Como nasce um herói
Como nasce um herói
A trágica história do surfista Tony Andreo Villela, que salvou quatro rapazes de um afogamento em Guarujá e foi engolido pelo mar que ele acreditava conhecer tão bem
Por Fausto Salvadori Filho
Desbotado, o mar se confunde com o céu nublado e a areia cinzenta da praia de Pitangueiras, em Guarujá, litoral de São Paulo. São 11h30 da manhã do dia 4 de outubro, um sábado. A van preta de uma funerária avança pela areia até um grupo de cerca de 50 pessoas. Elas estão reunidas para um funeral, mas apenas a van, o céu e um agente funerário vestem preto. A pequena multidão carrega um luto feito de pés descalços, bermudas floridas e camisetas brancas. É a despedida de um herói.
Três semanas antes, por volta das 7h30 do dia 14 de setembro, o surfista e artesão Tony Andreo Villela, de 32 anos, ainda não era considerado um herói quando se inclinou na cama para beijar a mulher, Caroline Ueno, 21, e disse "tchau, princesa", antes de levar sua longboard para as ondas de Pitangueiras. O mar estava agitado, mas nada que perturbasse um surfista experiente como Tony, habituado a nadar naquela praia desde pequeno. Mesmo sem parafina na prancha, ele resolveu resgatar quatro rapazes que se afogavam. Ajudou-os a se afastar da área de risco, mas não conseguiu salvar a si próprio.
Parentes e amigos acreditam que as costas de Tony travaram durante o resgate - nos últimos meses, ele vinha sofrendo com dores intensas na coluna. Após o salvamento, o surfista perdeu a prancha e passou 15 minutos se debatendo na água. Bombeiros de jet ski e um helicóptero tentaram se aproximar dele, mas as ondas o arremessaram contra as pedras. Tony ainda tentou se agarrar às rochas cobertas de limo, mas acabou engolido pelo mar que conhecia tão bem. Quando seu corpo foi encontrado, três dias depois, a 5 quilômetros do local, todo o país já o chamava de herói.
O acaso pode estar na gênese de um herói. Tony estava acostumado a ajudar pessoas: recebera treinamento dos bombeiros e chegou a integrar um grupo de salva-vidas voluntários. "Só comigo ele fez mais de 50 salvamentos", afirma o instrutor de surfe Edilberto Cardoso, de 35 anos. Se, após salvar a vida de quatro desconhecidos naquele domingo, Tony tivesse ido pescar na ilha de Pompeva, como gostava de fazer, aquele teria sido mais um dos seus inúmeros resgates anônimos. Mas a possível combinação do mar revolto com uma dor nas costas o levou à morte e o transformou em herói - em um dos sentidos originais dessa palavra grega, herói era um mortal que após o falecimento ascendia à categoria de semideus, geralmente em razão de seus feitos nobres.
Apenas a sorte ou o azar, contudo, não são suficientes para explicar o heroísmo. As pessoas que se arriscam para salvar a vida de outras costumam ter o mesmo perfil. Muitas vezes são da classe trabalhadora, dotadas de forte sentido de empatia em relação ao próximo e desempenham funções nas quais costumam auxiliar os outros na vida diária. São policiais, enfermeiras ou, como no caso de Tony, um surfista com treinamento de bombeiro.