As admiráveis profecias de Aldous Huxley
Cada vez que leio “Admirável Mundo Novo”, escrito por Aldous Huxley em 1932, fico mais admirado. Principalmente, quando analiso duas situações:
1-A fantástica capacidade de Huxley entender as principais necessidades do mundo onde viveu, o que o fez imaginar um outro mundo, onde elas seriam totalmente supridas e os problemas, simplesmente, eliminados.
2-Apesar de esse “Mundo Novo” ser totalmente impossível e inimaginável para a época, ele se torna cada vez mais próximo e real, na medida em que os anos passam.
Analisemos, então, as duas perspectivas:
1 - O que teria inspirado Huxley a imaginar tal mundo? Talvez a busca por aquilo que mais faltava ao seu mundo naquele momento e o que viria a ser primordial no "Mundo Novo": a estabilidade. Tanto a individual, quanto a social. Quando escreveu este livro (que para mim, não é apenas um livro, é um marco profético), o mundo passava um momento muito conturbado e, demasiadamente, instável. Era o período entre as duas Grandes Guerras. Estado e sociedade tentavam equilibrar suas preocupações entre dois fatores: reconstruir o que a primeira guerra havia destruído e, ao mesmo tempo, tentar impedir aquilo que estava cada vez mais perto de ocorrer: a segunda Guerra Mundial. Huxley, ao analisar a problemática mundial em sua época, encontrou a causa principal de tudo aquilo, seja guerras, seja conflitos sociais ou violência urbana: a instabilidade. Daí surge um dos lemas de “Admirável Mundo Novo”: a ESTABILIDADE que, somada a COMUNIDADE (governo mundial) e IDENTIDADE (reprodução in vitro), formariam a base, o tripé que sustentaria essa nova sociedade.
ESTABILIDADE – “Não há civilização sem estabilidade social. Não há estabilidade social sem estabilidade individual”. Para os poderosos dessa nova sociedade, este era o único mandamento. Baseados em Freud (Ford) que, no livro toma dimensão divina, ocupando o lugar de Deus (as religiões foram abolidas), tudo era feito para consegui-la e mantê-la. Não se permitia paixões, religiões, casamento, família, parentes, amantes, nada. Tais sentimentos e instituições eram causa de instabilidade individual. A estabilidade social era conseqüência da individual, acrescentada da divisão em castas e condicionamento. Se houvesse algum risco de desestabilização, recorria-se ao soma.
COMUNIDADE - A união de todos os países do planeta em um único bloco mundial. Não haveria mais guerras e conflitos entre países. Todas as forças unidas em só uma direção.
IDENTIDADE – A produção de seres humanos em laboratório, a bokanovskização, o condicionamento (embrionário, infantil e juvenil) e a hipnopédia, levavam os cidadãos a terem plena aceitação de si mesmos e de sua imutável predestinação social.
Estava, pronto, então, o “Admirável Mundo Novo”.
2 – Realmente, o que mais me fascina nesta obra é o teor profético que ela carrega. Apesar de os fatos nela relatados serem totalmente estranhos à época, hoje, muito do que foi “profetizado” por Huxley, já acontece. Tomemos alguns exemplos:
Reprodução in vitro: No livro, a reprodução humana ocorria somente nos Centros de Incubação e Condicionamento. Não havia gravidez, muito menos partos. O sexo era apenas para o prazer. Os bebês eram “decantados”, depois serem incubados em bocais, durante o período gestacional.
O primeiro bebê fertilizado em laboratório nasceu 46 anos depois, em 1978. Hoje, isso já é rotina.
No livro, os embriões eram selecionados para que não tivessem doenças (ou forçados a terem deformidades, se de castas inferiores). O sexo e a aparência eram escolhidos. Algo totalmente ficcional para a época, até no campo científico.
As atuais técnicas genéticas permitem tal manipulação do embrião através do genoma humano, que só foi seqüenciado em 2003 (Projeto Genoma Humano). Hoje, através dessa manipulação genética, já se pode escolher o sexo, cor de olhos e cabelos do futuro bebê.
Reprodução em massa (Bokanovskização): o processo Bokanovsky permitia que um ovo fecundado se multiplicasse em até 96 ovos idênticos, os grupos bokanovsky. Tal processo permitia que toda a mão de obra de uma usina ou de uma fábrica fosse composta de gêmeos idênticos. “O princípio da produção em série aplicado enfim à biologia.”
Tal processo não nos lembra algo? É a clonagem! Algo que só ocorreu, pela primeira vez (em girinos), 30 anos após o livro. A expressão “clonagem humana” só apareceu nos anos 90. E Huxley já falava disso em 1932. Não é incrível?
A dessacralização, a apostasia, a desvalorização da família e do casamento: é só o que a mídia vem fazendo. Deus ocupa um espaço cada vez menor em nossa sociedade. Com os avanços tecnológicos, que nos curam e nos entretém cada vez mais, a religião é posta de lado. O cinema sensível, a música sintética e o órgão de perfumes, praticamente, já existem: é a realidade virtual.“Cada um pertence a todos.” O que mais se ouve entre os jovens hoje: Ninguém é de ninguém; Quantos(as) você pegou essa semana?; Casar pra quê? Se não der certo, separa. Todas, frases-irmãs do lema hipnopédico.
O soma: “O mundo é estável agora... e, se algo eventualmente sair errado, há o soma”. ”Lembre-se, um centímetro cúbico cura dez sentimentos tristes.” “Um grama é sempre melhor que uma raiva.” O que dizer sobre o soma? Ele nada mais é que um antidepressivo. O melhor deles. Sem efeitos colaterais, nem abstinência.
Hoje, as drogas, o álcool e os próprios antidepressivos equivalem ao soma. Permitem-nos a fuga da realidade cada vez que algo não vai bem. Os estimulantes sexuais, como o viagra e afrodisíacos, são os "chicletes de hormônio sexual" de hoje.E como tem crescido o consumo desses “somas”, devido a correria da vida moderna.
Governo Mundial: Até bem pouco tempo atrás, isso parecia quase que impossível. Principalmente na época do livro, em que o mundo estava todo dividido. Porém, hoje, isso já não parece mais tão distante. A globalização é um fenômeno que pode predispor essa tendência. Tendência essa que já faz com que os países se unam em blocos, como acontece com a União Européia, o bloco asiático e, bem timidamente, o Mercosul. Quem garante que tais blocos, no futuro, não venham a unir-se num só?
A hipnopedia e os trens monotrilhos também já não são ficção. As técnicas de rejuvenescimento e reposição hormonal também não o são.Talvez, o grande pecado de Huxley foi não ter previsto o desenvolvimento da informática, a internet e a telefonia celular. Mas aí, já seria exigir demais desse nosso verdadeiro profeta do mundo moderno.
Tudo isso causa-me encanto e temor, ao mesmo tempo. Encanto pelo talento deste escritor inglês que nos brindou com essa grande obra da literatura moderna. E temor de que suas previsões aconteçam na sua totalidade. Sou como o Selvagem, que não quer todas as facilidades daquele mundo de "plástico". Prefere a liberdade de sentimentos e de crença, nem que, para isso, seja preciso sofrer, ficar velho e doente. Prefere ter acesso aos livros, à cultura, a Deus, ao direito de escolha, nem que, pra isso, seja necessário uma certa dose de decepção, sacrifício e solidão. Espero que sejamos selvagens o bastante para não deixarmos que o “Admirável Mundo Novo” aconteça de verdade.
“Oh, admirável mundo novo, que encerra criaturas tais!”
A tempestade, William Shakespeare