UMA REFLEXÃO SOBRE A VIDA

UMA REFLEXÃO SOBRE A VIDA

Mariana Bezerra Lyra

Este texto é um convite a pararmos um momento da correria do nosso dia-a-dia e nos conectarmos com a crise que estamos vivendo no nosso planeta, o quanto podemos ser tão desumanos conosco. Onde visualizaremos algumas atitudes que precisamos transformar e alguns caminhos que poderemos percorrer para nos curarmos. As mudanças dos paradigmas de valores, culturais, sociais e econômicos partirão de nos sentirmos parte da natureza, de aprendermos através da sua simplicidade de ações.

Todos os dias nos deparamos com informações que mostram o sofrimento do planeta: florestas sendo devastadas, tempestades acabando com cidades, pessoas morrendo de fome, a violência aumentando nas cidades, milhares de pessoas procurando emprego, pessoas comendo lixo para sobreviver, propagandas de massa criando novas necessidades de consumo, rios poluídos pelos nossos lixos, pessoas clamando para terem direito a saúde... Esse é um pequeno retrato das conseqüências geradas principalmente nos últimos séculos, com o desenvolvimento da “Sociedade de Crescimento Industrial”.

Quando nos deparamos com esses sentimentos, a dor é tão grande que muitos não agüentam e tentam fugir, se afastar. Mas como diz muito bem Franz Kafka: “Você pode se afastar do sofrimento do mundo: isso é algo que você tem liberdade para fazer... mas esse afastamento é o único sofrimento que você poderá evitar”. Esse retrato nos paralisa em agir, em propor mudanças. Paulo Freire define bem essa paralisia: “A ideologia fatalista, imobilizante, que anima o discurso neoliberal anda solta no mundo. Com ares de pós-modernidade, insiste em convencermos de que nada podemos contra a realidade social que, de histórica e cultural, passa a ser ou a virar “quase natural”. Frases como “a realidade é assim mesmo, que podemos fazer?” ou “o desemprego no mundo é uma fatalidade do fim do século” expressa bem o fatalismo dessa ideologia e sua indiscutível vontade imobilizadora” . Temos que despertar, acordar para a beleza que nos espera, a vida. O mundo não agüenta mais nos permitirmos só sobreviver, aceitar o como está. Temos que lutar para vivermos! Não podemos permanecer cultivando algumas atitudes e práticas no nosso dia-a-dia.

Não dá para continuarmos sendo arrogantes, nos colocando como o centro do planeta. Onde “mandamos” e mudamos a natureza quando achamos ser necessário. Porque somos os mais desenvolvidos, os mais inteligentes, os “perfeitos”. Tão perfeitos que nos esquecemos de onde viemos. Demos preferência a desenvolver uma visão analítica, individualista, competitiva e mecânica que nos fez separar a emoção da razão, os sentimentos do pensamento e o fazer do fazedoro . Houve o desenvolvimento de especialização de partes do conhecimento, fazendo com que nos afastássemos do todo, fragmentássemos as nossas relações. Aprisionamos-nos em um sistema altamente mecânico, cheio de concreto, sem sentimentos. Expressar nossas emoções e fraquezas nem pensar! Temos que ser impecáveis, não podemos errar. Criamos uma lógica de sistema que precisamos ter bens materiais para mostrarmos o nosso valor. A sua permanência exige um ritmo louco, onde se utilizam recursos finitos da natureza desordenadamente em prol de uma eficiência dos meios de produção para alimentar o consumo, a e conseqüentemente a economia. Esta se tornou o principal componente para o desenvolvimento da sociedade. Onde alimentamos essa lógica trabalhando exaustivamente sem tempo para conversarmos e se relacionarmos com outras pessoas, refletirmos o que estamos fazendo com nossas vidas, meditarmos... As bases das relações sociais se tornaram o dinheiro, o valor, o capital, o ter e o eu acima de tudo.

Mesmo tomando consciência que precisamos assumir as nossas culpas no processo e deixarmos os nossos medos por mudanças de lado não conseguimos visualizar caminhos. E ficam as perguntas: Como podemos começar uma mudança do agir em sociedade? Onde podemos buscar pistas?

Faço um convite a nos re-conectarmos com a natureza. A voltarmos a ser parte dela para aprendermos com algumas características baseadas em alguns princípios fundamentais de um ser vivo.

Interligação

Fazemos parte de um inconsciente coletivo e dependemos uns dos outros para uma mudança mais substancial e uma permanência de relações mais saudáveis na sociedade. O sistema vivo é interligado a todos os seres e cada um tem uma importância para alcançarmos a sustentabilidade.

Parceria

Importância de desenvolvermos processos de cooperações entre as pessoas e grupos sem hierarquia e centralização de poder. Incentivar que cada pessoa desenvolva o seu poder fazer, as suas habilidades e potencialidades. Ao hierarquizarmos o poder passamos a desenvolver o poder sobre, onde algumas pessoas determinam o que a maioria deve fazer e atrofia o poder fazer destas que muitas vezes esquecem a sua capacidade de criar e mobilizar. Com isso há o rompimento da relação do fazer com o fazedoro. É importante salientar que só alcançaremos o significado de troca de mão dupla que exige numa parceria quando houver um agir coletivo entre as pessoas. Uma coisa é bem clara não nascemos para vivermos sozinhos. Precisamos nos relacionar!

Reciclagem

Temos que reaproveitar os materiais, os produtos, não consumir por consumir. Como diz Lavoisier: “na natureza nada se perde, tudo se transforma”. Temos que ter consciência do que acontece com o lixo que produzimos, para onde ele vai e os danos que ele gera ao nosso ambiente. E a partir disso visualizarmos alternativas saudáveis e criativas de como podemos reaproveitá-lo.

Diversidade

Saber de fato aproveitar as características diferentes para o desenvolvimento das pessoas, da sociedade, da vida e sempre ter em mente que cada pessoa é única. Cada ser tem uma especificidade e importância no equilíbrio do nosso sistema. Não podemos generalizar formas de agir e pensar.

Flexibilidade

Estarmos abertos a imprevistos, a mudanças, a criar novas possibilidades. O mundo capitalista gosta de tudo previsto e teorizado nos colocando muitas vezes em moldes e nos impossibilitando de fazer escolhas diferentes do roteiro, onde tira a nossa capacidade de poder-fazer, de criar e nos questionar. O caos faz parte da nossa vida.

Ao nos depararmos com estas características muitas pessoas irão falar que já tem o conhecimento da importância de mudar e desenvolvê-las no nosso dia-a-dia. Mas normalmente ficamos só na intenção como bem define Peter Marin em um ensaio sobre a dor moral: “Muitos sofrem de uma vaga e incipiente sensação de traição, de ter entrado na rua errada, de ter dito sim ou não no momento errado e para as coisas erradas, de ter, de algum modo, assumido uma espécie de culpa genérica por ter dois casacos enquanto outros não têm nenhum, ou de apenas ter demais enquanto outros não têm nada – mas continuam, mesmo assim, com suas vidas do jeito que estão”. Precisamos primeiramente assumir as nossas responsabilidades no processo de transformação da sociedade. Há a necessidade de abrirmos mãos de alguns costumes, condutas, atitudes, para conseguirmos visualizar a ligação de que possuímos com a natureza e o sistema vivo que fazemos parte. Não dá para continuarmos negando de onde viemos e vivendo na superficialidade dos relacionamentos. Vivemos em um sistema vivo cheio de conexões e sinergia. A fragmentação das nossas lutas só é uma forma de nos enfraquecermos. O desafio é tentarmos visualizar de uma forma mais coletiva que bate de frente com o individualismo doentio essas mudanças. Temos que quebrar os muros estabelecidos entre cada indivíduo. “Um ponto fundamental do movimento zapatista é que, por exemplo, ele nunca se definiu como indígena e nem tampouco negou o seu caráter indígena. Mais do que isso houve uma definição simultânea e uma transcendência: ‘somos indígenas e muito mais do que isso’”.Não adianta um grupo de pessoas pararem e pensarem o melhor para a sociedade estabelecer e criar leis, estatutos, conferência e maneiras mais “participativas” de ações para uma boa convivência. Nada disso vale se não mudarmos nossas atitudes perante a vida, se não abrirmos mãos de vícios adquiridos, de bens materiais em excesso e princípios e valores que contribuem para a destruição de nossas relações. É possível criar o possível. Temos que viver o que acreditamos. Claro que iremos ser incoerentes em alguns momentos, pois fazemos parte da sociedade. A consciência das nossas incoerências e a vontade de mudar e agir já é um bom começo!

Bibliografia

Freire, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

Holloway, John. Mudar o mundo sem tomar o poder. São Paulo: Viramundo, 2003.

Macy, Joanna. Nossa vida como Gaia. São Paulo: Gaia, 2004.

Pelizzoli, Marcelo. Bioética como novo paradigma. Rio de Janeiro: Vozes, 2007.

SILVEIRA, Caio. O Que é Sustentabilidade. In site: www.rits.org.br Rede de Informações para o Terceiro Setor (RITS). Artigo, 2001.

Maryan
Enviado por Maryan em 03/11/2008
Código do texto: T1263774
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