprendizado e a evolução. Uma oportunidade concedida a quem está em dificuldade pode representar completa modificação em seu destino, transformando um panorama de dor e desolação em realidade pura e cristalina de ascensão espiritual.
Pensemos nisso.